Quatro Anos Depois. escrita por mandikasilva


Capítulo 10
A ajuda.




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Lily era, tal como Hermione veio a descobrir mais tarde, uma pessoa muito especial. Uma pessoa onde vários sentimentos e emoções se aglomeravam, deixando os outros confusos na hora de a descrever por dentro. Sonhadora, com ideias pacíficas acerca do mundo que a rodeava, o destino cruel que enfrentara tornara-a triste, distante, magoada e até mesmo um pouco fria. Órfã de mãe desde muito pequena, vítima da indiferença do pai, filha única, sem amigos verdadeiros nos quais pudesse confiar, o destino decidira que o único grande amor da sua vida seria Ryan, o filho que adorava acima de tudo. No entanto, esse mesmo destino achara que Lily deveria ser ainda mais privada de amor e carinho: por muito que tentasse, não conseguiu evitar a morte do rapazinho durante aquela guerra dura e fria que tinha vivido. Fora um choque enorme, chorou um mar de lágrimas, desejou morrer também naquele momento, e fez tudo para isso. E o malvado destino nem dessa vez lhe fez a vontade, obrigando-a a viver todos os dias atormentada com aquilo que passara. Toda esta história contada na primeira pessoa tornava-se ainda mais cruel, quando se ouvia a voz magoada daquela mulher sofredora que ninguém sabia como ela se aguentara!
- Não sei onde vou buscar esta força!- contou Lily a Hermione- Sofri tanto desde miúda, tentei acabar com esta vida e não consegui. No entanto, aqui estou eu! Sei que me olham de lado pela minha expressão, sei que me olham com pena quando conhecem a história. Mas não admito que sintam pena de mim!
Olhou em frente, para a paisagem que se via do jardim da Toca. Hermione olhou a paisagem também, captando cada palavra que Lily dizia.
- Sei que sou muito esquisita, Hermione. Mas é sério: não quero que sintam pena de mim! Chamem-me egoísta, pobre e mal-agradecida, mas é aquilo que sinto. Penas têm as galinhas! A pena não resolve os problemas das pessoas, por isso, para quê senti-la?
A morena de caracóis sorriu tristemente, sem lhe dizer que não concordava com ela. Sentir pena não resolvia os problemas das pessoas, era verdade; mas ela achava que era uma maneira de expressar sentimentos verdadeiros por um determinado indivíduo. Mas não abriu a boca; limitou-se a agradecer-lhe por lhe ter contado a sua história e pelo discurso que fizera após a discussão com Ginny. Tocara-lhe verdadeiramente, e pareceu ter-lhe abertos os olhos.
Agradeceu, mas Lily não escutou. A sua mente vagueava por aí, talvez á procura de uma resposta do destino às suas dúvidas, ou talvez á procura do filho amoroso, perdido nas malhas da violência, que levara uma (grande) parte de si para o lugar onde se encontrava.
***
Caminhava pelas ruas de Hogsmeade, olhando à sua volta. As caras daqueles que por ali passavam continuavam iguais: tristes, magoadas, saudosas. Talvez apenas as das crianças fossem alegres, enquanto brincavam sem medo de nada. Hermione sorriu ao vê-las e relembrou-se de si própria naquela idade. É bom ser criança, sermos despreocupados e termos quem nos proteja.
Desviou o olhar do grupo que brincava à porta de um velho edifício e seguiu o seu caminho. Tinha um encontro marcado com Malfoy num dos becos da vila. Nem sabia bem o porquê daquele encontro, ela recebera uma coruja do rapaz no dia anterior pouco depois de chegar de casa dos Weasleys, e esta não fora explícita! Não soube bem o que responder, mas prometera ajudá-lo, por muito mal que se dessem e não podia nem queria quebrar a sua promessa.
O calor abrasador daquele primeiro dia de Agosto deixara-a transpiradíssima. Felizmente, o local escolhido por Malfoy era fresco, embora fosse também esquisito. Era mergulhado na escuridão! Claro, Malfoy só podia gostar de sítios escuros, estranhos e assustadores; alguma vez iria ele gostar de coisas belas?
Hermione encostou-se á parede atrás se si, dura e fria. Varreu o local á sua volta com os olhos, procurando um sinal de Malfoy, sinal esse que não avistava. Será que ele estava apenas a gozar á sua custa?
