Destino escrita por Eve


Capítulo 27
Capítulo Vinte e Sete


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo rendeu 10 páginas no word, e mais de quatro mil palavras. Então acho que, apesar da demora, valeu a pena. Acredito que vocês vão gostar desse aqui :)



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XXVII

 

 

— Quase não acreditei quando me disseram que estava casada.

Atena suspirou, não sabendo como começar a explicar. Ela e Ulisses caminhavam pela área externa do castelo, observando o movimento ao longe na cidade e aproveitando o tempo enquanto as instalações dele eram preparadas para conversar sobre tudo o que tinham omitido durante dois anos de troca de correspondências.

— Eu mesma quase não acreditei. - Rebateu, evitando a pergunta. Mas ele a conhecia bem demais. Parou de caminhar e virando-se para ela, segurou suas mãos e perguntou, muito sério e olhando diretamente em seus olhos:

— Atena, sei que não aceitaria um casamento imposto tão facilmente. O que aconteceu?

— Aconteceu o inevitável, Ulisses. - Ela lamentou. - Eu tenho quase dezoito anos e nunca havia recebido uma proposta de casamento na vida. Papai nunca permitiria outra mulher como tia Deméter na família, vivendo sozinha. Eu seria desposada mais cedo ou mais tarde. Lorde Norwood seria louco se recusasse o acordo que Cronos Valence lhe propôs.

— Mas e você? Está satisfeita com esse acordo? O que já ouvi sobre esses Valence... Você não acreditaria.

— Na verdade, acreditaria. Se você tivesse conhecido Cronos... Aposto que todas as abominações que dizem sobre ele são verdadeiras. Mas Poseidon não parece ser inteiramente ruim.

Ulisses desviou o olhar, avaliando as terras e o castelo de Atlântida. Parecia profundamente imerso em pensamentos.

— É um belo feudo, esse seu. - Acabou dizendo. Atena arriscou um sorriso.

— Sim, é. Ainda não conheço quase nada dele, mas é de fato uma propriedade imensa. - Ele não respondeu ao seu comentário. Parecia querer falar algo mas não conseguia encontrar as palavras. Eles voltaram a caminhar em silêncio lado a lado, os braços entrelaçados. Até que, subitamente, ele pediu:

— Fale-me mais sobre sua vida. Sinto falta de nossas conversas. Como é seu marido? Ele não parece gostar muito de mim.

Atena achou graça daquela suposição.

— Já lhe disse, ele não é mau. Na verdade, parece ser bastante gentil e generoso. Para ser sincera, não o conheço muito bem. - Parecia falso dizer isso, pois ela sentia-se tão surpreendentemente à vontade com Poseidon que era como se o conhecesse há muito mais tempo. Mas não era mentira dizer que não sabia quase nada sobre seu marido. - Houve alguns problemas na família dele, nosso casamento foi realizado às pressas. Faz apenas cerca de um mês desde a cerimônia. Mas ele foi bom para mim. Compreendeu o quanto eu estava fazendo isso contra a minha vontade, e não... Não me forçou a nada.

Ele pareceu surpreso de ouvir aquilo, não sem razão.

— Você quer dizer que o casamento não foi consumado?

Atena arrependeu-se imediatamente de ter confessado aquilo a Ulisses. Era algo íntimo demais mesmo para os ouvidos de seu melhor amigo, um segredo pertencente apenas a ela e Poseidon.

— Ninguém pode saber disso, ou podem exigir uma prova da consumação. - Ela pediu, mas ele não estava escutando. Parecia ansioso, e ela entendeu o porquê quando ele disse:

— Atena, por favor, ouça-me. Havia prometido a mim mesmo que não falaria disso enquanto vivesse, porque desperdicei todas as chances que tive. Mas vejo agora que a situação é muito diferente do que imaginei. Um casamento não consumado pode ser anulado. Venha comigo para a Itália. Não posso oferecer-lhe nada como isso. - disse, abrangendo todo o feudo com um gesto. - Mas posso garantir que seria feliz comigo.

Atena ficou tão surpresa que pensou que não conseguiria falar nada.

