Monarchy Of Roses escrita por cakew


Capítulo 6
Carta.


Notas iniciais do capítulo

Me desculpem pela demora ): fiquei sem conexão a internet durante as últimas semanas.



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            Lenta e despreocupadamente, Eric afiava seu machado enquanto observava Snow White em sua visão periférica. Ele estava sentado de forma largada e relaxada sobre um enorme banco maciço de madeira de carvalho encontrado em um dos cantos do cômodo. Já Snow White, estava sentada próxima a uma escrivaninha na qual utilizava para responder às cartas de aldeões que viviam em vilarejos distantes, e, portanto não receberam a visita da rainha nos dias anteriores. Snow havia mandado um escrivão para tais vilarejos no início do dia anterior, para que assim seus aldeões pudessem relatar a ele todos seus problemas e necessidades coletivas. O escrivão havia chegado ao castelo com as cartas logo pela manhã, e após passar algumas horas apenas lendo-as, Snow White agora as respondia. Porém, o barulho incessante que Eric produzia ao afiar seu machado, impedia-a de se concentrar. Greta também estava no cômodo, porém não produzia ruído algum com sua tentativa – até então falha – de ensinar a si mesma a bordar um tecido.

            Snow White apoiou os cotovelos sobre a mesa e esfregou os dedos nas têmporas enquanto fechava os olhos, e bem educadamente disse:

            - Eric, você poderia, por gentileza, realizar esta atividade em outro recinto ou guardar isto para mais tarde? – e abriu os olhos para olhá-lo.

            Eric parou imediatamente, porém não por ela ter pedido, mas por ter ficado surpreso pela solicitação. Após piscar algumas vezes, ele pareceu notar que o barulho que estava produzindo provavelmente atrapalhava a escrita da rainha. Ele desculpou-se e colocou o machado juntamente com a pedra que utilizava para afiá-lo no chão, e deitou-se no banco com as pernas flexionadas. Lentamente, girou a cabeça para que pudesse observar Snow White, que havia retornado à sua atividade.

            Incomodado com o ócio que o dominava e intrigado com a escrita da rainha, Eric levantou-se para que pudesse ver mais de perto o que ela fazia. A folha na qual ela escrevia estava parcialmente cheia com sua caligrafia, o que despertava a curiosidade de Eric. Ele tinha a impressão de que aquelas letras possuíam características que imitavam a personalidade de sua autora: delicada, adorável, frágil e ao mesmo tempo forte. Ele não sabia o que estava escrito ali, mas estava encantado.

            Snow White olhou para o alto por cima de seu ombro esquerdo, e viu que Eric olhava fixamente para a folha na qual ela escrevia. A rainha sorriu ao notar a expressão incomum que dominava as feições do caçador.

            - Eric, você está adorável. – ela sorriu como se pedisse desculpas pelo comentário que fora incapaz de evitar. – Quem poderia dizer que um homem de aparência bruta como a sua possuía a capacidade de parecer tão doce?

            Pego de surpresa, ele logo desfez sua expressão e desviou o olhar da folha de papel para encarar a rainha. Ele deu um meio sorriso travesso.

            - E quem poderia dizer que uma garotinha doce como você seria capaz de ser tão dura? – um tanto envergonhado com o comentário de Snow White, ele tentou defender-se. – Lembro-me de que a vi enfrentar um trasgo. Seu grito gutural ecoa por meus ouvidos até hoje.

            Enrubescendo, Snow White riu e focou-se novamente em sua folha. Ela molhou no tinteiro a ponta da pena que utilizava para escrever, e terminou a frase que havia iniciado antes de se irritar com o barulho da afiação de Eric. Ele franziu o cenho e aproximou-se para continuar sua análise da letra de Snow White.

            - O que está escrito? – Eric perguntou sem temer incomodá-la novamente.

            Snow White baixou a pena e tornou a olhá-lo.

            - Posso entregar-lhe para que você leia assim que terminá-la. – ela respondeu secamente.

