Opposite escrita por Giovana Marques


Capítulo 16
Certo e Errado


Notas iniciais do capítulo

Oies! Passei o dia escrevendo só para conseguir postar até amanhã e acabei terminando o capítulo antes do que eu esperava!
Espero que gostem e por favor, mandem reviews com suas opiniões. Elas são muuuito importantes para mim, sério mesmo!
Beijos e boa leitura :3



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– Não se mexa. – Nina adverte, bem atrás de mim. – Isso pode arder um pouco.

Sinto suas mãos limparem o terrível arranhão no alto das minhas costas, usando um punhado de algodão molhado com uma substância esquisita que arde.

Faço uma careta, tentando ignorar a queimação em meu ferimento, apesar de não ser tão terrível assim. Já tinha sentido dores piores, como a da mordida do maldito poisonie.

– Já percebeu que você sempre fica com os piores machucados? – Ela comenta, mexendo em algo que acredito ser sua maleta de primeiros socorros. Ou talvez algo bem mais complexo do que isso.

– Sim, acredite. – Respondo quase que bufando e ela ri de leve.

Esfrego minhas mãos em minhas calças limpas com um certo alívio. É bom poder me sentir limpa novamente, principalmente depois de ter ficado sem tomar banho por três ou quatro dias. Isso me faz lembrar de que a roupas que uso agora são as últimas que restam. As outras ou estão imundas, ou rasgadas.

Ficamos inteiramente gratos por Serena ter se oferecido para lavar todas as nossas vestes inúsaveis. O problema mesmo é esperá-las secarem, ainda mais dentro dessa caverna excessivamente úmida.

Nina termina de fazer o curativo em minhas costas e diz que é hora do jantar. Sem querer parecer muito esfomeada, mas já parecendo, dou um largo sorriso e suspiro de alívio. Isso faz minha amiga rir.

***

Estico meu braço, fazendo com que o peixe preso na minha adaga chegue até o fogo crepitante da nossa fogueira improvisada. Nunca fui muito de comer peixe assado, mas em meu estado de calamidade comeria qualquer coisa.

Nina, Peter e Jeremy fizeram o grande favor de ir atrás do nosso jantar, já que toda a comida que temos está no fim e é insuficiente para todos nós. Além disso, temos mais uma boca para alimentar, se bem que Serena é capaz de encontrar sua refeição sozinha. Aliás, até havia ajudado meus amigos a encontrar peixes que não fossem venenosos.

Meu estômago vazio faz um barulho engraçado e eu rio junto de Nina, tentando esquecer a fome.

– Calma aí, garota faminta. – Peter zomba, sentado bem ao meu lado. Não perco a oportunidade de fazer uma careta.

Depois de um dia longo, tudo o que eu mais preciso fazer é jantar e descansar. Descansar para suportar outro dia longo e, além disso, trabalhoso. Apesar de estar completamente ansiosa para encontrar o Oráculo Mágico.

A melhor parte é que sabemos onde ele está, graças à Serena. Encontrá-la foi a melhor coisa que Peter já fez na vida dele. Sério.

Sinto que finalmente há a esperança. Não que ela não existisse antes, claro. Mas sinceramente, minhas expectativas nesses últimos dias se destruíram e se reconstituiram inúmeras vezes. Uma hora eu estava cheia delas, outra faziam falta. Porém, agora, com as informações sobre a localização do Oráculo, é como se a esperança se renovasse. Como se toda a força e vontade de continuar a lutar voltassem para dentro de mim.

Opposite está correndo perigo, mas nós temos a chance de salvá-la. E ainda de quebra, unir feticeiros negros e brancos, em uma só raça.

Serena nos contou que quando chegou em Arcanum Island, a primeira coisa que pensou em fazer foi encontrar um abrigo. É claro que não sabia da existência desta caverna, que na época estava infestada de demônios, então passou a procurar por algum outro lugar seguro. É claro que no mar, nada é exatamente seguro, não com demônios aquáticos por todo lugar, mas mesmo assim, Serena conseguia sobreviver aos ataques utilizando seus artifícios de sereia.

