A sala era vermelha, em uma parede lisa e “Luigi” escrito, supostamente, com a letra do mesmo. Me sentei na espécie de cadeira e ele ficou me encarando. Faltavam cabelos na parte de cima da cabeça dele, mas ele ainda tinha um rabo de cavalo liso que ia até o ombro. Levantei minha blusa até meus seios e deixei minha costela a mostra.

“Mary Lane, por favor.” –Eu disse.

“E como deseja?” –Ele disse.

Pensei bastante e desenhei em um papel uma letra parecida com de Mary e disse que queria daquele jeito e ele apenas disse “Perfeito”. Não sei o que era maior, minha dor ou o barulho da máquina. Luigi começou a escrever na costela do meu lado direito. Não sei quanto tempo demorou, mas parecia que ele estava escrevendo em todo o meu corpo e nunca que acabava. Ainda com a pele super vermelha e com sangue, ele me mostrou no espelho e por um momento eu quis abraçá-lo. Estava linda. A dor havia valido a pena. Ele passou algo e a cobriu. Pedro pagou no caixa e minha costela doía muito, mas eu permanecia com um enorme sorriso no rosto. Parecia que Mary havia assinado em minha costela. Nossas letras eram bastante parecidas.

“Muito obrigada.” –Foi tudo o que consegui dizer.

Quando chegamos em casa, mostrei a tatuagem para Camilla, que achou “irada”. Mostrei para Pablo e a nova garota, que não era Samantha. De acordo com Pablo, ela estava “perfeita”. Eu estava amando e não parava de olhar no espelho do quarto de Pablo.

“Vamos montar a árvore!” –Camilla gritou da sala.

Sai do quarto e fui até eles. Era noite do dia 23. A árvore tinha um metro de altura, era branca. A colocamos próxima ao corredor dos quartos. Camilla e eu a envolvemos, delicadamente, com o pisca-pica azul. Pedro e Pablo colocaram os outros enfeites, os quais Camilla e eu tiramos e reorganizamos. Camilla colorou a estrela dourada no topo da árvore e ligamos o pisca-pisca na tomada. Pedro apagou a luz e a sala ficou tomada pela luz azul. Camilla envolveu minha cintura com seus braços e ficamos observando a árvore brilhar.

“Vamos comer.” –Disse Pablo, cortando o momento.

“Posso convidar Heloisa?” –Camilla me perguntou.

Antes que eu respondesse, Pablo perguntou se a menina era bonita e Camilla afirmou, parecendo empolgada. Pablo a deixou jantar conosco e foi até divertido. Heloisa era divertida e não parava de falar. Sempre contando sobre suas vinte viagens que completou no mês passado. Ela aparentava ter a minha idade, mas era apenas um ano mais velha que Camilla. Seu cabelo era bastante cacheado. Castanho claro e com uma mecha roxa do lado direito. Sem franja, dava para reparar em sua testa um pouco grande. Ela usava um óculos no estilo clubmaster da cor preta, talvez fosse. Sua risada me assustava um pouco, mas eu ria mais disso do que da própria piada que ela contava. Heloisa era enorme. Ela jogava vôlei em um clube próximo, o qual ela não disse o nome. Novamente, Pablo havia pedido Yakisoba por telefone. Ele cozinhava tão bem, mas estava “cansado”. Sinceramente, não sei do que. Camilla contou sobre minha tatuagem e me vi obrigada a mostrar. Heloisa quis tocar e por reflexo, recuei. Ela começou a reclamar que a mãe não a deixava fazer uma tatuagem, por menor que fosse. Pablo já não aguentava mais Heloisa, mas já estava em sua terceira lata de cerveja e não ligava mais para o que ela dizia.

Era madrugada do dia 24 quando Heloisa foi embora. Pablo já estava dormindo no sofá. Bêbado. Pedro e Camilla estavam recolhendo as coisas, enquanto eu lavava a louça. Onde eu havia feito a tatuagem, latejava e as vezes parava e eu esquecia que tinha feito uma.

“Ethan respondeu.” –Camilla disse, entrando na cozinha.

Sequei as mãos em um pano de prato com desenho de patinhos.