            - Não sei ler. – disse ele sem vergonha alguma de suas origens e imaginando que seria óbvio para a rainha o fato de que os pobres são privados da leitura e da escrita. Porém Snow White estranhou a afirmação de Eric, pois em sua concepção todos sabiam ler. – Não fui criado em uma família nobre, majestade, portanto não poderia aprender a ler. – explicou em resposta à expressão de incompreensão de Snow. Porém, Eric logo se lembrou de que a rainha havia sido trancafiada em uma das torres do castelo quando ainda era apenas uma menina, portanto deve ter perdido os ensinamentos acerca das posições, direitos e deveres hierárquicos de cada um – e, provavelmente, foi pela falta deste conhecimento que Snow convidou Eric para viver junto a ela em seu castelo.

            Snow White havia aprendido a ler e escrever poucos anos antes da morte de sua mãe. Seu pai havia chamado um senhor velho e impaciente para que ensinasse a ela e a William a artes da leitura e da escrita. Diferente de Snow, William fora um aluno disperso, e aprendeu pouca coisa, mas ela imaginava que agora ele já dominasse a leitura e a escrita.

            - Bom, acredito que todos deveriam saber ler e escrever, e eu poderia ensiná-lo a fazer ambos se tivesse tempo, porém acho que não será possível, mas posso chamar alguém para fazê-lo por mim. – ela sugeriu.

            Eric dispensou a ideia alegando que não era necessário, afinal ele havia sobrevivido muito bem até hoje como analfabeto. Porém, ele sentia que sua resposta teria sido diferente caso Snow White pudesse ensiná-lo.

            Snow ficou um tanto surpresa com a resposta de Eric, mas assentiu. Então perguntou se ele gostaria que ela lesse o que havia escrito até agora.

            - Sim, por favor. – ele pediu.

            Eric prestou atenção em cada palavra de Snow White, e elas possuíam uma essência esperançosa, e era visível que os destinatários daquela carta ficariam bastante contentes com as promessas que foram-lhes feitas. Depois de algum tempo lendo suas próprias palavras, Snow White parou e disse que a carta ainda não estava acabada, e que, caso Eric desejasse, ela a leria novamente ao finalizá-la.

            O caçador estava encantado, e não conseguia compreender como tantas palavras cabiam em tão pouco espaço. Para ele, era mágica a forma como Snow White compactava um trecho tão longo de se pronunciar em frases tão curtas no papel. Ele não sabia se essa magia era dominada por todos aqueles que foram alfabetizados, mas Eric passou a admirar ainda mais Snow White por este simples fato. Acanhado, ele desejou que ela o chamasse para assisti-la durante todas as vezes em que fosse escrever algo, porém Eric não possuía coragem suficiente de dizer a rainha o que queria.

            Eric distanciou-se da cadeira de Snow e caminhou até uma janela não muito longe de onde a rainha escrevia. O vitral que formava a imagem de anjos voando por entre nuvens impedia o caçador de visualizar claramente a vista, porém seu objetivo ao ir até ali não era admirar a visão que a janela poderia oferecê-lo, mas pensar na carta que Snow White acabara de ler para ele. Após a admiração e fascinação inicial, ele analisava as palavras que ela havia pronunciado há poucos instantes.

            Ela havia escrito que construiria e reformaria dezenas de casas, exatamente como havia dito em seus discursos nas vilas que visitou nos dias anteriores. Com essa promessa em mente, ocorreu a Eric uma ideia. Imerso em pensamentos e com o cenho franzido, ele virou-se para se aproximar novamente de Snow. Abriu a boca para dizer algo, mas temendo pegá-la de surpresa, fechou novamente.

            Ele inclinou-se e apoiou uma das mãos sobre a escrivaninha e a outra no encosto da cadeira na qual a rainha estava sentada. Com um olhar inquisidor, ela o encarou. Ele estava tão próximo que Snow White era capaz de sentir sua respiração em seu rosto, e com isso sua expressão se suavizou.

