Destino escrita por Eve


Capítulo 18
Capítulo Dezoito


Notas iniciais do capítulo

[A nova versão desse capítulo me deixou particularmente satisfeita, espero que vocês também gostem!]



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XVIII

 

 

 

Estava feito. Apesar de todos os seus apelos desesperados e preces sussurradas, o dia que Atena nunca ousara imaginar que aconteceria chegava agora ao fim. Seu casamento havia sido celebrado com a maior pompa que as circunstâncias permitiam e a comemoração que se seguiu, apesar do público reduzido, em nada devia às festas da corte ou bailes do interior no quesito animação.

Depois de ter participado obrigatoriamente de todas as rodas de dança da noite, Atena estava agora aproveitando um merecido descanso, apoiada em uma das paredes do salão mais afastada da aglomeração. Seu véu e grinalda já haviam sido descartados mais cedo para oferecê-la um pouco mais de mobilidade e ela segurava uma taça de vinho em uma das mãos, bebericando de vez em quando enquanto observava seus familiares divertirem-se em meio à música, cerveja e comida que chegava em abundância.

Os Valence e os Norwood formavam uma mistura peculiar: a família de Atena era grande, barulhenta e expansiva, além de mais ou menos homogênea: todos - com exceção de Perséfone e Deméter - compartilhavam da mesma cabeleira loura e olhos claros. Já a família de Poseidon se resumia a seus pais e os dois irmãos, e todos permaneciam reservados a seus lugares durante a maior parte do tempo, participando de algumas danças mas nunca se engajando completamente na comemoração. Eles nem mesmo eram completamente parecidos entre si: apesar de Hades ser algo como a versão masculina de sua mãe, com os mesmos olhos e cabelos negros, rosto fino e nariz longo e reto, Poseidon e Héstia eram mais sortidos e não pareciam em nada com o irmão: Héstia era a única que herdara os cabelos arruivados do pai e seus olhos verdes eram os mesmos do irmão mais velho, que tinha os cabelos negros de Reia e o porte de Cronos.

Atena tomou mais um gole do seu vinho, apreciando aquele raro momento sem ninguém a importunando. Como que na deixa, Hades surgiu ao seu lado. Aquele garoto realmente sabia como se mover discretamente.

— Está se divertindo, cunhada?

Ela não conseguiu controlar a curva irônica do seu sorriso. Hades era o tipo de pessoa observadora o suficiente pra dizer exatamente como cada um ali estava se sentindo, e aquela pergunta era apenas para provocá-la a reagir e sair da bolha que ela mesma criara.

— Nem imagina o quanto. - Ela respondeu, decidindo entrar em seu jogo.

Hades riu, apoiando-se displicentemente na parede e imitando sua postura, apenas parecendo mil vezes mais confortável. Sua atitude dizia claramente que estava disposto a ficar a noite toda ali a importunando se Atena permitisse. Provavelmente seu irmão mais velho o havia enviado para persuadi-la de volta à festa e aquele tinha sido o meio mais eficiente que ele pudera pensar. Esperto.

— Não deve ser bom agouro ficar tão séria durante toda a celebração do próprio casamento. - Ele comentou, displicente.

— Imagino que também não deve ser um bom agouro passar a vida inteira presa a um casamento forçado. - Ela devolveu no mesmo tom desinteressado.

Ele inclinou a cabeça, como se considerasse seu ponto.

— Mas não é esse o destino de todos nós? - E suspirou. - Não há muita escolha quando se tem um nome pelo qual zelar. A família vem antes de tudo.

Aquela parecia uma frase na qual ele fora ensinado a acreditar.

— A família ou o poder? - Ela perguntou, e não esperava que ele respondesse, mas depois de um tempo Hades falou:

— São sinônimos para os Valence. Não há nenhum membro dessa família que não colabore de algum modo para a manutenção do nosso poder, e você bem sabe que casamentos são a melhor forma de se conseguir alianças úteis. É uma de nós agora, e seu papel na família não será pequeno. Auxiliar Poseidon no governo de Atlântida e gerar os futuros herdeiros de dois dos nossos domínios não são responsabilidades quaisquer. Terá muito poder em suas mãos por conta disso.

O último gole de sua bebida desceu amargo enquanto ela ouvia aquilo.

— Não pedi por nada disso. Um casamento foi uma das poucas coisas nessa vida que nunca desejei. Tampouco as responsabilidades de um feudo ou de uma linhagem.

— Poseidon também não pediu por nada disso. - Hades observou. - Sei que é fácil culpá-lo pela situação, mas ele foi tão obrigado a assumir esse compromisso quanto você. Se tentasse não odiá-lo talvez pudessem ter uma boa convivência… Quem sabe até desenvolver algum afeto? Meu irmão nunca foi uma pessoa difícil de se conquistar.