— Está me pedindo em casamento? Ulisses, devia ter feito isso há três anos, antes de partir. Meu pai nunca permitiria que eu abandonasse tudo o que ele planejou para mim como uma Valence.

— Fuja comigo, então. Na Itália, ninguém saberia. Você não seria mais taxada de bastarda em todo lugar que fosse, seria apenas minha esposa. - E ele parecia ter sido tomado por algum tipo de delírio. Ela nem conseguia se concentrar o suficiente para explicar o quanto aquilo era um absurdo.

— Eu não quero ser apenas a esposa de alguém. Poseidon, que me conhece há muito menos tempo que você, já parece entender isso. Ele me permite governar ao lado dele, algo com o que jamais sonhei. - Suspirou, frustrada por não conseguir uma explicação incontestável para justificar sua vontade de permanecer ali. - E Ulisses, ele é meu marido. Eu fiz votos sagrados, jurei permanecer ao seu lado até o fim de minha vida. Quer que abandone isso também? Arrisque minha alma imortal em nome de... De quê? Nunca antes confessou que nutria qualquer sentimento romântico por mim, e escolhe a hora mais sombria para dizer?

— Prefere então uma vida pela metade? Casada, mas em clausura e celibato como uma freira? Eu faria de você uma mulher de verdade. - Falou, aproximando-se. Aquilo era a gota d'água. Atena soltou suas mãos antes unidas e deu um passo para trás, revoltada.

— Eu sou uma mulher de verdade! Se permaneço intocada, é por minha escolha. Tive sorte por encontrar alguém que respeitasse isso, que sequer considerasse essa opção.

Atena sabia que todos os seus argumentos eram perfeitamente racionais. Ela sempre fora boa com a retórica. Mas no fundo, todo o seu discurso apenas encobria o sentimento selvagem que se debatia dentro de si, gritando que não havia ideia mais absurda do que deixar Poseidon. Ela não sabia de onde viera isso, mas de repente nada parecia mais inatingível do que a ideia de um futuro sem ele. Algo em seu íntimo, apesar de todos os seus protestos iniciais, já se conformara com a ideia dos dois ali, juntos até que envelhecessem. Mais do que isso: já passara a ansiar por esse pensamento. Ela recolheu suas saias, e falou antes de dar-lhe as costas:

— Penso que não deve ter consciência do que está falando. Por favor, sinta-se à vontade para pedir que algum criado o guie até seus aposentos. Deve estar exausto pela viagem. Conversaremos depois.

Deixou o pátio quase correndo e atravessou a ponte levadiça, que já estava abaixada, voltando para dentro do castelo. Poseidon saía de lá ao mesmo tempo e a interceptou antes que ela chegasse aos degraus.

— Algum problema? - Ela não havia percebido que transparecera seu conflito interior de forma tão explícita. Mas agora que Poseidon a prendia no lugar, segurando firmemente um de seus braços, ela notou que respirava rápido e suas mãos tremiam, e provavelmente seu rosto estampava a agitação que a consumia. Não conseguiu responder. Olhou para Poseidon como se o observasse pela primeira vez: a mandíbula angulosa, cabelos negros e sobrancelhas grossas, os olhos extremamente verdes.

Os olhos de Ulisses eram tão castanhos e familiares quanto os momentos que os dois passaram juntos em sua juventude, e os olhos de Poseidon eram praticamente a imagem perfeita da confusão que era sua vida nesse momento: perigosos e indecifráveis. E ainda assim, ela ansiou pelo conforto que eles lhe proporcionavam, mesmo que não houvesse razão para isso.

Ele a encarava de volta, parecendo confuso, e quando seu rosto assumiu uma expressão irritada e seu olhar desviou-se para um ponto atrás de si, ela soube que ele havia avistado Ulisses. O cavaleiro caminhava rápida e furiosamente e nem olhou para eles dois quando adentrou no castelo. Assim que ele se foi, Poseidon aproximou-se mais dela, invadindo seu campo de visão.

— Atena, me diga o que aconteceu. Ele tentou algo? Ofendeu-a de alguma maneira? - A intensidade do seu olhar pegou-a desprevenida, e por um momento ela temeu pela vida de Ulisses.