Mais uma vez, e embora não fosse a sua vontade, voltou a pensar no seu inimigo. Desta vez, apenas queria saber porque é que ele lhe pedira ajuda! Sempre foram inimigos, não conseguiam encarar-se sem começarem a discutir, o maior desejo de um era ver o outro fracassar. Porquê ajudarem-se? Porque é que ele lhe pedira ajuda? Perguntas que há muito que Hermione fazia, ás quais ainda não tinha encontrado resposta.
- Andas a vadiar por aí?- inquiriu uma voz conhecida.
- Que eu saiba, o vadio maior és tu, Malfoy!
O rapaz loiro parou a cadeira prateada frente a Hermione, sem a olhar nos olhos. Apesar de estar numa cadeira de rodas, continuava com aquele ar irritantemente superior, que a deixava com o sangue a ferver!
- Pronto, estou aqui, e desejosa de sair! Fala aquilo que tens a falar para eu me ir embora!
- É uma coisa muito simples, Granger: porque é que me queres ajudar?
Simples? Que podia Malfoy falar acerca de simplicidade? Nada era simples no mundo actual, e aquilo que perguntava não era excepção. Porque é que o ajudava? Ela acabara de fazer essa pergunta a si própria!
- Porque é que te interessas? Explica-me antes porque é que me pediste ajuda!
- Eu não pedi ajuda nenhuma!
- Mentiroso!- rosnou Hermione- Não mintas, eu não suporto mentiras! E não me queiras ver quando me mentem! Fala a verdade, nem que seja uma vez na vida!
Ele deitou-lhe um olhar de ódio e prosseguiu:
- Já sou humilhado agora, por ter perdido, por não poder andar, por estar assim devido àqueles que considerava amigos. Agora, junta-se a humilhação de ser ajudado por uma Sangue de Lama! Eu odeio-te, nunca duvides disso, Granger! Noutros tempos, tinha-te enfeitiçado; mas estou doente e acabado! Sou um Malfoy, mas só de apelido! Não sou forte como deve ser; tenho de pedir ajuda a Sangues de Lama para sobreviver. Sou igual a uma poça de lama!
- Mas eu quero saber porque é que me pediste ajuda! Achaste que precisavas de mais humilhação, foi?
- Realmente, tu consegues ser muito idiota!- disse Malfoy, cerrando os dentes de fúria- Já que insistes tanto que te pedi ajuda, só o fiz porque fui fraco e não consigo ser o Draco Malfoy que o meu pai esperava que fosse. Mereço morrer, nem sei porque continuo vivo! Pedi-te a ti porque, infelizmente, foste a única pessoa que...que...pronto...
- Que não te virou costas?- completou Hermione, muito séria.
- Bem, n-não... quer dizer...grande parte dos Devoradores da Morte estão mortos, morreram durante a guerra. Os que restam ou estão presos ou numa espécie de casa de correcção, de onde saímos apenas em casos urgentes. Mas existem muito poucos em ambas as condições; na segunda, existem apenas 3 ou 4 rapazes comigo. Essa casas servem para adolescentes, eles têm a esperança que, como somos novos, mudemos de lado e não seja preciso mandar-nos para Azkaban.
O loiro esboçou um sorriso trocista.
- Quem nasce Devorador da Morte, morre Devorador da Morte! Sempre foi assim, assim será sempre!
- Alguma vez alguém tentou mudar? Não achas que agora podiam mudar? Não achas que é preferível mudar a estragar a tua vida?
- A minha vida é uma porcaria, Granger!
- A vida é um dom; se é uma porcaria, foste tu que assim a fizeste!- cortou ela- Mas há sempre uma oportunidade, basta quereres e podes mudar!
Malfoy desviou o olhar e Hermione pensou saber o porquê. Conhecendo-o como conhecia, ele devia estar realmente humilhado ao pedir-lhe ajuda a ela. Mas ela fora a única que lhe oferecera um par de palavras consoladoras, mesmo que não quisesse. Num momento em que se sentia sozinho, Draco apenas se agarrara ao primeiro que lhe ligou.
- Dumbledore deu-te a oportunidade que precisas. É tempo de retribuíres e provar que queres mudar!
- E quem te disse que eu quero mudar?
Ela parou para pensar. Realmente, ele parecia não querer mudar a sua vida. Mas se queria domesticar o animal, isso seria extremamente importante. Como convencê-lo?
- Ninguém; sou sincera- mas isso são ideias passadas pelo teu pai. E tu não és Lucius Malfoy! Ele é relembrado pelo seu mau coração, tal como tu és agora. Não me parece que seja isto que queres!
