PoV Percy

Eu estava no meio do nada, tudo ao meu redor era branco. Como no sonho antes de eu acordar na floresta do distrito 12. Esperava que Hera aparecesse para falar alguma coisa, mas nada aconteceu.
O cenário mudou até eu estar em um quarto parecido com aqueles que vemos em um hospital, porém sem janelas ou portas, pelo menos não portas que eu pudesse ver. No meio do quarto havia uma cama e vários outros aparelhos que soltavam "bips" ritmados. Na cama estava Katniss, que dormia serenamente. Sua pele e seus cabelos pareciam ter sido cuidados e curados de qualquer coisa que tenham passado, sem mais cicatrizes. Diversos fios de soro estavam grudados no seu braço. Sua respiração era tão lenta que por um instante de pânico me perguntei se ela estava mesmo respirando.
Andei até ela e tentei pegar sua mão, mas a minha mão passou por ela como se eu fosse um fantasma.
-Isso é apenas um sonho, você não pode tocá-la de verdade.
Hera surgiu do outro lado do quarto com os braços cruzados e uma expressão entediada.
Afastando-me de Katniss me dirigi à deusa.
-Ela vai ficar bem, não vai? - perguntei.
Hera encolheu os ombros e disse:
-Os mortais evoluíram muito em relação a medicina, acho que você não precisa se preocupar tanto.
Olhei novamente para a forma adormecida da minha amiga. Murmurei involuntariamente:
-Por que me trazer aqui por meio de um sonho? Não poderia esperar que eu acordasse?
Hera andou até ficar do meu lado e disse simplesmente:
-Achei que você iria gostar de vê-la uma última vez.
Olhei para ela com a testa franzida.
- O que?
Ela riu e me encarou.
- Por que o espanto, Perseu? Se esqueceu do que deveria fazer aqui?
Minha cabeça ficou um pouco confusa por um instante. Hera não esperou a minha resposta e continuou:
- Antes que eu me esqueça, meus parabéns, filho de Poseidon. Você passou no meu teste, não da forma que eu esperava, mas passou.
A confusão deu lugar a raiva e eu disse:
- Você soube desde o início. Sabia que no final só restaria eu e Katniss na Arena e que a Capital só aceitaria um vencedor. Não me espantaria de você ter provocado isso.
- Oh, não. Nem foi preciso, os mortais tem tanta compaixão quanto Ares no meio de uma guerra, nunca deixariam ter dois vencedores. - ela balançou a mão em descaso - Mas você está certo, Percy Jackson. Eu sabia que você e a mortal seriam os últimos na arena. As lutas foram apenas um teste extra.
Minha vontade era de dar um tapa na cara dela, mas como eu poderia muito bem ser incinerado tentei manter a calma.
- Por que? - foi tudo que eu consegui dizer.
Ela suspirou como se já esperasse que eu dissesse isso. Com um movimento das mãos fez com que o quarto desaparecesse em uma névoa branca, logo estávamos no mesmo vazio de antes.
- Provavelmente você não se lembra, mas há alguns anos a deusa Atena lhe disse qual era o seu defeito fatal. Defeitos fatais são exclusivos dos semideuses, são coisas ruins e que um dia colocarão vocês meio-sangues em situações de perigo. - ela disse andando em círculos, com o manto azul arrastando-se no chão.
- Aonde quer chegar com isso? - perguntei impaciente.
- Seu defeito fatal, Percy Jackson, poderia muito bem ser confundido como uma qualidade. Mas ele é tão perigoso quanto qualquer outro monstro que você enfrenta. - ela fez uma pausa e disse - Seu defeito é a lealdade aos amigos. E em uma guerra como a que você irá enfrentar isso pode significar a sua queda. Entende aonde quero chegar?
- Não. - falei simplesmente.
Ela revirou os olhos e murmurou:
- Semideuses nunca mudam. Preste atenção no que eu estou falando, garoto. Eu precisava testar até onde esse seu defeito era grave, meus resultados não foram nada satisfatórios. Você iria se matar para não machucar a mortal! Tem ideia do quanto isso é arriscado em uma guerra? Já parou para pensar se ela realmente ia morrer junto com você? Ela poderia muito bem fingir que comeu a amora, a Capital poderia não se importar com a morte dos dois e depois que você estivesse morto ela seria a vencedora. Já parou para pensar nisso?