— Não. Não aconteceu nada. Esqueça isso.

Ele respirou muito devagar, fechando os olhos com força. Parecia estar tentando acalmar-se, o que não surtia efeito algum. Poseidon também parecia tentar controlar sua raiva. Muito calmamente, uma ameaça implícita no tom controlado de sua voz, ele falou:

— Eu não gosto nem um pouco da ideia deste homem vivendo aqui, Atena. Mas se ele é seu amigo e isso a faz feliz, não me oporei. Agora, se sequer passar pela minha cabeça que ele... Que ele a prejudicou de alguma forma, não me responsabilizarei pelas minhas ações.

Atena tinha certeza de que a fúria de Poseidon era algo que ninguém jamais gostaria de experimentar. E mesmo que Ulisses estivesse num momento de insanidade, ela ainda temia pelo bem-estar do cavaleiro.

— Ei. Olhe para mim. - Ela pediu, segurando o queixo de Poseidon entre dois de seus dedos e olhando em seus olhos. - Nada aconteceu. Eu estou bem. Não se preocupe comigo nem se incomode com Ulisses, por favor.

Poseidon considerou o que ela havia falado por um momento. Respirou fundo novamente e falou:

— Pois bem. Eu estava saindo para visitar a cidade. Gostaria de vir comigo? Sei que ainda não teve a oportunidade de conhecer Atlântida por inteiro.

Ela forçou um sorriso, aceitando qualquer distração naquele momento.

— Eu adoraria.

...

 

— E aqui – Poseidon dizia enquanto apontava para o amontoado profundo de árvores frutíferas – É o pomar. Não é tão antigo quanto o resto do feudo, quem o plantou foi a esposa de meu tio Oceano.

Atena assentiu, mas não estava realmente prestando atenção ao que ele falava. Seus pensamentos teimavam em vagar para a conversa que tivera com Ulisses minutos atrás. Ela não entendia o que acontecia com seu amigo. Primeiro, voltar da longínqua Itália para a Inglaterra a troco de nada não parecia muito de seu feitio. E ela tinha certeza que seu pai não mandaria Ulisses para Atlântida, uma vez que sabia sobre o passado dos dois. Qualquer detalhe que a desviasse de seu casamento seria profundamente indesejado por Lorde Norwood.

Então, como Ulisses ficara sabendo sobre ela estar casada? E por que viera atrás dela, oferecendo seus serviços, para então aparecer com uma proposta de casamento na primeira oportunidade? Suas palavras chegavam a ser cruéis, de um modo sutil. Ele havia atacado o casamento de Atena, uma das poucas coisas das quais mulheres como ela tinham permissão de se orgulhar. E tudo que dizia era verdade, de certo modo: ela realmente vivia em clausura e celibato. Qual era seu problema? Por que não conseguia apenas cumprir seu dever, como mulheres melhores que ela faziam o tempo todo?

Tentou voltar a atentar para o que Poseidon dizia, pois esse tipo de questionamento enraizava-se como uma árvore envenenada dentro dela e incomodavam mais do que deveriam.

— Os estábulos estão logo ali... E mais à frente é o vilarejo. Gostaria de ir até lá?

Ela deu de ombros, mas continuou caminhando. Queria limpar sua mente e concentrar-se apenas no que estava fazendo, mas era difícil. Sabia que devia parecer não muito feliz para qualquer servo que passasse por ali, e tudo o que não precisava era de rumores sobre a má convivência ela e Poseidon. Ele parecia perceber seu descontentamento, e não forçou uma conversa. Os dois então caminharam em silêncio ao longo dos pastos, e ela via ocasionalmente uma ovelha ou um bode caminhar tranquilamente além da cerca.

A estrada principal os conduzia do castelo até a muralha que demarcava o limite do feudo e cortava o território ao meio. Essa disposição facilitava o acesso à cidade, mas ainda assim Atena lamentou por não estar com o vestido certo para caminhadas.