Deu a volta na ilha e nada. Não conseguiu achar nenhuma gruta ou algo do tipo. Estava prestes a desistir, quando viu algo cintilar no fundo do mar. Ela nadou para baixo, e a coisa cintilante parecia cada vez maior e mais profunda. Nadou até o fundo e nele encontrou um buraco, como se fosse uma caverna embaixo d’água, ou algo assim. A coisa cintilante estava dentro dele.

Como não tinha mais nenhuma alternativa, adentrou a estranha caverna. E quando colocou sua cabeça para dentro encontrou ar. Ar, e não água.

Olhou para o interior da caverna e ela parecia bem escura. Se não fosse a claridade vindo através da água, ou a coisa cintilante na parede, talvez fosse completamente escura. Era uma caverna pequena e a parede do fundo parecia estar dividida em duas, como se fosse uma grande porta.

Segundo a sereia, era bem curioso: sua cauda ainda estava para fora da caverna, em contato da água, mas da cauda para cima, não. Era como se houvesse uma barreira, impedindo a água de adentrar o local.

Serena puxou a cauda para dentro da caverna e rastejou até a parede dividida. Percebeu que a coisa cintilante eram inscrições. Inscrições em uma língua diferente, que não conseguia identificar. Luke, ao ouvir isso, disse que deviam ser runas. Somente os feiticeiros conseguem entender as runas.

Não conseguindo ler a inscrição cintilante no alto da parede dividida, Serena observou que havia algo vermelho marcando bem o meio da divisão da parede. Sangue. Talvez fosse preciso o seu sangue para passagem entre as paredes se abrir.

A sereia usou uma das pedras jogadas por ali para abrir um corte em seu braço. Rastejou para mais perto da parede e sujou a com o seu próprio sangue.

Esperou por um tempo e nada. Esmurrou, gritou e até mesmo cantou com sua bela e persuasiva voz de sereia, mas também não aconteceu nada.

Serena desistiu e foi embora dali. Por sorte, encontrou uma gruta próxima de Arcanum Island, mas sempre soube que havia alguma coisa especial por trás daquela parede dividida e misteriosa.

Quando Peter mencionou estar procurando pelo Oráculo, Serena logo fez a ligação e lembrou-se das incrições em cintilante, dentro da caverna subterrânea. As incrições deveriam ser instruções para abrir a passagem e o Oráculo deveria estar por trás dela.

Diante de tudo o que Serena nos disse, planejamos exatamente o que vamos fazer: entrar na caverna subterrânea e desvendar o mistério das runas em cintilante.

É claro que será complicado nadar até um lugar tão profundo e instável com quatro feiticeiros negros. Serena e eu teremos de ajudar Luke, Nina, Jeremy e Peter a chegar até a caverna abaixo do mar.

Estive cogitando seriamente a ideia de deixar dois de meus amigos fora disso, afinal, é algo arriscado para feiticeiros negros, mas logo descartei a sugestão. Pensei bem e cheguei a conclusão que se fosse o contrário, não gostaria de ficar para trás. Acho que devo levar isso em consideração.

Estamos todos em silêncio, em volta da pequena fogueira, esperando nossos peixes assarem. Quer dizer, meus amigos assam seus peixes com as mãos em chamas, o que é bem mais rápido, porém, eu não.

Estou ao lado de Peter, que está na beira do mar. Serena, mergulhada na água, se apoia em uma pedra. Nina senta do meu outro lado, seguida por Jeremy e Luke.

Luke parece distante e confuso, sem dizer que está de péssimo humor, coisa que eu não entendo, já que deveria estar feliz por termos finalmente alguma pista sobre a localização do Oráculo. O encaro diversas vezes, mas ele simplesmente continua a me ignorar.