            Fitando os olhos verdes da rainha, Eric disse:

            - E se construíssemos um novo vilarejo? – desviando o olhar, ele pensou rapidamente na pergunta que havia acabado de fazer e a reformulou – Digo, e se você construísse um novo vilarejo? Naturalmente. Acredito que os custos da construção de uma nova vila seriam menores do que os custos de restauração das casas danificadas ou totalmente destruídas. Além disso, um novo lar poderia significar a esperança renovada de diversos aldeões.

            Snow White desvencilhou seu olhar do de Eric para poder pensar na ideia com mais clareza. 

            - Os campos de plantações estão destruídos, portanto será difícil começar uma produção alimentícia agora. De tal forma, você precisará apenas de poucos aldeões para prepararem as terras para o plantio, e os ociosos você poderia contratar para trabalhar na construção do novo vilarejo. – Eric sorriu satisfeito com sua linha de pensamento inteligente. – O pagamento pelo trabalho poderia ser uma nova moradia para aqueles que estão sem um teto para viver, e comida para aqueles que já possuem um local para se instalar.

            Snow White encarou sua carta.

            - Não tenho certeza acerca dos custos da construção de um vilarejo. – ela olhou para Eric. – Creio que as reformas nas vilas já existentes serão mais baratas. – ela parecia lamentar – Admiro sua ideia, mas a economia do reino está fragilizada, Eric.

            - Mas o reino não precisará gastar muito. – ele defendia sua ideia – Você não pagará aos aldeões com dinheiro, e os materiais para a construção são facilmente encontrados na natureza. – ele agachou-se para nivelar o seu olhar ao de Snow – Pense, Snow White, você não pode conceder alimento gratuito da forma como está fazendo. Estes homens precisam trabalhar para merecerem o que estão ganhando, pois do contrário perderão toda a dignidade que lhes restam. Eles irão acostumar-se com esta situação ociosa e se tornarão homens preguiçosos e pouco produtivos. Digo, pois conheço o sentimento.

            Eric estava certo. Levariam meses até a reestruturação dos campos agricultáveis que foram completamente destruídos com o reinado de Ravenna; e até lá, poucos homens trabalhariam, e muitos outros permaneceriam ociosos, porém ambos receberiam alimentos, pois a rainha não poderia negar esta necessidade básica aos seus aldeões.

            Snow White estava feliz por Eric ter pensado por este lado. Ela mal havia notado a injustiça que faria caso continuasse com a distribuição de alimentos ilimitada que havia planejado. Mas, por sorte, ainda havia nos depósitos da cidade trigo o suficiente para abastecer toda a população até o momento em que os campos se recuperassem.

            - Obrigada, Eric, creio que seu pensamento está correto. – ela lhe agradeceu com um sorriso sutil nos lábios. – Comunicarei o duque Hammond acerca de sua ideia e enviarei novas cartas aos aldeões.

            - Não. – o tom de voz de Eric era severo, e seu olhar sustentava o da rainha. – Você é a rainha e deve andar com os próprios pés. Pelas poucas vezes em que convivi com o duque, pude perceber sua natureza amedrontada. Ele hesitará e o reino perderá tempo. Caso tenha certeza de sua decisão sobre a construção do vilarejo, tome-a.

            Snow White franziu as sobrancelhas. Era um tanto rude da parte de Eric tratar o duque de tal forma.

            - Duque Hammond propôs-se a ajudar-me em meu reinado, portanto acredito que seja válido avisar-lhe de minhas decisões.

            Sem desviar seu olhar, Eric levantou-se novamente e disse:

            - Portanto aja e em seguida avise-o, pois há uma considerável diferença entre avisar alguém e pedir a permissão de alguém. – ele colocou uma das mãos sobre o ombro de Snow White – Não deixe que o duque use de sua inocência e bondade como forma de governar o seu reino indiretamente.