Eles enfim chegaram à cidade propriamente dita. À beira da estrada principal estavam a maioria das lojas e uma pequena feira. Mais atrás, as casas organizavam-se em torno da igreja. Era realmente bem maior que Ótris e Olimpo. As pessoas eram simpáticas e pareciam estar felizes pelo simples fato de Lorde Poseidon encontrar-se em sua presença. Eles receberam muitos convites para visitar suas casas, mas acabaram declinando, pois do contrário seriam obrigados a visitar cada casa da cidade.

Caminharam para a igreja, a fim de cumprimentar o padre da cidade que ainda não conheciam, pois o sacerdote que celebrara seu casamento era exclusivo do castelo. Acabaram almoçando com ele e depois o acompanharam de volta à cidade para que Atena a conhecesse por completo. Ainda foram incentivados a visitar o comércio, onde ganharam presentes por onde passaram. Atena mal sentia o tempo passar.

...

Além dos limites da cidade havia um grande terreno descampado, e então uma cerca delimitava o bosque. Poseidon explicou-lhe que ali eram realizadas as caçadas e que a população tinha livre acesso ao local, embora precisassem tomar as devidas precauções.

— Sempre houve muitos ataques, pois há animais selvagens no bosque durante a maior parte do ano. A cerca não é o suficiente para mantê-los do lado de fora. – Ele explicava. – Eles conseguem entrar no feudo por causa do rio.

— Como assim? – Ela não entendia no que o rio influenciava para o aparecimento de animais.

— Vou te mostrar. – Foi só o que ele respondeu. Então se afastou e falou com alguns servos rapidamente. Em questão de minutos, dois cavalos estavam a postos para seu uso. Poseidon aproximou-se e a segurou pela cintura, a colocando sem dificuldade montada de lado sobre a cela. A surpresa tomou-lhe as palavras por alguns momentos

— Aonde nós vamos?

— Gostaria de mostrar-lhe a outra parte do feudo. - Ele explicou, montando em seu próprio cavalo. - A não ser que queira voltar.

Atena pensou nas muralhas do castelo, em suas paredes frias e em como ela havia sido uma prisioneira naquele lugar desde o casamento, e decidiu que não queria voltar. “Casada, mas em clausura...” a voz de Ulisses voltou à sua mente. Sacudiu a cabeça levemente, tentando ignorar aquela intrusão. Eles atravessaram a estrada até o outro lado. Atena não compreendeu o que ele desejava mostrar-lhe ali. A maior parte daquele território era vazia. Dali de onde estavam, devido à inclinação do terreno, era possível ver quase todo o feudo. Atena já conhecia uma parte dele: o castelo ao fundo, ao lado dos pomares, e então os pastos e o estábulo. A cidade à sua frente, com a igreja e a praça ao centro, e a cerca que delimitava o bosque.

Virou as costas para a paisagem e viu que Poseidon conduzia seu cavalo rumo à floresta. Ela o seguiu com hesitação.

— Você não acabou de dizer que há animais selvagens aqui durante a maior parte do ano?

Ele riu.

— Sei o que estou fazendo. Não confia em mim? – Poseidon não parecia querer uma resposta, mas ainda assim ela procurou por uma. Confiava nele? Era difícil admitir que apesar de não querer, a resposta era sim. Seu não desejado marido havia se mostrado uma espécie de porto seguro em meio a todo aquele caos desde a primeira vez  em que se falaram. Não havia muitas pessoas desse tipo em sua vida.

Também havia ali uma cerca protegendo a área comum do bosque. Poseidon a abriu para que passassem, e então a conduziu por entre as árvores até que chegaram à beira do rio. O acesso era difícil, pois a cada passo o terreno se tornava mais íngreme, mas enfim eles chegaram ao limite: alta e imponente à sua frente, parecendo ter crescido da própria floresta, a muralha erguia-se, delimitando o feudo e impedindo a passagem.

Se ela olhasse em direção ao horizonte, podia ver todo o feudo, e o mar em constante movimento por detrás das rochas sobre as quais se erguia o castelo. O sol do fim de tarde começava a se pôr, transformando o cinza que predominava na cidade em várias nuances de dourado.

— O rio vem de além das montanhas. Atlântida começa no ponto onde o terreno declina até chegar ao nível do mar. Então, para que construíssem a muralha externa, era preciso deixar uma passagem para o rio passar. – Ele apontou. De fato, havia uma passagem em arco em certo ponto da muralha, por onde a nascente do rio passava tranquilamente. – Por causa da abertura, os animais vêm das florestas selvagens para cá.