Não pode ainda estar chateado pelo fato de eu ter soltado sua mão, de forma grosseira e desesperada há horas atras, pode?

Com um sobressalto me pego preocupada de novo com ele, com o que pensa sobre mim, e então fico indignada. Por que eu, Emily Parker (Ou sei lá se eu ainda posso me chamar assim), estou dando tanta importância para o que Luke sente por mim? Eu costumava não ligar quando ele estava zangado comigo. Quer dizer, Luke sempre acaba me desculpando mesmo... Porém, agora é diferente. Eu consigo ver, consigo perceber.

Ou talvez seja apenas coisa da minha cabeça. Talvez esteja imaginando demais, sentindo demais...

– Seu peixe vai queimar, Emy. – Jer adverte, sugando-me para fora dos meus pensamentos.

Puxo meu braço e trago o peixe pendurado pela adaga até as minhas mãos. Está muito quente, mas eu estou com tanta fome que não me importo. Dou uma enorme mordida e ignoro o ardor na minha língua. Está delicioso.

***

Terminamos de nos alimentar e já e apagamos a fogueira. A caverna não fica totalmente escura, pois é iluminada por frações da luz da lua, que escapam por alguns buracos da parede de rochas.

Durante o dia, tivemos de transportar todas nossas malas e suprimentos para o nosso novo abrigo. Nossas duas barracas encontram-se armadas no canto, não tão próximas à água. Eu e Nina dormiremos na barraca menor, enquanto Luke, Peter e Jeremy, ficarão com a maior.

Como todos estamos exaustos, Serena se oferece para vigiar o local enquanto descansamos. Confesso não gostar muito da ideia, já que não conhecemos a sereia por muito tempo, mas então lembro-me de que foi ela quem salvou Peter. Acho que isso é o suficiente para ganhar minha confiança.

– Emily. – Serena me chama, como se soubesse que eu estava pensando sobre ela. De repente me pergunto se sereias podem ler pensamentos.

Chego mais perto, tentando não esbarrar em nada devido a falta de claridade, e agacho ao lado da água, onde a sereia está mergulhada.

Ela sorri e estende sua mão para mim. Suas marcas douradas brilham com o reflexo da pouca luz vindo de fora. Sua mão envolve uma fina corrente dourada, com um pingente de rubi. Reconheço o colar de Blake Darkbloom que encontrei no barco do rei Therion.

– Encontrei isso no bolso da sua calça. – Serena diz, já me entregando o colar.

Repreendo a mim mesma por ter me esquecido da relíquia. Não iria me perdoar se tivesse a perdido.

Sem me importar com quem é a verdadeira dona do colar, o passo por cima de minha cabeça, deixando-o pendurado em meu pescoço. Meu pescoço é seu lugar e não um dos bolsos das minhas calças.

– Muito obrigada, Serena. – Sorrio com sinceridade e a agradeço.

– Disponha.

Afasto-me da água e desejo boa noite aos meus amigos. Noto que todos respondem, exceto Luke.

Isso me fere de um certo modo que eu não gosto e decido parar de pensar nele. Em Luke, quero dizer. Não quero me importar, exatamente do jeito que não me importava algumas semanas atrás.

Nina e eu andamos até a pequena barraca e eu me supreendo ao ver Peter se despedir de Serena com um beijo em seus lábios. Eles sorriem um para o outro e eu confesso que fico feliz por estarem tão apaixonados. Nina também os nota e sorri com a cena.

– Eles são fofos. – Ela comenta e eu não deixo de concordar.

Tiro minhas botas enquanto espero minha amiga deitar em um dos dois colchões de ar. Ela escolhe o da esquerda, obviamente me deixando com o da direita. Deito-me e fecho meus olhos imediatamente. Estou excessivamente cansada.

– Boa noite, Nina.

– Boa noite, Emy. Tenha bons sonhos. – Ela diz, fazendo-me estremecer.