            Ele tocava o ombro dela, mas gostaria de segurar seu rosto com ambas as mãos para fazê-la entender o que ele queria dizer. Eric sabia muito bem como homens eram capazes de abusar da ingenuidade de moças como Snow White de diversas formas, e não gostaria que isto acontecesse. Ele não se objetava diante da decisão de Snow de comunicar ao duque por defesa a sua sugestão acerca da construção do novo vilarejo, mas por defesa a Snow White e sua vontade própria. Há muitos anos este reino não havia sido liderado por um governante verdadeiramente bondoso, e Eric estava disposto a não permitir que o duque estragasse isso, bem como estava disposto a jamais permitir que a essência de Snow White jamais se desvanecesse diante da realidade na qual ela agora estava inserida.

            Após um longo momento de silêncio, Snow White pegou a carta que estava em suas mãos e a rasgou com tamanha determinação. Eric foi incapaz de conter o sorriso de satisfação que cresceu em seus lábios.

            - Estou certa de minha decisão. Será o correto a fazer. Agradeço-lhe novamente, Eric. Há algo que poderia fazer-lhe em troca?

            Eric viu-se assombrado com o número de possibilidades que essa frase lhe abrira, porém ele já possuía a resposta para esta pergunta desde o momento em que expôs sua ideia.

            - Se desejar, poderei iniciar amanhã de manhã uma viagem de busca por um terreno propício para a construção do vilarejo. – ele gostaria de acrescentar à sua frase o fato de que estava farto de ficar enclausurado dentro do castelo sem executar qualquer atividade que pudesse ocupar sua mente, mas temeu que esta informação pudesse soar rude à rainha. – Sei identificar terrenos bons para construção.

            - Seria uma viagem demorada? – o tom de voz de Snow White era um tanto apreensivo.

            - É difícil calcular. – Eric admitiu. – Mas creio que em uma semana estarei de volta.

            - Me soa um tanto solitário. – Snow White disse e comprimiu os lábios desejando poder acompanhar Eric, porém ela não poderia ficar distante do reino por tanto tempo, e, além disso, ela precisaria usar este período para avisar à população de que uma nova vila seria construída e desde já recrutar trabalhadores para a construção das casas. Então, ela subitamente teve uma ideia: - Chamarei William para lhe acompanhar, assim você terá com quem conversar. – ela sorriu.

            Eric tentou arduamente reprimir uma careta, e não soube se foi bem sucedido. Ele não possuía qualquer motivo para sentir tal antipatia por William, mas sentia que se sairia melhor caso viajasse sozinho. Dois homens trabalhando juntos poderiam reduzir o tempo de serviço pela metade, bem como poderiam dobrá-lo.

            Temendo ter que dar qualquer explicação, ele não fez qualquer objeção e apenas assentiu.

            - Isso adiará sua viagem em um dia, mas creio que não afetará seu trabalho, já que William irá ajudar-lhe. Irei convocá-lo neste instante. – Snow White disse e se levantou.

            Notando que sua mão ainda estava pousada sobre o ombro de Snow White, Eric a retirou e desculpou-se. A rainha colocou uma das mãos sobre o pescoço de Eric e o agradeceu pela terceira vez com um abraço rápido. Ela deixou o cômodo seguida por Greta.           

            Eric estava paralisado por conta da demonstração de afeto inesperada da rainha. Ele ainda podia sentir o toque suave das mãos de Snow White em seu pescoço, e notou que a última pessoa a lhe abraçar desta forma antes de Snow havia sido Sara no fatídico dia em que ele havia deixado-a sozinha – pela última vez. Seus olhos estavam marejados, mas ele se recusava a deixar as lágrimas fluírem. Sentia intensa saudade do abraço firme de Sara, porém desejava intensamente poder segurar Snow White em seus braços.

            Assombrado com seu desejo repentino, ele balançou a cabeça para dispersar seus pensamentos. Apoiou-se na mesa com ambas as mãos, curvando-se e fechando os olhos, e os esfregou com o polegar e o indicador perguntando-se:

            - Céus, o que está havendo em mim?


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