— Isso não é perigoso em tempos de guerras? Uma abertura na muralha, com acesso direto ao feudo?

— Não, porque se estivermos em conflito a passagem é obstruída. Isso faz com que o rio transborde do lado de fora e seque aqui dentro, mas é a única coisa que se pode fazer. Para a sorte de todos, Atlântida nunca se envolveu em muitas guerras.

— Ao contrário dos domínios de seu pai. – Ela comentou, enquanto os dois saíam da floresta.

Ele deu de ombros.

— Meu pai nunca está satisfeito com o que possui. Enquanto ele tiver forças para isso, continuará tentando conquistar territórios mais fracos.

— O Olimpo não é um território mais fraco. - Ela rebateu, um tanto ofendida. A rixa entre Ótris e Olimpo era antiga e bem conhecida.

Poseidon riu.

— E Lorde Norwood provou isso de forma espetacular. 

— Sim. Eu não estava vivendo lá na época, mas ele nos mantinha informadas.

— Não foi realmente uma batalha. Ele tentou fazer cerco ao Olimpo, mas quando eles resistiram por tanto tempo que nossas tropas começaram a definhar, propôs combate singular. Cronos e Zeus travaram uma luta e tanto, mas seu pai acabou vencendo.

Ela estava surpresa com a informação.

— Não sabia disso. - Ela admitiu. - Meu pai é um homem orgulhoso, me surpreende que após a afronta de Cronos ao Olimpo, ele tenha aceitado a proposta dele de nos casarmos.

— A minha proposta de nos casarmos. – Ele a corrigiu. – Fui eu quem pedia sua mão a Zeus.

Atena desviou o olhar do caminho para o rosto dele, surpresa. Ele não parecia estar mentindo, mas o que falava não era plausível. Casamentos eram arranjados pelos pais dos noivos, com base em seus interesses.

— Você fez a proposta de casamento? – Ela deixou um pouco de incredulidade transparecer na voz. – E como sequer sabia que eu existia?

Ele demorou um pouco para responder.

— Você foi a um baile no meu castelo no mesmo dia que meus pais ordenaram que eu escolhesse uma noiva.

Atena lembrava-se do baile. Mas o que ele dizia ainda não fazia sentido.

— Mas eu sequer participei daquele baile. Lembro-me bem de que fiquei nos jardins, lendo, só voltei para junto de todos quando era hora de partir.

Ele corou.

— Bem... Eu meio que a encontrei nos jardins, e fiquei te observando escondido. – Poseidon falou rapidamente, desviando o olhar. Ela estava tão constrangida que nem sabia o que dizer. Voltou a olhar para o campo. Eles seguiam a margem do rio, cavalgando em direção às plantações.

— Ainda não entendo. – Ela por fim quebrou o silêncio constrangedor que pairava entre eles. – Se seus pais te deram livre-arbítrio para escolher sua esposa, porque escolheu logo a mim?

— Por que não escolheria você?

— Só... Parece-me estranho. Você poderia ter qualquer nobre e ainda assim escolheu uma bastarda da qual nunca tinha ouvido falar.

Poseidon deu de ombros, mas parecia desconfortável com a pergunta

— Eu não sei. Assim que a vi, você chamou minha atenção. E o que eu tinha a perder? Nenhuma das outras moças presentes era tão bela quanto você, afinal.

E certamente nenhuma das famílias nobres ofereceu um dote tão generoso quanto o de meu pai, Atena completou mentalmente. Parecia mesmo apropriado que um conceito tão raso como beleza física havia sido o determinante na escolha de Poseidon para sua noiva. De qualquer maneira, aquilo a fazia corar, relutantemente satisfeita. 

— Sabe, algumas pessoas costumam agradecer quando são elogiadas. – Ele comentou casualmente enquanto cavalgavam pelas plantações. Passou a sua frente e parou, a obrigando a fazer o mesmo.

— Não é nada que eu não tenha ouvido antes. – Ela falou com desdém, referindo-se a seu elogio. – Por que paramos?