Essa não! Sonhos...

***

Estou em meu antigo quarto, no apartamento em Manhattan. O reconheço por causa dos pôsteres e de algumas fotos penduradas nas paredes.

Estou sentada em minha cama, um pouco incomodada com a parcial escuridão do quarto. Consigo ver algumas coisas devido à claridade que ultrapassa as persianas.

Levanto-me, um pouco zonza, e vou até a minha escrivaninha. Debruço-me sobre ela e tenho de ficar na ponta dos pés para conseguir abrir as cortinas.

A claridade invade o quarto de uma maneira impressionante, o que faz com que os meus olhos ardam.

Olho para trás e encaro cada pequeno detalhe do meu quarto. Apesar de não ter tido a melhor vida, ou a melhor família, eu tive esse refúgio.

Vejo Logan em uma das fotos, Rachel em outra e tenho de engolir minhas lágrimas. Nunca senti saudades tão intensas, como as que estou sentindo.

As únicas vezes em que sentia falta de alguém, eram quando Carl despedia minhas babás para contratar outras. Muitas vezes elas não pareciam boas o suficiente para meu “pai”, ou talvez ele as achasse boas demais. Talvez Carl achasse que a bondade não seria suficiente para a criação da pequena aberração em sua casa.

Toco a foto de Logan com um aperto no peito, arrependendo-me amargamente por ter discutido tanto com ele enquanto ainda vivia por aqui. Apesar de não termos o mesmo sangue, continuamos sendo irmãos. Fomos criados debaixo do mesmo teto, Carl querendo ou não.

Respiro fundo e volto a olhar para a minha escrivaninha. Está mais bagunçada que o normal, como se alguém tivesse passado por aqui e revirado todas as gavetas. Há alguns papéis jogados por cima dos meus livros, mas o que me chama atenção mesmo é uma espécie de envelope prateado. Minha mão o toca imediatamente e eu o abro com violência. Puxo o bilhete em seu interior e me assusto com as palavras escritas em uma tinta negra.

“É isso o que vai acontecer com cada um dos seus amigos se não me obedecer.”

A frase não faz sentido algum, apesar de eu me sentir um pouco assustada e confusa.

De repente um péssimo pressentimento me atinge. Aperto o fino bilhete em minhas mãos, meio apreensiva, e corro para fora de meu quarto.

Atravesso o longo corredor, reconhecendo a tapeçaria levemente avermelhada e cada quadro pendurado na parede, até chegar na sala. As cortinas estão fechadas e meio empoeiradas, como se não tivessem sido usadas há algum tempo.

Não há ninguém na sala, do mesmo jeito que parece não haver ninguém no resto do apartamento.

Ando até o sofá e me atiro desajeitadamente sobre ele. Puxo o telefone do criado e já estou a ligar para Logan quando algo acontece.

Uma porta se bate atrás de mim e eu tenho de reprimir um grito. Pulo do sofá imediatamente encarando o indivíduo em minha frente.

Para minha infelicidade, é Carl, mas parece diferente. Parece bem mais mau e bem mais sombrio. Ele veste seu típico terno de empresário, apesar de amassado. Seus cabelos parecem um pouco mais compidos e despenteados. Sua barba está bem mais comprida, acho que nunca a vi tão longa antes, para falar a verdade. O que mais chama minha atenção são seus olhos, que ao contrário de serem acinzentados, são tão negros que não consigo ao menos identificar suas pupilas.

Ele sorri com malicia, enquanto eu me afasto.

– Sabia que você viria. – Carl rosna com uma voz que não é sua, apesar de eu a reconhecer sem muita dificuldade. Afinal, ela tem me perseguido durante a maioria dos meus sonhos, ultimamente. – Pelo que parece, recebeu meu bilhete.

