A Vida Secreta Dos Imeros escrita por Kalyla Morat


Capítulo 2
Invasão




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A Fortaleza, 18 de abril de 2112.

            Cem anos se passaram desde a Grande Tragédia. Ela devastou o planeta e levou toda a população a ruína.  Milhões de pessoas morreram. Quem não morreu perfurado pelas balas das armas ou bombardeado, acabou morrendo de fome e sede. Tudo o que demorou milênios para ser construído foi destruído em pouco mais de 20 anos.


                A ganância e o poder foram as principais causas da guerra, mas o que a tornou mais letal que todas as outras, foi sem dúvida, o silêncio. Não sabíamos o que estava acontecendo até ser tarde demais. A solução foi fugir e se esconder. Lutávamos um com os outros por esconderijo e só os mais fortes, ou os que podiam pagar, sobreviviam. Idosos e doentes eram deixados à morte. 


                O último ataque foi o pior de todos. Ele espalhou radioatividade por todo o planeta, destruindo toda a vida sobre a terra. Os únicos sobreviventes foram os que se esconderam debaixo da terra, em túneis, cavernas ou nos trilhos do metrô. Muitos pensaram que era o fim da humanidade. Ah! Doce Ilusão!


                Quando puderam sair, o lado de fora estava inabitável. A vida na Terra se tornou extremamente difícil e muito perigosa. Os restantes 10 % da população mundial, foi obrigada a adaptar-se as novas condições de vida. Voltaram para os túneis e construíram cidades subterrâneas.


Meu livro de memórias – Felipe Candeiras


               

O som veio muito mais alto do que das outras vezes. Joguei o vítreo-livro na cama e escutei atentamente o padrão do alarme. Era contínuo e uníssono. Isso significava invasão. Provavelmente só mais um treinamento. Sem pensar duas vezes, segui as etapas de fuga conforme as regras. Segurança. Sobrevivência. Solicitude. Eu já havia feito isso tantas vezes, que era quase mecânico, não havia motivos para pânico. Segurança. Sobrevivência. Solicitude. Ok. Era só seguir os três “S”.

Fui até o armário e digitei o código do uniforme de fuga: 3347DJ. Ainda bem que ele estava limpo, pois era fundamental para minha segurança, eu jamais poderia sair de casa depois de um alarme sem estar usando-o.  Além de ser à prova de fogo, me deixaria segura de possíveis projéteis de armas de fogo - embora elas fossem terminantemente proibidas - e também estaria segura de uma morte por hipotermia, caso precisássemos deixar a fortaleza. “Deixar a fortaleza.” Esse pensamento me dava arrepios enquanto eu o vestia. Segurança. Ok. Próximo passo.

Abri a tampa do compartimento secreto embaixo do colchão e fiz a leitura da minha digital. A porta de vidro abriu-se revelando a pequena mochila com todos os itens que eu poderia precisar em uma fuga: um lúmen, mini-arcos com flechas laser, meu chakram de estimação, nanofood e mais um monte de bugigangas. Sobrevivência. Ok. Fechei a porta de vidro e segui para o passo três.

Solicitude. Ótimo. Agora eu precisava encontrar meu pai. Eu poderia utilizar o GPS holográfico, mas com todas as pessoas tentando fazer o mesmo, possivelmente as redes estariam congestionadas. Tentei localiza-lo pelo vítreo-fone, mas ele não respondeu. Droga. Ele era minha única família, então eu sempre tinha que escolher entre seguir a regra três, pegando os elevadores e descendo até os túneis de segurança, ou, tentar encontra-lo no meio de toda a confusão. Sempre foi uma decisão difícil.

Abri a porta de casa e esperei pelo elevador. Essa era a única forma de se locomover na Fortaleza, uma das maiores cidades subterrâneas do planeta e uma das únicas que possuía boas condições de vida e alto nível de tecnologia. O primeiro elevador passou por mim, sentido sul. Era lá que meu pai trabalhava. Sem pensar nas consequências embarquei. Eu esperava que ele ainda estivesse por lá quando eu desembarcasse.

Foi só quando coloquei os pés no posto de guarda que percebi a burrada que eu tinha feito. Meu pai era Capitão mor da Fortaleza e chefe geral da segurança, ele tomava conta dos portões que davam acesso ao exterior. Tirando as rotas de fuga construídas estrategicamente nos túneis de segurança, aqueles eram o único contato com a Iméria, ou o mundo perdido, como todos chamavam. O sinal de alarme era de uma invasão, se não fosse só um treinamento, ali era o único lugar em que a fortaleza poderia ser invadida. Era o único lugar onde eu não deveria estar. 

                Não havia ninguém na recepção quando entrei, isso me deu uma leve sensação de que algo de errado estava acontecendo. Passei pela cabine de proteção que estava desligada - outra coisa errada - e segui até o corredor que dava acesso à sala do Capitão Carlos Caillet, meu pai. Não havia sinais de briga nem de invasões, e os ambientes estavam todos vazios. Droga, algo de muito errado estava acontecendo, eu deveria ter ido direto aos túneis de proteção. Uma das regras que meu pai sempre dizia era que nunca, em hipótese alguma, o posto de guarda poderia ficar abandonado. Que ele estivesse ás moscas era muito, muito estranho.