- E isso que me interessa?
- Pois é,- acrescentou Hermione, com ar sereno e triste- para ti apenas interessa o dinheiro e o nome de família. Deixa-me então dar-te boas notícias: não tens dinheiro e a tua família possui má fama. Ficas assim a saber que não tens aquilo que é mais importante para ti. Estás contente?
Malfoy queria contra-argumentar, mas onde estavam os argumentos? Queria gritar a Hermione que a odiava, que tinha vontade de a matar por aquilo que dizia, mas não tinhas forças para nada! Que sabia ela sobre a sua vida, afinal? Sangues de Lama eram todos iguais: feios, porcos e maus- o que o seu pai sempre lhe dissera. Mas até mesmo Draco sentia, por vezes, que Lucius estava errado. Quem teria razão?
- Bom, tenho de ir!- exclamou ele, olhando o relógio.
- Então, porque tive eu de vir?
Malfoy mordeu a língua para não dizer a verdade, continuava demasiado orgulhoso para isso! Preferiu manter-se calado.
- OK, não digas nada! Onde vais?
- Interessa-te?
- Para dizer a verdade, sim: estou na esperança que te vás enforcar na árvore mais próxima...
- Então tira o cavalinho da chuva; vou experimentar uma poção para resolver este problema- Draco olhou para a cadeira onde se sentava- Nem sei para quê! Há dois anos que tento diversas poções e nenhuma delas funcionou. Continuo preso a esta coisa!
- Irás conseguir, basta ter esperança.
- Não devias já saber que a esperança acabou para mim? Bolas, Granger, és demasiado optimista para meu gosto!
A cadeira virou-se e Hermione seguiu-o. Ouvia-o resmungar por causa desse acto, mas ela não se importava. Queria lá saber se Malfoy desejava ou não que ela o acompanhasse, ela fazia o que queria. Porque mesmo que não gostasse daquele rapaz de cabelos loiros e olhos azuis, queria que ele voltasse a andar. Hermione queria que ele saísse daquela cadeira. Já bastava ver dor no seu próprio olhar, escusava de a ver no olhar dos outros também. Mesmo que fosse no olhar de Malfoy...
Custou-lhe atravessar Hogsmeade e ver os olhares de desprezo que os transeuntes deitavam ao rapaz. Este parecia nem ligar aos olhares, mas talvez fosse por estar habituado à situação. Pensando bem ,já desde Hogwarts que era desprezado; uma pessoa habitua-se a tudo, até mesmo a ser ignorado.
Chegaram á Hogwarts deserta totalmente calados. Não existiam temas a discutir nem palavras a dizer. No entanto, ao passarem os portões com estátuas de javalis alados, Malfoy não resistiu a abrir a goela.
- Mas és tu que és lapa ou sou eu que tenho mel, Granger?
- Querias tu, não?- respondeu ela, secamente- Julgas que o mundo gira á tua volta?
- Claro que não acho; eu tenho a certeza que sim- falara de modo arrogante, mas logo se arrependeu- Não devias estar ao lado dos Weasleys? Os teus amiguinhos devem estar com saudades tuas!
- Cala-te!
Hermione seguiu furiosa pelos campos do castelo, mas Malfoy percebeu que aquele assunto lhe era desagradável, daí que não a tenha largado mais.
- Que foi, toquei um nervo, foi? Ou não queres ver o Potter querido a beijar a Weasley coitadinha?
Não, não era. A verdade é que ela ainda estava magoada por Ginny lhe ter dito que desejava a sua morte durante o almoço do dia anterior, sem mais tarde a olhar nos olhos e lhe pedir desculpa por isso. Porque Hermione e Ginny eram amigas desde Hogwarts e não queria sequer pensar que a sua amiga ruivinha lhe tinha dito aquilo devido a um rapaz pelo qual ambas se apaixonaram. Porque é que o amor estragava longas amizades? Amor era suposto ser uma coisa bela!
Mas não contou a verdade a Malfoy! Este continuou a irritá-la até que chegaram á enfermaria da escola, onde Pomfrey o esperava. Foi visível o espanto na face da velha mulher quando os viu juntos. Hermione achou compreensível.
