Winter In London escrita por Luh Moon


Capítulo 14
Capítulo 14 – Vicioso!


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo com fortes revelações. Segurem seus corações!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/251046/chapter/14

Mildred acordou um pouco melhor disposta. As colegas tinha planejado um acampamento para o dia seguinte e mesmo com as notícias de um assassino a solta nos arredores de Londres, ela estava empolgada com a ideia de sair do centro e pensar em outras coisas que não fossem crimes, quebra-cabeças e Sherlock... Apenas completou aquele pensamento e ouviu uma batida na porta.

– John! – disparou surpresa. – Entre...- era a última pessoa que queria ver, mas ele não tinha nenhuma culpa.

– Olá Mild... – o apelido saiu fácil e ele sorriu. – Parece... contente?

– Vou acampar amanhã com alguns amigos... – tentando parecer mais animada do que realmente estava. – Mas hoje estou inteiramente livre. – parou atrás da poltrona da sala. – Sente-se e me diga a que devo sua ilustre visita? Embora eu suspeite que já saiba a resposta... – sorrindo.

– Er... Pensei que você podia me ajudar a esclarecer algumas coisas... – resmungou John tentando observar aonde ia sua interlocutora.

– Sherlock, eu suponho... – o sorriso tinha desaparecido completamente do rosto dela.

– Se o assunto lhe incomoda... – ameaçando levantar.

– Você sabe que não me incomoda... – ajeitando-se no sofá e acendendo um cigarro.

– É que pensei que talvez pudesse ajudar...

– Ajudar? Aconteceu alguma coisa? – preocupada.

– Ele está estranho...

– John! Ele é estranho! – achando graça.

– Mais estranho que o normal... – desta vez Mildred franziu a testa.

– Especifique! – inclinando-se.

– Ele não toca! Ele apanha o violino e o segura como se fosse feito de cristal, concentrado, mas não o toca... Nada! - esfregando as mãos. – Está dormindo mais de quatro horas por dia! Está fumando...

– Isso eu sabia... – mostrando o cigarro entre os dedos. – Velhos hábitos nunca morrem!

– Lestrade! – disparou. – Ontem ele esteve nos consultando sobre o caso do serial killer...

– O andarilho... sei... – ela murmurou.

– Como sabe? O caso ainda é sigiloso e... – surpreso.

– Mycroft... – simplificou. – Continue...

– Bem... – sentindo-se subitamente desconfortável. – Lestrade estava nos relatado o caso e Sherlock simplesmente não estava lá! Fisicamente estava, mas não estava prestando atenção em uma única palavra. Nem para dizer que era chato! – ela observava-o com interesse. - Imaginei que saberia o que há de errado com o seu...

– Ele não é meu irmão! – disse com um meio sorriso. – E adora me lembrar disso! Crescemos juntos. Mas não somos irmão de modo algum, nem pela força da lei, nem pelo sangue. E se fossemos... – parou como se tivesse feito uma descoberta. – Oh! Mas é óbvio! – disse a si mesma.

– Desculpe? – John sabia que ela não tinha falado com ele, mas também sabia que aquela exclamação dizia respeito a Sherlock.

– Não somos irmãos... – disse como se aquilo esclarecesse tudo.

– Eu sei disso! Mas agiu como se tivesse entendido algo...

– Oh! Isso! Sherlock sempre faz questão de me lembrar disso, que não somos irmãos. O que pareceu sempre um pouco irritante... Até agora. Agora só parece lógico!

– E por que seria lógico que ele lembrasse a você que não são irmãos de verdade?

– Porque se fossemos ele teria cometido incesto... – disse naturalmente. – Nós dois na verdade.

– Como é? – disparou John engasgando.

– Incesto... Sabe o que é, certo?

– Sim! É claro! Sim! Eu sei! – atrapalhando-se com as palavras. - Mas isso quer dizer que você e ele... – atrapalhado também com as ideias.

– Espera... – franzindo a testa. – Ele nunca disse nada? Nunca mencionou nada a você?

– Está querendo me dizer que vocês têm um relacionamento? – aturdido.

– Eu não diria isso, meu caro doutor... – pensativa. – Honestamente, eu não sei como chamar esse jogo...

– Mas quer dizer que vocês... – inclinando-se e falando cada vez mais baixo.

– Por que estamos sussurrando agora, John? – devolveu Mildred no mesmo tom. – Eu sou maior de idade, não sou? Ao menos agora eu sou... – ainda pensativa.

– O que quer dizer com isso? – aquilo estava ficando mais bizarro a cada minuto.

– Que antes eu não era... Você está bem? – encarando-o.

– Um pouco tonto... Antes? Antes, quando?