Não, eu não pensei nisso, porque sei que nunca aconteceria. Katniss nunca faria isso, ainda mais pelo fato de que teria que suportar a pressão da Capital por ser uma traidora. Mesmo assim corei perante o pensamento do meu plano dar errado.
Hera suspirou fundo e disse:
-Confesso que não imaginei uma saída tão inteligente senão a morte da oponente. Porém essa inteligência não te ajudará em uma batalha se alguém que você considera um amigo te trair. Deve tomar cuidado com isso, semideus. As pessoas nem sempre são como aparentam por fora. - ela esfregou as mãos e disse - Bem, acho que agora tenho que cumprir minha parte da promessa. Vejo você no presente, Perseu Jackson.
Antes que ela pudesse fazer alguma coisa eu disse:
-Espere! O que você vai fazer?
Ela fez uma cara confusa e respondeu:
-Ora, não é isso que você queria desde que chegou em Panem? Você passou no meu teste, pode voltar para o seu tempo agora. Annabeth está preocupada com você. - com um movimento das mãos ela fez o cenário mudar novamente.
Agora estávamos em uma espécie de galpão, com caixas e mesas de projeto para todos os lados. Imaginei que se engenheiros e inventores tivessem algum tipo de clube secreto, seria parecido com isso. Em uma das mesas estava um garoto de cabelo encaracolado e feições élficas. O rosto dele estava sujo de graxa, assim como a camiseta. Ele desenhava minunciosamente uma espécie de planta de um navio. Eu nunca fui o maior fã de matemática, mas pelas escalas o navio seria enorme.
- Leo? - uma voz feminina chamou na entrada do galpão.
Olhei para trás e senti meu sangue gelar. Murmurei sem pensar:
-Annabeth...
Ela estava como no último sonho que eu a vi. Uma camiseta laranja como a que eu tinha há algum tempo, short jeans e tênis; O cabelo loiro estava solto e ela tinha olheiras abaixo dos olhos cinzas. Parecia que não dormia há dias.
- Oi, Annabeth. - o garoto que se chamava Leo disse sem nem levantar o olhar do papel.
- Como vai o trabalho? - ela perguntou. Ela passou tão perto de mim que eu tive que resistir ao impulso de me afastar, mesmo sabendo que ela não poderia me tocar de verdade.
- Do mesmo jeito que estava há 15 minutos. - Leo disse olhando pra ela com uma sobrancelha arqueada.
Annabeth corou e riu um pouco.
- Desculpe, Leo. Estou ansiosa para que o Argo II fique pronto. Seria um passo a menos...
- ...Para encontrar Percy, eu sei. - ele completou.
Annabeth suspirou cansada e passou a mão pelos cabelos bagunçados. Vi uma lágrima correr pelo seu rosto mas ela limpou rapidamente.
- Eu não posso evitar, sinto tanta falta dele.
- Há quanto tempo ele desapareceu? - perguntou Leo voltando ao seu trabalho.
- Já faz quase um mês. Está sendo uma verdadeira tortura. - ela sentou em uma cadeira ali perto e seu rosto assumiu uma expressão raivosa - Ás vezes eu gostaria de puxar o cabelo de Hera até ela pedir perdão por tê-lo tirado de mim.
Ao meu lado a deusa revirou os olhos e bufou dizendo:
- Nós nos desdobramos para colaborar com a paz entre os semideuses e é assim que nos agradecem. Depois que tudo isso acabar vou ter uma séria conversa com Hebe, a juventude de hoje anda muito rebelde.
Leo olhou para cima um pouco receoso como se esperasse que um raio caísse ou coisa parecida. Como nada aconteceu ele disse:
- Você sabe que ela só quer o melhor para os dois lados. Qual é, ela é a deusa da família. A última coisa que ela gostaria é de uma guerra.
- Eu só preciso colocar a culpa em alguém, senão é capaz de eu ficar louca. Leo, eu amo tanto o Percy! Não aguento mais ficar assim! Sabe lá onde ele está a essa hora? Em um acampamento romano ou escondido em algum lugar, não sei o que Hera pretende fazer ao certo. - ela parou um pouco para respirar e continuou mais calma - Sabe qual é um dos meus maiores medos?
- Que ele te esqueça?
- Também, mas há outro. E se, como Jason, ele tiver arranjado uma namorada romana?