— Não acabei meu passeio. – Ele disse, desmontando e amarrando o cavalo em uma das cercas. – Vou até a praia, se quiser me acompanhar.

— Vai à praia agora? Mas o sol está se pondo!

— Tem medo do escuro?

Ela tinha, na verdade. Mas o tom de desafio na voz de Poseidon foi o suficiente para que Atena desmontasse do seu cavalo e o seguisse. Eles atravessaram a pequena ponte de pedra e seguiram uma trilha através dos campos até a saída da muralha para a praia. Ali, do lado de fora do castelo, pisando na areia fina e com a brisa correndo livremente, a paisagem parecia de outro mundo. O sol estava para desaparecer à oeste. Poseidon aproximou-se bastante do mar e sentou-se na areia. Atena fez o mesmo, ficando ao seu lado.

— Chegamos bem a tempo. – Ele disse, observando o pôr do sol. – Quando eu era pequeno e visitava Atlântida, costumava vir à praia todos os dias olhar o sol se pôr. Senti falta disso.

Atena não conseguiu evitar seu sorriso ao imaginar um pequeno Poseidon correndo pela areia da praia, os olhinhos verdes adquirindo pontos dourados ao observar o pôr do sol assim como acontecia agora. Eles ficaram em silêncio até que o sol desaparecesse completamente e então Poseidon deitou-se na areia, admirando o céu. Ela imitou o gesto, só então percebendo o quanto estava cansada. Eles haviam caminhado todo o feudo de norte a sul, o que não era pouco.

— Não há estrelas no céu hoje. – Ele observou. Realmente não havia. O céu estava completamente coberto por nuvens pesadas, das quais só era visível o contorno.

— Sabe, nós devíamos voltar para o castelo. Vai chover a qualquer momento.

— Você parece uma mãe falando. Eu ainda nem dei um mergulho.

Ela ignorou a provocação.

— Não pode estar pensando em tomar um banho no mar a esta... – Mas ele já se levantava e corria em direção às ondas. – Poseidon!

Ele nem virou as costas. Entrou no mar sem hesitar e mergulhou habilmente, mantendo-se submerso por tanto tempo que Atena teve de levantar-se para tentar vê-lo. Ao longe, um trovão retumbou.

— Poseidon! – Ela gritou quando ele emergiu. Ele ria como uma criança. – Eu não acredito que...

— Shhh. Deixe o sermão para depois. Venha, dê um mergulho. - Ele a interrompeu, aproximando-se.

— Você está louco se pensa que eu vou... – Parou de falar quando sentiu uma gota d’água caiu sobre sua cabeça. Então outra, e mais outra. Ótimo, estava chovendo. Antes que ela pudesse se mover, a chuva ganhou intensidade e logo ela estava encharcada. Olhou para Poseidon e ele se dobrava de tanto rir.

— Agora você não tem mais desculpa. Já está molhada mesmo. – Ele disse, a puxando pelos braços em direção ao mar.

— Poseidon, eu estou falando sério, não faço isso. – Ela tentava manter-se no lugar, mas ele era muito mais forte. – Eu nunca entrei no mar!

— Está mentindo.

Não pôde responder, pois as ondas começavam a vir em sua direção. Em questão de segundos estava submersa até a cintura, e então era ela que se agarrava firmemente a Poseidon para não ser levada pela maré.

— Ótimo. Eu estou no mar. Satisfeito? Agora me tire daqui! – Ela estava ciente do pânico em sua voz.

— Mentiu quando disse que nunca esteve no mar, não foi?

— Claro que não. Não há mar no Olimpo, nem em... – Ela interrompeu-se quando ele a puxou bruscamente. Ela entendeu o porquê quando uma onda enorme os cobriu completamente. Por um momento, ela perdeu o contato com as mãos de Poseidon, mas assim que as água baixaram ele segurou seu braço novamente, e a ajudou a voltar para a praia. Poseidon parecia estar segurando o riso, mas falou:

— Eu sinto muito. Não fazia ideia de que...

Ela soltou-se dele assim que chegou à areia, e o interrompeu:

— Então me escute na próxima vez que eu disser para não fazer algo! – Gritou. Ele ficou em silêncio, e então começou a sorrir. - Por que está sorrindo? Isso não é engraçado!