Mildred levantou-se, apagou o cigarro no cinzeiro de vidro sobre a mesinha de centro. E andou até a pequena cozinha. Encheu uma chaleira com água e acendeu uma chama do fogão. Pôs a água para ferver e voltou andando devagar para onde John estava, ainda parecendo em estado de choque.

– Diga-me exatamente o que quer saber doutor... – abraçando a si mesma. – E vejo se posso lhe ajudar em alguma coisa... – suspirando.

– Você insinuou que...

– Não insinuei. Eu disse. Eu não acredito que ele deixou você no escuro! – torcendo os lábios. – Vejamos...

Ela realmente estava fazendo um esforço além do normal. Tinha aprendido a selecionar suas memórias... Não que não guardasse em detalhes todas as lembranças que a ligavam a Sherlock... O caso é que aquela lembrança em especial já estava desgastada pelo tempo e borrada pelo excesso de emoções e a quantidade de vezes em que ela se esforçara em colocá-la de lado. Passou a mão pelo pescoço. Podia ver, embora tudo parecesse mais embaçado agora...

Fazia quanto tempo? 14 anos? Movido por algum humor de muito mau gosto e como não sabia a real data de nascimento, Mycroft escolheu o aniversário dela. Mas não escolheu aleatoriamente. Dezenove de janeiro. O dia do aniversário do seu irmão mais novo! Mildred perguntara uma dúzia de vezes os motivos daquela brincadeira estranha, mas Mycroft nunca pareceu disposto a esclarecer.

Tudo o que ela lembrava é que era seu aniversário, acabava de passar alguns minutos da meia noite e aquele maldito internato parecia um iceberg de tão frio. Não queria passar mais um aniversário ali! E fugir não era um problema tão grande! Tinha feito isso uma dúzia de vezes antes. Mas sempre voltava para casa, entrava pela porta dos fundos, se esgueirava nas sombras e entrava silenciosamente no quarto dele. E ele sempre a recebia com um sorriso, o estranho sorriso de quem parecia estar apenas a sua espera.

Mas ele não estava mais em casa. Ela descobrira isso na sua última fuga... Tinha sido apanhada e Mycroft faltou pedir que seus homens a levassem pelas orelhas de volta a escola. “O que pensa que está fazendo?”. Ele repetira aquela pergunta tantas vezes que parecia ter sido gravada em sua mente. A noite estava fria e ameaçava chover... Tudo o que ela tinha era um endereço anotado em um guardanapo... E o mapa da cidade como que desenhado no seu cérebro. Parou de pensar e partiu.

Era um edifício antigo e feio. Ela não encontrou nenhum problema para achar a escada de incêndio e chegar até a sacada do apartamento que ele estava alugando. No entanto, no meio do caminho ela hesitou. Da última vez que falara com Mycroft tinha ouvido dele as palavras intratável e mais um caso quando se referiu a Sherlock. Havia a possibilidade de que não fosse bem recebida naquela noite. Mesmo assim prosseguiu.

“O que está fazendo aqui?”.

A voz surgiu no meio da sala escura e a atingiu como um raio. Ela paralisou, ainda com um pé para fora do apartamento. Abriu os braços para se equilibrar e para tatear o caminho. Não conhecia aquele lugar! Não era como andar pelos corredores de casa na madrugada. Deu dois passos incertos e depois de estar completamente dentro, parou.

“O que está fazendo aqui, Mild?”.

Agora a voz tinha vindo acompanhada de um deslocamento de ar e uma mão gelada tocava o seu braço esquerdo. Ela sentiu um arrepiou na nuca. Engoliu em seco. Fazia quase um ano que não se viam... Apenas naquele momento lhe ocorreram todos os motivos que tinha para não estar ali. Sua garganta encheu de lágrimas.

“Vim ver você...”. Era isso. Era simples assim.

“Estou ocupado!”. ele disse soltando-a e voltando para a escuridão.

Era isso? Era só isso? A única pessoa que importava ia abandoná-la no momento em que estava se sentindo mais sozinha e vulnerável? Não... Ela estendeu os braços na escuridão e tentou alcançá-lo. Ela tinha tantas coisas a dizer. Tinha tido tanto tempo para pensar... E tinha crescido! Estava bonita! Ele poderia perder apenas um minuto e olhar para ela... Era seu aniversário afinal!

“Sher...”. ela murmurou com a voz meio embargada pelas lágrimas que só aumentavam de volume.

"É melhor que vá embora!"

A voz cortou a escuridão e também partiu seu coração. Ela simplesmente não conseguiu se mover de onde estava. Sentiu o peito saltar em soluços, a princípios silenciosos e aos poucos mais e mais sonoros. As lágrimas transbordaram de seus olhos e o que era um lamento quase imperceptível se transformou depressa em um pranto compulsivo.