Aperto com mais força o bilhete em minhas mãos. Apesar de não estar entendendo muito o que é que está acontecendo, sinto medo. Aparentemente, o homem sinistro dos meus pesadelos está dentro do corpo de Carl, como se tivesse possuido-o ou algo do tipo.

Ele faz um movimento brusco e eu me assusto, afastando-me ainda mais. Anda até a janela e puxa as cortinas empoeiradas. A luz invade ainda mais a sala, fazendo meus olhos arderem novamente.

E então vejo algo pela janela. Algo que me desespera, que me faz ter vontade de gritar, chorar e correr ao mesmo tempo. Mas a verdade é que estou tão sem reação que não consigo fazer nada. Carl, ou melhor, seu possuídor, ri com escárnio fazendo com que eu o odeie ainda mais.

– Emily, Emily... Acho melhor repensar essa sua atitude de teimosia. – Sugere, encarando-me com um sorriso frio em seus lábios. – Junte-se a mim.

Aperto tão forte o bilhete em minhas mãos, que o papel acaba me cortando. Sinto as gotículas de sangue escorrerem, mas não me movo. Apenas encaro assustada a janela. Há um cara pendurado pelo pescoço, com uma corda presa no andar de cima do nosso apartamento.

O cara está morto. E é Luke.

***

Meus olhos se abrem em um flash e eu me levanto por impulso. Minha respiração e meu coração estão tão acelerados que são os únicos sons que posso ouvir. Envolvo-me com os meus próprios braços, esperando que minhas mãos parem de tremer.

Nina ainda dorme e eu fico aliviada com isso. Não quero que ninguém me veja tão assustada como estou agora.

Fecho os olhos e relembro do meu pesadelo, numa mistura de amargura e ódio. Ele até pode me ameaçar, mas não pode ameaçar meus amigos.

Então, uma ponta de dúvida surge em minha mente, fazendo com que eu me pergunte: Será que ele realmente invadiu meu apartamento em New York? Ou pior, será que chegou a fazer algo com os humanos que eu me importo, como Logan ou Rachel?

Meu estômago se revira, minhas mãos suam e eu prefiro não pensar nisso agora. Decido, na verdade, checar meus amigos feiticeiros.

Com um impulso, viro-me e abro o zíper da barraca. Nina continua imóvel quando eu saio e recoloco minhas botas.

Levanto-me e olho para água, procurando por Serena. E como eu temia, a sereia acabou se deixando levar pelo sono. Ela dorme tão pesado que não acorda com os meus passos.

Corro até a barraca maior e tento abrí-la com desespero. Minhas mãos estão tão trêmulas que demora um pouco para que consiga fazer isso. Assim que consigo, enfio minha cabeça para dentro da barraca.

Só há dois de meus amigos, para a minha angústia. Identifico Peter devido seus cabelos claros, e só reconheço Jeremy pelo fato de ser um pouco menor que Luke, que para minha infelicidade e maior desespero, não está aqui.

Volto a fechar a barraca e tentando me controlar ao máximo, respiro fundo. Cubro meu rosto com as mãos, conto até três, suspiro e tento várias outras técnicas de me acalmar, mas não consigo. Uma única pergunta se repete na minha cabeça, fazendo meu coração dar cambalhotas: Será que meu sonho realmente aconteceu?

Corro até o canto onde nossas malas estão jogadas e procuro pela minha adaga de prata. Encontro-a com facilidade e a empunho, decidida. Eu tenho de encontrá-lo! Tenho de encontrar Luke!

Ando, tentando lembrar o caminho inverso que fiz duas vezes para chegar até a água, mas meio que me perco. Resolvo seguir reto e para minha sorte, encontro a luz no fim do túnel.

Quando me dou conta, estou correndo. Estou prestes a sair da caverna quando alguém me segura pelo ombro e eu quase caio de cara no chão.

Fito a figura alta que me segura com força. Ela me avalia com preocupação e curiosidade. Sinto alívio quando reconheço seus inquisitivos olhos azuis-esverdeados.

