A chuva amenizou, mas as beiras das calçadas estavam como um córrego, a água descia a rua com violência tamanha que nem mesmo os boieiros da cidade estavam ajudando. Resolvi pegar o ônibus em uma rua paralela, engajei em uma jornada com meus fones de ouvidos, assim passei a ignorar o mundo em minha volta. Andei três quarteirões, as ruas ali estavam escuras e a única luz que conseguia ver era de algumas lojas que se alimentavam de energia pelos geradores. Não via ninguém, estava em um deserto em meio à escuridão cinza e molhada.

Em um súbito momento alguém saindo das sombras de um beco puxou minha mochila para trás com uma força bruta, tentei relutar contra aquilo, abracei meu torço segurando as alças de minha mochila para que a força do outro não a retirasse de minhas costas, mas as duas mãos capazes envolverem a alça de trás, com um impulso o desconhecido fez com que meu corpo fosse de encontro ao seu, seu braço passou a envolver meu pescoço com força, ficava cada vez mais difícil de respirar, meu desespero passou a aumentar quando senti em minha nuca algo gélido contra minha pele, com toda certeza era uma lâmina cortante. O bafo quente de tabaco surgiu depois de segundos próximo ao meu ouvido.

– Se depender de você, isso não vai demorar! - Ele engoliu seco e nervoso. Por algum motivo tentei pesquisar aquela voz em minha cabeça, nada encontrei.

Não consegui me mover e tão pouco respirar, minha respiração ficava cada vez mais difícil. Supliquei, mas minha voz não saia.

Senti o afrouxar do braço e o ar, finalmente, voltou a circular em minha traqueia e meus pulmões agradeciam por aquilo. Arfei. O homem jogou o meu corpo contra a parede escura e suja do beco, havia apenas uma luz que piscava em ritmo lento, mas não sabia de onde vinha. Minhas pernas oscilavam com a proximidade do outro corpo. Com as pernas abertas, ele me prendeu entre elas, eu gostaria de fazer alguma coisa, meu cérebro pedia mas meu corpo não reagia. O Desconhecido levantou uma parte de minha roupa deixando meu abdômen visível e lá passou a lâmina gélida diversas vezes, ora a apertava contra minha pele, ora passava tão leve que poderia sentir algo dolorido. Engoli seco, então tomei coragem de olhar no rosto do invasor. Ele tinha olhos profundos e negros que nada diziam a mim, a boca cheia e pálida esbanjava um sorriso malicioso com todos os dentes branco e brilhantes a mostra.

– O-oque você quer? - Minha voz tremeu, mas pareci o mais corajoso possível para o momento.

Ele não respondeu e ao invés disso se afastou, segurando uma de minhas mãos, observando cada anel dali, fez o mesmo com a outra, mandou um olhar de decepção sem perder sua autoridade. Afastou-se mais um pouco e olhou para a corrente fina em meu pescoço, por fim ele retirou a lâmina cortante de meu abdômen com força e vi que ali era uma adaga dourada, senti minha pele rasgar, por adrenalina ignorei a dor. Meu corpo se enrijeceu, aquela adaga afiada agora estava em meu pescoço e com a ponta da mesma ele retirou a corrente de dentro do tecido de minha blusa, deixando a mostra a chave que HongKi deixou em meu poder antes de partir. Sorriu alto. A adaga desapareceu da mão do homem, escorregando dentro da manga de sua blusa de frio, por um momento me senti aliviado por aquele gélido metal dourado ter saído de minha linha de visão. Baixar guarda era a única coisa errada a fazer, pelo menos era o que achei. Fechei meu punho e com toda a força, aceitei em cheio os nós dos meus dedos em seu olho direito, ele gemeu alto de dor, deu alguns passos para trás levando suas mãos aos seus olhos, vi o sangue viscoso e vermelho veludo escorrer de seus supercílios. Ele desmaiaria em pouco tempo.

– Você vai pagar por isso! - Ele gritou. Retirou suas mãos de seu rosto bruto e ensanguentando. Sua língua brotou no canto de seus lábios, lambendo o sangue que havia escorrido para daquela parte. Seus dentes rangeram e vi, agora, duas adagas douradas surgirem em suas mãos. Seus passos firmes vieram em minha direção. Poderia fazer uma comparação com os touros na arena vendo a cor vermelha. Suas narinas abriam e fechavam de forma assustadora - Vai pagar!

Minhas mãos foram conduzidas pelo meu subconsciente para meu rosto e meu corpo se contorceu, como se aquilo de alguma forma fosse poupar minha vida.