“Nossa, que história! Agora você está bem? Ed iria adorar saber disso. Ele ficou muito chateado contigo. Com o que estava acontecendo na época. Mas ele vai te perdoar quando souber de tudo. April e eu estamos juntos há um ano já. Até que estou feliz sim, mas preferia a vida de antigamente. Sinto muito por Mary, ela era uma mulher incrível. Se cuida. Ex”

 Eu estava começando a me sentir próxima dele novamente. Fiquei vendo suas fotos, enquanto Camilla e Pedro arrumavam a sala com os lençóis. Ele tinha o mesmo rosto inocente, mas estava maior. Bem maior. Ele cresceu bastante. Talvez estivesse fazendo exercícios, ao invés de só tocar violino. Não sei o que fizeram com nossa casa em Framlingham. Meu violino estava lá. Havia dez fotos, apenas uma tinha a April. Ela estava com os cabelos mais longos e muita maquiagem no rosto. Eles estavam se abraçando. Apenas April sorria. A legenda era “A melhor namorada do mundo”.

“Não sei quando terei a oportunidade de conversar com Teddy. Mas estou orgulhosa do que ele está se tornando. Felicidades para você e April. Sim, Mary era uma mulher incrível. Ela é um anjo. Estou em boa companhia agora. Ela foi ajudar outra pessoa mais necessitada. Assim como a filha dela. Feliz natal. Tenha um lindo dia com sua família.”

  Fogos explodiam lá fora. Era hora de acordar. Estava claro novamente e os carros buzinavam sem parar. Apenas eu dormia na cama de Pablo. Fui até a sala e Camilla assistia a algum desenho. Pedro e Pablo ainda estavam dormindo. Pablo estava prestes a cair. Era véspera de natal e os fogos não paravam. Confesso que estava com um certo trauma deles. Minha tatuagem não doía mais como antes, apenas se tocasse no local.

   Pablo fez uma rápida comida para o almoço e estava deliciosa.

“Qual será nossa ceia?” –Perguntei.

“Vamos comer na casa dos meus pais.” –Ele disse.

“Ninguém me contou sobre isso.” –Eu disse.

“Não se preocupe. Meus pais são metidos mas são legais.” –Ele disse.

Eu realmente estava preocupada. Eles iam me lotar de perguntas e eu iria gaguejar em todas. Talvez a verdade custasse a confiança deles. Quando eram seis e meia, tomei meu banho e coloquei a roupa que havia ganhado de Pedro. Camilla fez um penteado em meu cabelo, o prendeu de lado. Eu me sentia bonita. Eu não tinha obrigação de agradar os pais de Pablo, afinal, eu nada queria com ele, mas não queria criar um clima chato. Deixamos os presentes em casa, decidimos que trocaríamos na manhã ou tarde de natal. Fomos no carro de Pedro. Eles moravam no Leblon, o que não era uma surpresa.

Apertei, levemente, a mão de Roberto e Consuelo. Ela era linda. Uma típica latina. Aparentemente bem mais nova que Roberto. Como deduzi, Consuelo é mexicana, mas veio para o Brasil com menos de dez anos. Pablo me sussurrou todo seu histórico familiar enquanto caminhávamos até a sala de estar.

“Passamos as férias na Inglaterra ano passado.” –Disse Roberto.

Consuelo deu uma breve risada e logo parou. Roberto começou a contar sobre Londres e Consuelo o completava.

“Conhecemos a Inglaterra muito bem.” –Disse Roberto. –“De onde você é?”

“Framlingham, Suffolk.” –Respondi.

Um ponto de interrogação verde fluorescente brilhava em sua testa. Ele estava sem graça ao dizer que não conhecia. E ficou surpreso com o meu “pois deveria”. Ajudei Consuelo a arrumar a grande mesa.

“Então, me conte sobre seus pais.” –Disse Consuelo.

Estávamos na cozinha arrumando as comidas em seus devidos recipientes. Eu simplesmente comecei a tremer e fingi não ter ouvido, mas Consuelo falou em um tom tão carinhoso que me dava remorsos ignorá-la. Peguei a travessa com arroz e sai da cozinha, antes que ela me perguntasse novamente.

“Quer ajuda?” –Pedro me perguntou.

Neguei com a cabeça, mas ele tomou a travessa da minha mão e a colocou na mesa. Estava um pouco pesada, devo admitir. Voltei para cozinha e Consuelo sorriu.

“Seu namorado é muito bonito.” –Ela disse.

“Desculpa. Namorado?”

“Sim. O Pedro.”

“Não, a senhora cometeu um engano. Ele não é meu namorado.”

“Mas vocês parecem um casal. Muito bonito, por sinal.”

“Não. Não. Não. Somos amigos.”

“Seus olhinhos brilhando me dizem o contrário.”

“Querem ajuda?” –Pedro tornou a perguntar, ao entrar na cozinha.

Consuelo piscou para mim e sorriu. Pegou um recipiente com frango e saiu. Nos deixando a sós.