Essa parte me pegou de jeito. Senti meu rosto esquentar com o que Annabeth disse, ao mesmo tempo que um sentimento de culpa se apoderava do meu peito. Ela tinha acertado em cheio. Poderia não estar namorando uma garota romana como foi dito, mas ainda estava namorando, de certa forma. Enquanto ela estava lá toda preocupada comigo, eu estava no futuro preocupado com outra garota.
- Bem, Annabeth, eu aconselharia você falar com a Piper ou qualquer outra garota sobre isso. Ela saberia te ajudar. E se eu fosse uma garota, diria para você se acalmar e seguir o seu coração. - ele disse com uma voz fina que me lembrava daquelas patricinhas típicas do Ensino Médio.
Annabeth riu e disse:
- Obrigada pelo conselho. E foi justamente Piper que me mandou vir aqui, ela disse que se você não sair de cima desses papeis ela vai te arrastar para fora pela orelha.
- Onde está o amor e carinho das filhas de Afrodite? Aquela garota veio com defeito de fábrica. Depois disso toda a visão se transformou em fumaça, me deixando novamente no vazio.
- E então, que tal voltarmos ao passado? - Hera perguntou.
Eu queria dizer sim acima de tudo. Poder voltar para o meu tempo para ficar mais perto de Annabeth, mesmo que eu passe um tempo em outro lugar antes de vê-la. Mas uma parte de mim era contra isso. Essa parte estava mais preocupada com Katniss e como ela ficaria depois que eu fosse embora.
- Se eu voltar para o passado agora, o que acontecerá com a Katniss? - perguntei devagar.
Hera arqueou uma sobrancelha e sorriu de lado.
- Eu estou ouvindo errado? Percy Jackson está trocando a namorada, Annabeth Chase, por uma mortal? Afrodite realmente é louca.
Fiz uma careta e respondi:
- Eu nunca trocaria Annabeth, mas eu me preocupo com Katniss. Ela é minha amiga. O que vai acontecer com ela?
Ela deu de ombros e falou:
- Terei que fazer alguma coisa em relação à Névoa. Colocarei um outro garoto no seu lugar. Tudo vai ficar em ordem.
Algo me dizia que nem tudo iria ficar em ordem, eu tinha que descobrir o que é e consertar. Mas eu duvido que Hera me fale o que vai acontecer, resta ver as coisas ao vivo. Mesmo que isso me tire a oportunidade de voltar ao meu tempo.
- O que você diria se eu quisesse continuar no futuro?
Ela riu como se a ideia fosse uma piada muito boa e respondeu:
- Ora, eu deixaria você ficar. A vontade é sua, mas eu não aconselharia.
O que ela disse me deixou intrigado, mas resolvi não perguntar nada.
- Pois isso é o que eu quero. Desejo ficar em Panem por mais um tempo.
O sorriso sumiu do rosto de Hera e ela disse séria:
- Já ouviu o ditado "o que os olhos não vêem, o coração não sente"? Eu te garanto, semideus: Esta frase vai se aplicar muito bem a sua situação se você continuar no futuro. Tem certeza de que quer fazer isso?
Agora sim que eu iria ficar. Jamais que eu iria embora se soubesse que algo ficaria perigoso para Katniss.
- Tenho sim. - respondo.
Ela respirou fundo e disse:
- É a última vez que eu tento te convencer. Será muito melhor se você for para o presente agora do que esperar para ver o que está para acontecer. Além do fato de que é melhor ir agora do que sentir a culpa e a ansiedade da espera pela despedida, já que eu tenho certeza de que você vai contar à Katniss sobre o seu tempo em Panem. Vai mesmo fazer isso?
Ela certamente sabia o que aconteceria, senão não estaria fazendo tantos avisos. Mas se há uma coisa que faz quase nenhuma diferença pra mim quando há problemas com os meus amigos são os avisos. Minha consciência estava me matando por estar deixando Annabeth, mas isso simplesmente era mais forte do que eu. Reunindo toda a minha coragem restante eu disse:
- Pela última vez, eu quero ficar em Panem.
Pareceu uma eternidade até ela desfazer a careta e dizer com um pouco de raiva:
- Muito bem, você que pediu. Lembrando: só voltará a me ver quando for a hora de ir embora. Já que você adiou a viagem eu vou ter que ajustar algumas coisas lá no seu tempo, o que significa que você terá que ficar alguns meses no futuro. E depois, não diga que eu não avisei. - ela estalou os dedos e, antes que eu caísse no sono, continuou sorridente:
- Aproveite a sua estada em Panem, Percy Jackson.