Malfoy entrou na enfermaria, enquanto que a rapariga morena esperou no corredor. Colocara os pensamentos acerca de Ginny de parte, concentrando-se apenas naquilo que se passava dentro da ala hospitalar. Tal como pensara há pouco, desejava que ele viesse de lá a andar pelo seu próprio pé. Malfoy era mau, era ruim, simbolizava tudo o que existe de desagradável na vida, mas o que é que Hermione podia fazer? Existiam coisas que eram demasiado horríveis para se desejar a alguém. E depois, ela não gostava de grandes sofrimentos e já muitas vezes se preocupara com aquele rapaz. Ficou extremamente nervosa quando Malfoy fora atacado por Buckbeak, numa aula de Hagrid. O quê?! Não, ela ficou nervosa devido ao futuro de Hagrid!! Sim, era isso; só podia ser isso -Hermione queria acreditar que o era. Relembrou que tempos mais tarde após esse acidente, acabou por dar um estalo naquela cara pálida e convencida! Ah, um momento maravilhoso! Ou não?
O tempo foi passando, Malfoy permanecia na enfermaria e Hermione no corredor. Teve a sorte de ninguém ter passado por aquele corredor durante aquele tempo; tinha medo de ser considerada traidora. Porque Dumbledore ajudava aquele rapaz mas era respeitado pelos feiticeiros; com ela, seria diferente!
- Não sei que mais fazer, Mr. Malfoy!- suspirou Pomfrey ao rapaz, enquanto saíam da enfermaria- Já coloquei feiticeiros estrangeiros neste caso e tudo, mas não sei que mais fazer!
Draco prosseguiu na sua cadeira pelo corredor. A enfermeira ainda tentou perguntar a Hermione o que é que ela ali estava a fazer, mas ela já não a ouvia! Num passo apressado, seguia a cadeira prateada, que ia toda lançada! Chamou o rapaz, mas ele não ouviu (ou fingiu não ouvir).
Pararam já perto dos portões de Hogwarts, de maneira rápida e brusca.
- Malfoy, que te aconteceu?- perguntou Hermione assim que chegou perto dele- A poção funcionou?
Ele desviou o olhar, decepcionado e zangado. Pigarreou e fez aquilo que deixou a rapariga de boca aberta: agarrou firmemente os braços da cadeira com as mãos, fez um impulso para cima e levantou-se. Para deixar Hermione mais boquiaberta, deu um passo em frente, mas apenas para cair desamparado no chão.
- Estás bem?- perguntou ela, enquanto se debruçava sobre Malfoy.
- Tira as tuas mãos de cima de mim, já, Granger!!
Hermione deu um passo para trás enquanto ele se tentava levantar, sem sucesso. Ferira o orgulho, sufocava em lágrimas e soluços, ardia em raiva de aquilo ter acontecido á sua pessoa!
- Eu sei que nunca fui o modelo de pessoa ideal, mas eu mereço isto? Porque é que tenho de viver assim todos os dias, mereço, é? Oh, escuso de te perguntar a ti, Granger, sei a resposta- gritou Draco, desesperado- Seria melhor se tivesse morrido, ninguém percebe sequer que eu também sofro...
- Eu percebo, Mal...
- Não percebes nada!! Não sabes sequer o que é sofrer!
- Desculpa?- gritou Hermione também- Isso não é verdade! Dormi durante 4 anos para acordar e descobrir que o meu melhor amigo e outros estão mortos, o meu namorado não me quer e uma das minhas melhores amigas odeia-me. Este mundo é um poço de dor e sofrimento e descobri isso da pior maneira! Por isso, não digas que não sei o que é sofrer...
Ela olhou a face do rapaz caído no chão e estendeu-lhe a mão. Nunca se pensara capaz de estender uma mão ao inimigo, mas estava enganada! Não só conseguiu, como deixou escorrer duas ou três lágrimas ao ver o sofrimento dele! Aquele momento parecia irreal; mas também não era um sonho!
Com dificuldade e a ajuda de Hermione, Malfoy sentou-se na cadeira prateada, a sua única "amiga" dos últimos anos. A respiração dele era acelerada, os olhos azuis estavam lavados em lágrimas. Parecia que, afinal, Draco Malfoy era igual a todos os outros.
- Sei que somos inimigos- declarou Hermione, segurando a cara dele- Sei quem tu és, sei quem eu sou. Mas a ajuda não liga a barreiras como essas, entendes? Prometi que te ajudava, e vou fazê-lo. Esquece a humilhação; isso não interessa!
Será que Malfoy a percebia? Será que ele aceitaria? Será que ela própria percebia aquilo que dizia? Como iria conseguir fazê-lo? Isso não interessava... apenas teria de o fazer!
- Eu estou contigo...
*Continua...


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