Ela caminhou até ele, dificultada pelo peso do vestido molhado. Seu cabelo, antes totalmente preso, começava a se soltar, mechas encharcadas colando-se à lateral de seu rosto.

— Ah, é sim. Você devia se ver! – Ele disse, em meio aos risos. Irritada, ela o empurrou cegamente. – Ei!

Ela simplesmente continuou andando em direção ao castelo. A chuva continuava a cair fortemente. Antes que desse três passos, porém, ele a puxou de volta, segurando-a firmemente pelo braço.

— Tudo bem, me desculpe. Eu não queria...

— Não toque em mim! – Ela o empurrou novamente. Provavelmente o acesso de fúria a concedera força extra ou ele não estava preparado para isso, porque de fato Poseidon foi ao chão. Mas não deixando de segurá-la, levou-a junto, fazendo com que caísse também, ao seu lado. Ele estava sentado e ela de joelhos sobre a areia, uma das mãos apoiada seu peito para que não fosse totalmente ao chão.

Perto demais. Seus rostos estavam a centímetros um do outro e ela conseguia distinguir perfeitamente o olhar desejoso que Poseidon direcionava a seus lábios. Perguntou-se se ele estaria a tarde inteira esperando uma oportunidade para fazer aquilo. Antes que ela pudesse se mexer para sair dali, Poseidon se aproximou. Sem dizer nada, afagou seu rosto, afastando as mechas do seu cabelo que haviam se depositado ali. Atena percebeu quando ele soltou seu braço, mas não se afastou. Pelo contrário, apoiou uma das mãos em seu ombro e usou a que estava apoiada em seu peito para segurar firmemente o tecido de sua roupa, trazendo-o mais para perto. Prendeu a respiração involuntariamente. A lascívia era quase palpável no espaço entre os dois. Ele levou uma das mãos até sua nuca e correu os lábios pela sua bochecha, suspirando levemente antes de beijá-la.

Seus lábios estavam frios e molhados. E quando ela retribuiu o beijo, sua outra mão correu por suas costas, puxando-a para perto até que ela estivesse em seu colo. Atena o envolveu com seus braços. Os lábios dele estavam salgados pela água do mar e seu toque, unido à água fria que caía do céu, a fazia sentir arrepios. Ele explorava sua boca lentamente,  pouco a pouco a fazendo perder qualquer tipo de auto-controle que ainda possuísse. Ergueu suas mãos até o pescoço dele, passando os dedos pelos seus cabelos molhados.

Eles continuaram o beijo até que ela teve de afastar-se para respirar. Poseidon manteve seus rostos próximos. Os dois respiravam com dificuldade, e ele sorria. Imediatamente ela sentiu-se envergonhada.

— Nós temos que voltar. – Falou, tentando levantar-se. Ele não permitiu, mantendo-a no lugar com uma das mãos em sua nuca.

— Tem certeza? – Ele perguntou, mas não esperou pela resposta. Uniu seus lábios novamente, e ela não pôde resistir. Fechou os olhos e inclinou levemente a cabeça, prendendo com força os dedos ao redor de seus cabelos e ombro. Poseidon a inclinou em seus braços, descendo os lábios para seus pescoço, e seguindo por sua clavícula, perigosamente próximo ao seu decote. Atena o puxou de volta para seus lábios, dessa vez beijando-o com urgência.

Ele correspondeu com a mesma intensidade, e só se separaram quando um estrondo que poderia ser o céu desabando sobre suas cabeças ressoou pela praia. Só então Atena percebeu os raios que cortavam o céu e os relâmpagos que o clareavam, fazendo a noite virar dia momentaneamente. Trovões ressoavam e a chuva se tornava cada vez mais intensa.

— É uma tempestade. – Poseidon falou. – Vamos, temos que voltar para o castelo.

E apesar do tom preocupado em sua voz, entre um e outro clarão ela podia ver seu rosto e afirmar que ele nunca parecera tão feliz.


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Notas finais do capítulo

Ai, que saudades de receber uma recomendação *suspiro dramático*