A claridade toca minhas pálpebras fazendo meus olhos se abrirem, sinto minha cabeça zonza e minha visão está fora de foco, levanto meu corpo para cima ficando sentada em cima do saco de dormir, olho para os lados e vejo que estou sozinha. Sozinha... eles me abandonaram. A fúria começa a tomar conta de mim, mas quando minha visão volta a tomar foco vejo que as mochilas de Cato e Marvel ainda estão aqui, se eles não me abandonaram para onde foram?

Começo a me lembrar do que aconteceu antes que eu desmaiasse. Teleguiadas... elas haviam me atacado e Cato havia me salvado, Glimmer estava morta e a garota do distrito 12 tinha fugido. Fico em pé e ando lentamente até o lago, ainda não estou estável e chego até o lago cambaleando, lavo meu rosto com a água límpida e fresca e bebo um pouco. O líquido inunda minha boca retirando o gosto amargo que estava em minha língua.

Só após voltar para o saco de dormir que percebo que algumas folhas medicinais estão sobre os locais onde as teleguiadas picaram, retiro-as de meus braços, pernas e pescoço. Toco os ferimentos e sorrio... Cato cuidou de mim. Olho para meu saco de dormir e percebo que ao seu lado a um prato com esquilo assado, à uma frase escrita em letra de fôrma com flores rosas próxima ao prato, ela diz “Coma quando acordar.” Um sorriso bobo se forma em meu rosto, é a segunda vez que sorrio por Cato sem ele nem mesmo estar aqui. A muralha que eu havia construído em volta de meu coração está começando a trincar, mas não posso deixar que isso aconteça.

Mas por mais que eu me esforce o sorriso bobo não sai de meu rosto, nem mesmo enquanto me delicio com a carne do esquilo, ela já não está mais quente como estou acostumada a comer, mas está morna e o sabor está ótimo. Eu estava comendo apenas frutas dissecadas à dias e qualquer carne que comesse a essa altura dos Jogos estaria ótima. Ao terminar de comer o esquilo lavo minhas mãos no lago e volto ao saco de dormir, pego uma das flores e sinto o doce aroma da pequena flor.

Um barulho de galhos se movimentando chega em meus ouvidos, minhas mãos rapidamente envolvem a faca que está presa em meu cinto. Estou pronta para arremessá-la, mais então vejo o corpo musculoso e os cabelos loiros de Cato e abaixo a faca, ele olha para mim e exibe seus dentes brancos. Retribuo o sorriso instantaneamente, ele vem até mim e se senta ao meu lado, seus dedos tocam minha face e ele olha dentro de meus olhos como se pudesse ler tudo que eu estou sentindo nesse momento, uma onda de calor toma conta de meu corpo ao mesmo tempo que o frio invade minha barriga, sinto que se eu tentar levantar não conseguirei ficar em pé.

– Você está se sentindo melhor? – ele diz suavemente deslizando seus dedos levemente por meu rosto. Eu balanço a cabeça positivamente e ele continua – Fiquei preocupado com você, Marvel e eu ficamos desacordados por apenas um dia e você ficou por três...

– Eu fiquei dormindo por três dias? – o interrompo falando um pouco alto.

– Sim, você foi atingida pelas teleguiadas mais do que nós. – olho para Marvel e ele está no lago enchendo suas garrafas de água. – Agora resta apenas nós três, os dois tributos do 11 e do 12, a garota do 5 e um tributo do 3. Já faz mais de uma semana que estamos na arena e ainda restam muitos sobreviventes vendo pelo lado dos idealizadores, eu acho que provavelmente eles vão fazer alguma coisa para que alguns tributos morram mais rapidamente.

Olho nos olhos de Cato enquanto ele fala, suas atitudes mudaram, ele está diferente, nem parece que o Cato que estava andando com Glimmer há alguns dias atrás. E mais uma vez a duvida invade minha cabeça e faz com que eu não saiba se ele está somente interpretando para ganhar os Jogos ou está dizendo a verdade.

– Você tem razão. – digo.

– Já volto. – ele pega um pano, vai até o lago e o molha, suas mãos torcem o pano retirando o excesso de água, rapidamente ele já está de volta ao meu lado. Sinto ele passando o pano levemente em minha perna, é só agora que percebo o sangue seco cobrindo minha coxa, ele desliza o pano por minha coxa limpando-a de todo o sangue.

– Obrigado – digo – por ter cuidado de mim.

– Não foi nada, na verdade foi um prazer. – o sorriso dele era um sorriso inocente e malicioso ao mesmo tempo, era um sorriso diferente de qualquer outro, um sorriso que só Cato poderia dar. Sinto vontade de agarrá-lo, de jogar meus braços ao redor de seu pescoço, dizer que o amo e o beijar loucamente, quero sentir seus braços ao redor de meu corpo, sua boca tocando a minha, suas caricias destruindo a barreira de meu coração. Mas logo essa vontade passa, pois por mais que queria tudo isso eu nunca poderei me dar a esse luxo, já que apenas um de nós sai vivo daqui, apenas um de nós voltara para a casa e mesmo eu querendo que seja eu quem volte acho que não quero voltar sem Cato, não quero nunca mais ficar longe dele, não quero nunca mais ficar longe de sua proteção.

Sempre me considerei uma garota forte e destemida, mais agora percebo que mesmo sendo forte, tudo que eu sempre quis foi a proteção de alguém, alguém que se importasse comigo e desse sua vida por mim, não sabia se esse alguém era Cato ou não mas ele havia me ajudado a perceber isso, pois no fundo eu ainda sou a garotinha que apanhava todos os dias na escola e era arremessada no lixo, eu ainda sou a garotinha que precisa de alguém para protegê-la, a diferença é que agora eu consigo aparentar uma pessoa forte fazendo todos acreditarem nisso, fazendo até mesmo eu acreditar nisso.

Cato se levanta rapidamente e olha para a copa das árvores – Fogo – ele diz – tem um tributo naquela direção, nós precisamos matá-lo. – Então nesse momento o Cato carinhoso desaparece deixando apenas o Cato sedento por sangue, o Cato que faria qualquer coisa para vencer esses Jogos. Ele me ajuda a levantar e juntos Cato, Marvel e eu corremos em direção a fumaça.