                Voltei pelo mesmo caminho até aos elevadores, pois tinha de descer até os túneis de segurança, parei na porta e esperei. Um minuto. Dois minutos. Comecei a ficar apreensiva, eles nunca demoravam mais que quarenta segundos. Três minutos e nada. Talvez eles só estivessem congestionados. “É só um treinamento” pensei para me acalmar. Dois eternos minutos depois eles chegaram. Embarquei aliviada enquanto dizia meu destino: túnel de segurança 46. Era pra lá que meu pai estaria indo.

                Sentei no chão do elevador enquanto ele fazia seu percurso. Apesar de sua velocidade chegar próximo dos 150 km/h a viagem demoraria uns 10 minutos no mínimo, então tudo o que eu poderia fazer era esperar. Eu gostava mais quando os elevadores eram inteiros de vidro, mas como muitas pessoas enjoavam fácil ao ver os borrões de luz que passavam por nós, tudo o que havia agora eram duas janelas de cada lado e um monte de ferro entre elas. Levantei a proteção de uma das janelas pra poder olhar pra fora e enquanto eu olhava pude observar as luzes, uma a uma, se apagarem, até que o elevador parou abruptamente me jogando com força contra a parede.

                Estava um breu só quando a luz de emergência acendeu. Tentei contatar a central de monitoramento doa elevadores, mas eles não me responderam. Olhei mais uma vez pela janela, se eu estivesse perto de uma porta eu poderia sair e esperar que a energia voltasse, mas eu não estava. Então, presa naquela caixa de 1 por 1, sob uma luz de emergência que logo se apagaria, e sem ter pra onde fugir, eu já poderia entrar em pânico. Talvez fosse uma invasão de verdade. Respirei fundo. Não entre em pânico. Não entre em pânico. Essa era a regra básica de sobrevivência em situações limites.

                Eu esmurrava a porta enquanto gritava por socorro, na minha melhor tentativa de não entrar em pânico, quando o interfone tocou. Ouvi a voz familiar do meu pai com um alivio latente.

                - Luiza, onde diabos você se meteu? Porque não está nos túneis?

                - Pai eu fiquei presa nos elevadores, eu fui até o posto de guarda pra ver se te encontrava, mas como o posto estava vazio... Pai o que está acontecendo?

                -Você não ouviu o alerta?

                - Ouvi, pai.

                - E mesmo assim foi à minha procura? Luiza, você tem regras, você segue as regras. É tão fácil...

Eu não deixei que ele terminasse o sermão:

                - Mas pai...

                - Sem mais Luiza, eu quero você aqui em cinco minutos...

                - Mas pai, escuta...

                - Luiza, regras, se existem, são pra serem seguidas. Solicitude significa cuidado, proteção, você tinha que ir até os túneis e esperar por mim. Você tem cinco minutos. – disse ele impaciente.

                - PAI! Eu estou presa nos elevadores. Estamos sem energia. Nem que eu quisesse chegava ai em cinco minutos.

                - Presa? Como presa? Você tem que sair daí! – sua voz mudará da impaciência para o pânico.

                - Eu estou tentando.

                - Não tente! Faça! Isso não é um treinamento Luiza. Estamos sendo invadidos. – eu sentia o medo em sua voz, mas tudo o que eu percebia era a confusão daquelas palavras.

                - Invadidos? Mas como? Por quem?

                - Não temos tempo Lu, depois eu te explico. Você tem que sair daí, abra os controles e mude-os para direção manual. Você sabe como fazer.

                - Sim – retirei a proteção e levei a pequena alavanca na direção contrária, isso iria desligar o sistema. Despluguei os seis fios USB e os pluguei em direção oposta, invertendo os padrões. Agora era só religar o sistema. – Pronto Pai.

                - Isso, boa menina. Agora abra o volante e dirija até aqui. Você terá que fazer um pouco de força. Mas você é capaz filha. Venha o mais rápido que puder.

                -Esta bem, pai. Logo estarei ai.

                Por que eu não tinha pensado nisso antes? Meu pai me ensinara desde pequena como manipular aqueles elevadores, mas eu nunca tinha precisado. Talvez o pânico tivesse feito com que eu esquecesse como era fácil fazer isso. Continuei dirigindo em direção aos túneis de segurança. Era divertido até. Enquanto eu conversava com meu pai tranquilizando-o percebi que alguém havia chamado o elevador no andar -175. Era à caminho dos túneis, então resolvi passar por lá. Talvez fosse alguém perdido como eu.

                - Lu, o que houve? Por que você parou?

                - Pera ai, pai, alguém chamou no -175.

                - Não Luiza, você não pode parar, desça direto.

                - Calma, pai, só vai levar um minuto.

                Quando a porta abriu dois homens olhavam para mim. O mais alto era extraordinariamente bonito. Seu rosto era moreno com feições bem definidas, quase perfeitas, sob o cabelo castanho escorrido até a altura do queixo. O mais baixo, com uma beleza tão exótica quanto a de seu companheiro, era igualmente forte. Seus músculos montavam um padrão rijo e ao mesmo tempo delicado em seu corpo, não tão quanto de seu companheiro, mas tão sensual quanto. O que os diferenciavam eram seus cabelos, bem mais curtos e claros que do primeiro. Ambos traziam à mão um objeto que não pude identificar.

                Meu pai gritou ao interfone:

                - Rápido, Luiza. Não temos tempo, eles podem chegar a qualquer momento.

                Aproximei-me do alto falante para responder. Foi quando senti. Meu corpo parecia mais pesado, meus pés não conseguiam suportar seu peso, olhei ao redor e tudo girava. Tentei gritar, mas tudo o que saiu de meus lábios foram sons esganiçados. E depois tudo ficou negro.


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