Atena desistiu de argumentar, certa de que Hades nunca compreenderia. Por mais que Poseidon também tivesse sido forçado a tomar aquela decisão, um casamento não o limitaria em nada. Ele não teria sua liberdade tolhida nem seus projetos interrompidos. Não receberia imposições e cobranças e nem perderia a autonomia sobre seu próprio corpo. E mais importante: durante todo aquele processo, não havia sido ele que fora negociado como se não fosse um ser humano com vontades próprias e sim mais uma peça num rico dote. Ergueu-se, dando por encerrada aquela conversa. Tinha passado a noite inteira evitando pensar sobre sua frágil relação com o noivo e não desistiria da empreitada agora. Hades educadamente lhe cedeu passagem de volta ao baile e tão logo sua presença foi notada pelo resto dos convidados teve de voltar às danças. Seu par dessa vez era Zeus.

— Não parece muito feliz. - Seu pai observou.

— Deveria?

Zeus suspirou.

— Sabe que sim. Qualquer outra garota em sua posição mataria por uma chance como a que recebeu.

— A chance de ter um marido desconhecido e um castelo abandonado?

Lorde Norwood lhe lançou um olhar reprovador.

— Sei que é mais inteligente do que isso, Atena. Entendo que ainda esteja com raiva pelas circunstâncias em que esse acordo foi selado, mas sabe que a maior beneficiada por ele foi você. E se ainda não sabe, se dará conta disso mais cedo ou mais tarde.

Atena agradeceu silenciosamente quando a música deu uma batida mais forte, indicando a troca de pares. Não aguentava mais ouvir todos tentando convencê-la de como era sortuda por ser privada de qualquer escolha sobre sua vida. Ela rodopiou e deixou seu pai para trás, mas o alívio foi temporário ao perceber quem era seu novo par.

Poseidon.

Os dois se cumprimentaram com uma mesura e ergueram um braço entre seus corpos, girando ao redor do eixo imaginário que suas mãos juntas formavam. Logo estavam de volta ao mesmo lugar e agora a melodia pedia movimentos laterais. Eles se cruzaram algumas vezes antes que o próximo passo fosse uma das mãos dele em sua cintura e a dela no seu ombro.

— Não imaginei que fosse tão boa dançarina. - Ele finalmente quebrou o silêncio.

— Não tenho certeza se isso deveria ser um elogio? - Ela questionou, evitando olhar diretamente nos olhos de Poseidon. Já tinha percebido o quanto eles podiam ser distrativos.

— Tudo sobre você é um elogio. - Foi o que ele respondeu, e Atena não conseguiu evitar revirar os olhos. Ouviu a risada dele ao seu lado.

— Não há mesmo nada que eu possa falar ou fazer que a agrade de qualquer forma? - Ele perguntou, mas parecia mais estar falando consigo mesmo.

Ela respondeu mesmo assim.

— Lembro de algo sobre um casamento de fachada.

Ele riu novamente, mais seco dessa vez.

— Claro que lembra. - Ele a rodopiou de acordo com a música. - E se eu dissesse que mudei de ideia?

Atena ferveu de raiva pelo modo leviano com que ele lidava com um assunto claramente tão importante para ela. Clareou a garganta antes de responder:

— Então eu teria a confirmação de que é o tipo de pessoa que suspeito que seja.

Poseidon ficou calado por alguns momentos antes de questionar:

— Posso saber quais são essas suspeitas?

Atena sabia que deveria permanecer em silêncio ou acabaria piorando a própria situação, mas sua paciência naquele dia já tinha se esgotado há tempos.

— Algo entre um cínico sedento por poder e um aproveitador egoísta?

Ele não reagiu àquelas ofensas a princípio, mas então seus lábios se curvaram um pouco, embora o sorriso não alcançasse o resto do seu rosto.

— Me tem realmente em baixíssima conta, não é mesmo?

Ela deu de ombros.

— O nome de sua família o precede.

— Pensei já ter lhe dito que não compactuo com a maioria dos valores de minha família.

— E como saberei que não é também um mentiroso? - Ela ousou acusar, e se encolheu um pouco quando viu a faísco por detrás dos olhos deles

— Se isso é o que acha, por que concordou em se casar comigo, então?

— Perdoe-me, eu tinha alguma escolha? Alguém deveria ter me avisado antes.

Poseidon se afastou, interrompendo a dança.

— Não imaginava que nutrisse tanto desprezo por mim ou pela minha família. Pensei que eventualmente poderíamos manter pelo menos um relacionamento minimamente saudável, mas aparentemente isso não a interessa. Irei poupá-la de ter que passar qualquer tempo além do necessário em minha presença, que lhe é tão detestável. - E se retirou.

Ser deixada sozinha era tudo o que ela desejava desde o início da noite, então por que de repente se sentia tão mal por isso?






 


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Notas finais do capítulo

Nada como a primeira briga do casal, hum?