"Oh! Deus!" ele murmurou surgindo das sombras. “Por favor, não chore...”

Mas agora era tarde demais. Ela não conseguia mais parar, mal conseguia distinguir a figura do homem alto parado diante dela. Todo o seu corpo tremia. Sua mente estava nebulosa como o céu de Londres e a chuva que começava a se precipitar lá fora parecia pequena diante da quantidade de lágrimas que ela derramava.

“Acalme-se, por favor...” ele insistiu segurando-a pelos ombros. “Mildred, você está gritando...”

Devia ser verdade! Ela mal conseguia ouvir o que ele dizia agora. Tudo estava misturado em sua mente. O som da chuva, o som de seu próprio choro, a voz dele... Ele a sacudia... Gentilmente a princípio e depois com veemência. Ela voltaria a si com prazer, mas não tinha mais domínio nenhum de si mesma. De repente ele parou de sacudi-la...

Ela percebeu que ele havia deslizado as mãos e segurava seus braços perto dos cotovelos. Foi uma fração de segundo entre sentir seu corpo sendo puxado e perceber aquele vulto crescer diante de seus olhos. Mas as lágrimas a tinha confundido muito e ela mal teve tempo de assimilar a cena. Foi só quando sentiu o toque quente de lábios sobre os seus que entendeu o que estava acontecendo. As lágrimas cessaram quase de imediato e um sabor adocicado invadiu seu paladar.

– Então ele a beijou? – atravessou John.

– Era o jeito! Eu estava gritando feito uma maníaca!- levantando-se e indo até a cozinha. - Ele fez a única coisa lógica! Como sempre! – fazendo uma careta. E suspirando em seguida.

– Foi como começou?

– Não. – voltando com duas xícaras de chá. - Foi como eu parei de berrar... – sorriu. – Começou quando eu o beijei... Ele mesmo disse que eu comecei esse jogo... E ele tem razão.

Mildred suspirou. Tinha que fazer um esforço duplo: lembra-se dos acontecimentos e não deixar a mente divagar. Era muito fácil para ela deixar a mente se perder. Ainda era muito inocente naquela época e ainda tinha uma série de esperanças tolas. E foram essas esperanças sem sentido que a fizeram saltar ao pescoço dele um segundo depois que ele tinha se afastado ela. Ele apenas tinha tido tempo de murmurar uma frase:

“Sente-se melhor?”

Ela ignorou completamente a pergunta, espichou os braços e alcançou o pescoço dele. Lembrava-se com clareza de ter avaliado o quanto aquele gesto era perigoso. Lembrava-se de ter buscado um sinal qualquer no rosto dele para que ela parasse. Mas não havia nada! Os olhos dele estavam ternos como ela nunca havia visto antes!

– Então... – interrompeu John, percebendo que a garota tinha se perdido em suas lembranças.

– Desculpe John... Fazia algum tempo que eu não pensava nisso. – desviando o olhar.

Na lembrança dela aquele gesto parecia ter durado uma eternidade. Em nenhum momento ele procurou afastá-la... Ao contrário, ela sentiu um abraço firme segurando-a no meio das costas, que ao mesmo tempo em que a segurava, quase a levantava do chão. Era um sonho! Tinha que ser! Como que em resposta àquele pensamento, ela sentiu que ele a soltava.

“Eu não devia...”

A voz dele estava mais rouca que o normal. E ao mesmo tempo em que ele protestava, mantinha seu rosto muito próximo do dela e as mãos segurando sua cintura, embora mais levemente. Ela manteve os olhos fechados e agiu exatamente como uma criança: apenas desejou, com toda a força que tinha.

– Você não quer os detalhes, quer? – cortou Mildred de repente.

– Eu... – só então John prestou atenção ao rosto dela.

Ela tinha os olhos vermelhos como quem tivesse chorado e estava corada. De novo ela pareceu muito mais jovem do que realmente era. John sentiu-se dividido. Um sentimento caloroso, que parecia partir daquela garota, invadiu-o e comprimiu a sensação de estranheza que o ocupava até então. Um raio de clareza o atravessou.

A conversa que tivera dias antes com o amigo e que parecia tão estranha até então, de repente tinha se tornado óbvia e clara como um espelho d’água. Pensando sobre aquilo, até mesmo a expressão dos olhos dele parecia idêntica a dela naquele momento. Sentiu-se confuso. O que é que aquilo queria dizer?

– Eu nunca poderia imaginar... – iniciou John.