– O que você está fazendo aqui? – Luke pergunta sussurrando, já encarando a adaga em minhas mãos, totalmente surpreso.

– O que você está fazendo aqui?! – Grito, não me importando com a possibilidade de demônios estarem por perto da caverna. Estou tão fora de mim, que por um momento não me reconheço. – Quase me matou de susto, sabia? Por que não ficou quietinho na sua barraca?!

Ele franze o cenho e volta a ser o Luke que não me tolera novamente. Olha para mim com frieza e isso me deixa arrasada.

– Eu precisava de um ar. – Responde, cético.

Meus nervos estão à flor da pele. Quero mutilar, quebrar, destruir Luke de várias maneiras possíveis e imaginaveis, sendo que ao mesmo tempo quero abraçá-lo e dizer o quão feliz estou por estar vivo.

Ignoro minha respiração acelerada e afasto-me de Luke. Apoio-me na parede de pedras, suspirando e agradecendo por tudo aquilo não ter passado de um pesadelo. Meus olhos se enchem de lágrimas e uma de minhas mãos as enxuga antes mesmo que possam começar a escorrer pelo meu rosto.

Olho para fora da caverna e percebo a quantidade exagerada de vagalumes piscando. Não sabia que existiam vagalumes em Opposite. Concentro-me no ritmo quase que desordenado das pequenas luzes que piscam por todos os lados e tento-me acalmar. Isso funciona e em poucos segundos, minha respiração volta ao normal.

Luke encara-me como se não estivesse entendendo mais nada.

– Não se preocupe. – Sussurro, ainda meio engasgada. – Só outro pesadelo idiota.

– Com o que você sonhou?

Fito seus olhos com firmeza, evitando lembrar-me da cena terrível do meu pesadelo. Tentando não lembrar dele mesmo, Luke, enforcado bem na janela do meu apartamento.

– Com você. – Minha voz falha. – Morto.

Luke olha para baixo e suspira. Espero que ele chegue mais perto de mim e segure uma das minhas mãos, como fez quando achamos que seríamos atacados na mata, mas ele não o faz. Muito pelo contrário, ele age como uma pessoa totalmente diferente do que é. Ele age como uma pessoa sem sentimentos.

– Agora que já se recuperou, pode voltar a dormir. Precisamos de energia para amanhã. – Ele diz tão seco quanto antes e se vira, dando a entender que vai sair daqui.

Suas palavras me ferem mais do que eu espero que firam, fazendo com que uma espécie de ódio cresça dentro de mim. Ódio por Luke estar agindo assim comigo. O que é há de errado com ele? O que eu fiz para ele estar sendo tão insensível? Confesso ter de engolir mais algumas lágrimas novamente.

– Qual é o seu problema? – Pergunto, demonstrando o quão desapontada estou.

Luke para de andar assim que me escuta e vira-se para me encarar. Ele parece tão indiferente quanto antes.

– Pois não?

Desencosto da parede e fico de costas para os vagalumes. Estou tão possessa que poderia bater em Luke.

– Não se faça de idiota, Gray. – Rosno. – Não pense que eu não estou notando essa sua frieza repentina, então se eu fiz alguma coisa pra você que te insultou, por favor, me diga e eu irei me desculpar.

Ele encara o chão, franzindo o cenho, meio pensativo e chateado. É impressionante como Luke pode estar tão calmo e controlado enquanto eu estou tão raivosa e explosiva.

– Não adianta, Emily. – Ele murmura, dando de ombros. – Você não tem culpa de nada. O único culpado aqui sou eu.

Realmente não entendo o que Luke diz, mas me sinto mal por ele. Agora parece bem mais chateado do que antes. Não que isso justifique sua mudança de comportamento em relação a mim.

Reprimo a vontade de andar até ele e abraçá-lo. Apesar de estar sendo grosso e indiferente, eu ainda quero ajudá-lo com qualquer problema que esteja tendo.

