O Retorno de Milena escrita por Débora Falcão
Durante a noite, o Museu do Estado é fechado. Mas isso não impede que algumas pessoas, digamos assim, entrem. Rudolph é uma delas. Educado, elegantemente vestido, passos firmes mas silenciosos, mãos bem tratadas, cabelos grisalhos e bem penteados, olhos de um azul profundo que investigam o ambiente. A sala, a pinacoteca do museu. Totalmente às escuras, isso não é problema para um vampiro auspício.
Rudolph caminha vagarosamente entre as paredes repletas de pinturas de muitos artistas, locais e internacionais, réplicas e originais de tirar o fôlego. É o seu momento de prazer pessoal. A arte é como um bálsamo para seu interior. Um momento como nenhum outro. Às vezes, Rudolph vai ao teatro, ou ao cinema, ou a alguma ópera, mas seu lugar preferido é o museu. Relembra coisas que presenciou, acontecimentos e fatos que testemunhou. E era lá onde estava, e foi lá onde foi encontrado.
— Sabia que o encontraria aqui.
Rudolph não se perturba ante a voz do recém-chegado. Continua observando uma tela, bastante colorida.
— Este é um dos meus locais favoritos para passar o tempo. E, se existe alguma coisa que não me falta, é tempo.
— Não sei como você agüenta essa palhaçada de pintura. Cada coisa feia! Não dá pra entender nada!
Rudolph vira-se e quase fulmina o Ancilla com o olhar.
— Meu caro Lázarus, você jamais poderia entender o valor de uma tela de Tarsila Amaral, por exemplo.
Lázarus olha para a tela que Rudolph aponta.
— Eu quero lá entender um homem do pezão e uma cabeça minúscula!
— Vejo que você se enquadra perfeitamente no perfil Abaporu.
— Quê?
— Você é um perfeito idiota. Por que veio interromper-me em meu horário de lazer?
— Eu ressuscitei Milena.
Rudolph ri.
— Impossível. Não se pode ressuscitar um vampiro. Se ele já teve sua morte final, impossível.
— Não quando não se destrói o corpo.
— Como o encontrou?
— Isso é coisa minha. O que importa é que eu fiz e preciso de sua ajuda. Sua e de todos do clã Toreador.
Rudolph caminha em direção a Lázarus.
— E me diga, meu caro Malkaviano, por que eu me aliaria a você, convencendo os Toreador a fazerem o mesmo?
— Por que você me tem como a um filho. Lembre-se do laço de sangue que fizemos há quarenta anos.
— Claro. Como poderia me esquecer? Você me é uma vergonha. Nunca se interessou por arte ou por qualquer coisa. Sempre pensando em levar vantagem em tudo. Agora que domina os Malkavian de Recife acha que é alguma coisa. Mas eu lhe digo que não é.
Rudolph aproxima-se mais de Lázarus.
— Vocês, Bon Vivants, não são nada. São apenas sanguessugas que vivem para caçar e dormir.
— Rudolph? Por que está dizendo isso? Se é para tentar me convencer a fazer parte dessa sua ladainha de artistas plásticos e intelectuais, nem pense nisso. Na verdade, eu detesto os Toreador. Eles são chatos demais, vivem em museus! Que saco! Eu só quero a ajuda de vocês, porque vocês são muito fortes. Como você diz, os Bon Vivants não são nada. E Milena é uma Tremére. Mais do que isso: ela ressuscitou Ricardo, o namoradinho Tremére da oitava geração. Estamos ferrados se os dois vierem contra nós, o que é certo.
Rudolph caminha.
— Não sei se quero fazer parte disso. O que você vai ganhar?
— Quero dominá-la. Me casar com ela. Laços de sangue e tudo mais. Ela é quase uma mestra do clã Tremére, foi treinada para substituir Lady Anthonya na Primigênie, sétima geração, forte demais. Seus pontos de sangue são altos e tem poderes suficientes para acabar com duas castas inteiras. Uma delas seria a dos Malkavian. Eu sou apenas um vampiro da décima segunda geração. Não tenho tantos pontos de sangue e sou fraco diante dela. Dentre os fracos, sou o mais forte. Mas não sou nada perto dos grandes clãs. Preciso de Milena comigo.
— Você quer unir seu clã ao dela. Assim, você dominaria muitos clãs.
— Exatamente.
— E como pretende fazer isso? Milena não vai se unir a você, muito menos laço de sangue. Ainda mais agora que ela ressuscitou Ricardo.
— Por isso preciso dos Toreador. Vocês são fortes e muito inteligentes, são poderosos com pontos de sangue altos. Preciso de vocês.
Rudolph limita-se a ouvir, caminhar e observar uma pintura de Eckout.
— Eckout é maravilhoso em seus quadros.... bem... o que eu ganharia com isso?
— Você é o mestre dos Toreador por aqui. Teria a oportunidade de dominar os clãs de nossa região, Toreador e Tremére.
— Não acredito nisso. Você vai querer nos dominar. A nós, Toreador, aos Tremére, sem contar os Malkavian com você.
— Claro. Mas podemos dividir os clãs entre nós.
Rudolph sorri.
— Você tem um senso de humor incrível. Nada feito.
— Não pode me negar isso!
— Já neguei. Eu e os Toreador. Procure outro clã. Quem sabe os Nosferatu? E não pense você que a coisa toda está resolvida dentro dessa sua cabecinha lunática. Tenho ouvido rumores. Sete neófitos foram destruídos ontem, na região da periferia. E já soube que mais três foram destruídos no início da noite de hoje.
— Você acha que...
— Isso é atividade de um ancião recém-despertado. Há um novo ancião entre nós. Talvez você encontre nele um aliado, ou seja seu lanche...
Lázarus, humilhado, retira-se, ouvindo ainda ao longe a gargalhada de Rudolph na pinacoteca vazia. Mas, para Rudolph, as coisas não estão tranquilas. Se havia um novo ancião, recém despertado, isso era ruim. Ele sabia exatamente o que um ancião recém desperto era capaz de fazer. Ele mesmo fora um desses. Agora que o domínio de seu clã estava sob suas mãos, e já fazia algum tempo que viera de seu sono, ele podia se controlar. Um ancião novo poderia ser um grande problema. Alianças, isso era o que ele deveria fazer.
— Bem... para mim... eu tenho uma idéia bem melhor... Milena foi ressuscitada... isso é muito interessante....
Rudolph levanta vôo e entra num alçapão no teto, o seu esconderijo, que poucos conhecem.
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