– Ora! É claro! – atravessou a garota. – Vocês têm o péssimo habito de subestimar a capacidade que ele tem de se envolver...

– É ele quem provoca essa reação...

– O fato de ele se separar de seus sentimentos e negligenciar a empatia, não significa que ele não sinta. – suspirando. – Ele é humano! Por mais que ele tenha forjado uma bela armadura, embaixo dela ainda há um homem de carne e ossos, não se deixe enganar John!

– Mesmo assim, não deixa de ser uma surpresa! – insistiu. – E Mycroft?

– O que tem ele? Oh! Pergunta se ele sabe? – rindo. – Tenho certeza que sim. E não me pergunte o que ele pensa a respeito... Ele é contraditório nesse ponto! Você está se sentindo bem John? Parece meio pálido...

– Desculpe. Ainda estou chocado! – confessou.

– Ora! Vocês confundem o fato de alguém ser reservado sobre sua sexualidade com o fato de não ter nenhuma. Sherlock não é um puro. Ele é um viciado! Viciado em qualquer coisa que lhe arranque do tédio continuo que é a vida...

– Não posso discordar...

– Ele faria qualquer coisa para se livrar da mesmice! – desviando o olhar e olhando na direção da janela. - Provaria qualquer coisa apenas para ver que efeito provoca! Só Deus sabe a quantidade de substâncias que ele já experimentou apenas para provar suas teorias. Quanto mais forte, melhor! Quanto mais perigoso melhor! O fato de ele não falar disso, não quer dizer que isso não exista.

– É... Eu vi isso acontecer... – lembrando-se do que quase acontecera no caso da mulher de cor-de-rosa.

– Então você sabe do que eu estou falando. Qualquer coisa que o deixe ligado é válida... E aí, meu caro John, inclui-se essa coisa tão humana de trocar fluídos corporais... Nada convencional, eu garanto!

– Mas Sherlock sempre disse que sentimentos...

– E quem está falando de sentimentos? Não. Estou falando de outra coisa... – sorrindo maldosamente. - Descarga de adrenalina! Funciona como qualquer droga convencional!

– Está falando exatamente como ele... – espantado.

– Ah! Ele disse isso? Ainda se referindo a mim como seu pior vicio?

– Algo do gênero... – agora aquela conversa estranha fazia sentido, finalmente!

– Pois é o que eu sou. Mais um vício... – ela falou com um sorriso que não chegava ao seu olhar e não demonstrava nenhuma satisfação. –Por que você acha que ele se sentiu atraído por aquela mulher?

– Adler?

– John... – revirando os olhos. – Por que precisa dizer esse nome?

– Incomoda você? – curioso.

– Sempre! – erguendo uma sobrancelha. – Dominatrix é a palavra-chave! – com aquele sorriso que parecia tanto com o sorriso ambíguo de Sherlock. – Entende?

– Está me dizendo que ele gosta desse tipo de...

– Você não quer saber John, confie em mim... – sorrindo com uma malicia que beirava a lascívia e causou um arrepio no médico. – Mas não do modo como você está imaginando, embora envolva algo de sádico... É a mente! Um intelecto arrojado o excita!

– Você faz parecer natural...

– É apenas um lado dele que vocês fazem questão de ignorar. Mas está lá! – erguendo os ombros. – Ele se diverte com o que é fora do comum, se compraz com a vilania, se deleita com a violência... Você sabe que eu estou falando a verdade. Não é diferente no outro aspecto. Para ele a dor e o prazer estão intimamente ligados...

– Acho que é o suficiente... – declarou John ficando em pé.

– Não quis chocar você, meu querido. – levantando-se. – Mas espero tê-lo ajudado...

– Apesar de tudo, acho apenas que ele está sentindo a sua falta... – murmurou John encarando Mildred.

– Vou considerar isso, prometo! – estendendo a mão que foi apanhada e apertada pelo médico.

O que John não sabia, pensou Mildred, enquanto o observava saindo para a calçada, era o quanto aquilo fazia mal a ela. Se ao menos houvesse algum sentimento no qual pudesse se amparar... Mas não havia. Por mais que ela discursasse sobre a natureza humana daquele homem, duvidava que ela ainda fosse capaz de sentir com maior profundidade. Tinha inveja de John Watson! Tinha a impressão que ele conseguia despertar muito mais amor no espírito de Sherlock Holmes que ela... E isso fazia com que ela se sentisse tão miserável que só sentia vontade de chorar.

Sentou-se no carpete, abraçando os joelhos e chorou... Chorou até sentir a alma dormente... Apenas chorou, sozinha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Alguém aí ainda não tinha sacado? Todos, menos o nosso querido "Jaw"



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Winter In London" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.