O que sinto é completamente estranho, quer dizer, geralmente quando uma pessoa é dura comigo, tenho vontade de socá-la e não de abraçá-la. O que diabos está acontecendo?

– Se você está chateado com alguma coisa, pode me chamar para desabafar. Mas por favor, não seja esse Luke que não se importa comigo, esse Luke seco e distante. – Digo, tentando soar o mais sincera possível. – Parece que não, mas isso me machuca.

Minhas palavras são como uma pancada em sua cara, dá para perceber. E isso me deixa mais sem respostas ainda. Por que ele simplesmente não abre o jogo e me conta o que está acontecendo?

– Então eu estou te machucando? – Ele pergunta, angustiado.

Respiro fundo, não entendendo sua reação. Luke geralmente não se importaria tanto em me machucar, quero dizer, sempre costumamos brigar. Encaro seu rosto com curiosidade, tentando ler suas expressões, coisa que eu não consigo. Luke é indecifrável.

Talvez eu tenha exagerado ao dizer que quando ele é frio, me machuca. Se bem que não disse nada menos que a verdade.

– Quando você age como está agindo até agora, me machuca. – Resolvo não mentir. – Por que esteve me evitando esse tempo todo?

Ele baixa sua cabeça e encara seus pés. Parece mais pensativo que o normal. E eu, curiosa como sempre.

Luke volta a olhar para mim, franzindo o cenho e passando a mão pelos seus cabelos, como um tique nervoso.

– Eu só queria conseguir pensar em outra coisa, entende? – Ele diz, finalmente. – Achei que me afastando conseguiria.

Luke caminha em minha direção, olhando nos meus olhos e eu não me movo. Não tenho medo de Luke, só estou mais confusa ainda. Do que ele está falando?

Ele para exatamente na minha frente, ainda encarando meus olhos. Parece meio arrasado e eu me sinto culpada por isso, mesmo que tenha negado minha culpa. Baixo minha cabeça, tímida, evitando seu olhar.

Ele suspira, impaciente e envolve meus pulsos com suas mãos. São tão grandes, se comparadas às minhas que chega a ser engraçado. Isso faz com que eu levante minha cabeça, com um sobressalto.

– Desculpe, mas não entendo, Luke.

Mordo meu lábio inferior, me sentindo a pessoa mais burra do mundo por não fazer ideia do que ele diz. Seus olhos nos meus me deixam meio sem graça e sinto minhas bochechas arderem.

– Você não vê, Emily? – Ele pergunta, apertando um pouco suas mãos em volta dos meus pulsos. Agora ele parece fora de si e eu, a controlada. – Você não percebe o quanto estou enlouquecendo? Eu tentei, tentei mesmo. Mas não consigo parar de pensar em você.

Diante do que diz, meu queixo simplesmente cai. Suas palavras me pegam de surpresa e eu fico completamente sem reação. Então, é isso: Luke está mesmo declarando seus sentimentos por mim?

Por um momento acho que estou sonhando novamente e fico esperando até que tudo se desfaça, que eu abra meus olhos e que eles queimem com a claridade. Porém, pasmo-me quando isso não acontece.

Sinto-me uma criança frustrada que não consegue encaixar as peças de um quebra-cabeça. Quer dizer, nada disso faz sentido! Entenda, Luke é o mesmo cara que se referiu a mim como “apenas uma criança” quando nos conhecemos. Ele é o mesmo cara que briga comigo todo santo dia, por motivos pequenos e inúteis, ainda que nossas brigas tenham melhorado um pouco. Sem querer exagerar, mas ele é um dos caras mais incríveis que conheci nas últimas semanas da minha vida. E agora, sem mais nem menos, está confessando seus sentimentos por mim.

Uma mistura de alegria, surpresa, preocupação enchem minha cabeça e tudo o que consigo ouvir é meu coração acelerado.

Luke, provavelmente, ainda não tinha me dito nada porque, de certo, escutou minha conversa com Nina no barco, enquanto navegávamos para chegar até Arcanum Island. Quando eu achei que ele estava dormindo.

E antes que eu possa pensar ou dizer mais qualquer coisa as mãos dele soltam meus pulsos e vão até minhas bochechas. Arrepio-me, corando. Ele segura meu rosto firmemente com as duas mãos.

Penso em como aquilo é errado e como pode afetar o nosso desenvolvimento da missão para encontrar o Oráculo, afinal, querendo ou não, sentimentos influenciam. Não digo nada, só deixo que aconteça. Não sei se é a coisa certa a fazer, mas confesso que meu coração está batendo tão rápido que poderia explodir. E que de uma forma surpreendente, estou gostando disso.

– Eu não sei se você sente o mesmo, mas eu não me importo. Desculpa, eu preciso fazer isso.

Com um só movimento ele me puxa para os seus lábios, que tocam gentilmente os meus. Penso em acabar com isso antes mesmo que comece, mas sou fraca e deixo que me beije.

No começo, é um beijo leve, delicado como um sussurro, depois subitamente mais intenso, mais feroz. Minha respiração se acelera e meu coração também. Meu cérebro desconecta-se de meu corpo e tudo o que eu consigo ver e sentir é Luke. Meus braços envolvem seu pescoço e apertam, puxando-o para mim e suas mãos que estavam em meu queixo agora me envolvem.

Seus lábios desistem dos meus por um momento, sinto sua boca seguir a linha de meu queixo, depois passeia um pouco pelo meu pescoço. Sua barba por fazer roça minha pele fina, fazendo-me arrepiar.

Olho para o nosso redor e percebo os vagalumes que agora nos cercam. É tudo tão perfeito como em um filme. Talvez perfeito até demais.

Parece tão certo e ao mesmo tempo tão errado. Me sinto completa e ao mesmo tempo, vazia. Feliz e ao mesmo tempo, culpada.

Decididamente, não posso fazer isso. Não quando tenho uma missão para cumprir, pessoas para encontrar, erros para consertar. Opposite está em jogo e nós não podemos nos deixar levar pela paixão. Porque é exatamente isso o que eu sinto: paixão. Estou completamente apaixonada por Luke e não tinha percebido até então.

Luke nota que estou quieta demais e levanta seu rosto para me analisar. Está inquieto e antes que possa perguntar qualquer coisa, eu me afasto.

Quero declarar meus sentimentos e beijá-lo novamente, mas não posso. É tudo uma questão de prioridades. E nossa maior prioridade agora é salvar Opposite.

– Luke, não podemos fazer isso. – Minhas palavras são curtas, mas diretas. E doem tanto em mim, quanto nele. – Não enquanto temos uma missão para cumprir. Me desculpe.

Luke parece um pouco mais destruído do que antes. Sinto-me culpada por ter retribuído o seu beijo, dando-o falsas esperanças. Não tão falsas assim, quer dizer, estou tão perdidamente apaixonada por ele, quanto ele está por mim.

Suas irís azuis-esverdeadas passam a encarar o chão quando ele diz:

– Você tem razão. Me desculpe, não voltarei a insistir nisso.

Ficamos ali, um na frente do outro. Loucos um pelo outro e sem poder fazer mais nada a não ser esperar.

Seu perfume amadeirado mexe com a minha cabeça e eu decido sair dali antes que perca o controle novamente.

– Preciso dormir. – Digo, já voltando a entrar na caverna. – Tenha uma boa noite, Luke.

– Tenha uma boa noite, Emily. – Ele responde.

Estou quase adentrando a escuridão quando penso em voltar para trás. Mas é óbvio isso não acontece.

Lágrimas escapam dos meus olhos, mas eu não me importo, afinal, não tem ninguém presente para me ver chorar.


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