Notas Suicidas escrita por Pu_din


Capítulo 10
Anotação n°9




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Olha, eu já estou me arrependendo de estar contando tudo isso a você. A minha vontade é pegar esses papéis todos e tacar fogo. Ninguém precisava saber disso, mas escrevo isso por mim, e não pelo seu divertimento. E eu não estou nem aí se você está gostando ou não. Essa é a minha confissão secreta, e não quero enrolar. Vamos para as partes principais, como no dia em que descobri a grande ilusão que me cercava, a grande merda. Foi depois de uns quatro dias que eu, a Hayley e o Frank saímos para dar uma volta à noite, e foi um bocado bizarro, pra falar a verdade. Bizarro como todos os dias depois de eu conhecer o enigmático Iero:

Mais um dia de aula. Tudo estava muito bem, até que, do nada, eu comecei a sentir-me tonto. Era uma sensação estranha, até hoje não sei o que era. E como eu não tinha condições de ir pra casa sozinho, Frank me acompanhou. Eu estava muito mal naquele dia. Muito mal mesmo. Foi terrível. Por sorte Hayley ficou de dar uma desculpa para o Sr. Goldheart para eu faltar no trabalho. Todos viam que eu estava morrendo.
Enquanto andava em direção de casa, quase vomitei em cima do pé de Iero.
- Pô, Gerard! Que nojo... – ele se afastava do vômito.
Eu nem conseguia falar. De repente senti uma tontura muito forte e tive que me apoiar nele, senão eu iria cair no chão. Eu quase perdi os sentidos, sem brincadeira. Frank me segurou, parecendo preocupado.
- Pára Frank. Pára um pouco... – pedi.
- O que foi??
- Me deixe sentar. Eu não tô bem.
Sentei-me na calçada, ofegando. Meus olhos estavam pesados, e tive a sensação que iria vomitar de novo, mas no geral eu estava melhor. Frank, ao me ver nesse estado, ficou desesperado.
- Sua casa tá muito longe, Gerard. A minha é mais perto. Vem, eu te ajudo a levantar.
Nós andamos calados uns dois quarteirões. Eu poderia estar um pouco tonto e tudo, mas não pude deixar de perceber que a cada passo que dávamos, a paisagem ficava cada vez mais sofisticada. Nós estávamos nas ruas mais ricas da nossa cidade, que se contradizia com a paisagem de classe média-baixa, que ficava a poucos metros dali.
De repente, paramos em frente a uma mansão cinematográfica. Frank adentrou-se ali comigo. Eu estava ficando melhor, a tontura havia passado, e não acreditava no que via. Quem diria que o garoto da mochila de vinte anos morava em uma mansão como essas!
O casarão era enormemente branco, com um jardim impecável. Tinha até aqueles canteiros milionários que possuem roseiras tão bem cuidadas que parecem de plástico. Isso sem comentar a fachada estonteante da entrada principal. Era algo intocável, pois qualquer dedo, por mais delicado que seja, poderia estragar toda aquela perfeição, e seria caro restaurá-la. E a conseqüência disso tudo foi que comecei a ter vergonha da minha casa só de pensar que Iero entrara lá e não comentara nada. Era um jovem educado, concluí.
Passamos pela sala, e Frank cumprimentou a empregada com a cabeça. Na certa não falava com seus empregados. Fomos à cozinha, onde havia um senhor muito refinado, sentado no
centro da mesa farta do café da manhã.
- Frank! Eu lhe disse para não trazer essa gente para casa! – ele se referia a mim, olhando-me com uma indiferença que chegou a me deprimir. Deveria ser o pai dele, supus.
- Me desculpe, senhor. É que ele estava passando mal e...
- Cale-se! – exigiu o refinado senhor – Retire-se imediatamente!
Frank abaixou a cabeça, e me puxou para uma portinhola.
- Seu pai é um pouco bravo... – comentei.
Até hoje eu me pergunto por que disse isso a ele. Como eu fui idiota.
- Ele não é o meu pai... – sussurrava em um tom doído.
Eu fiz uma cara de envergonhado, mas ele sorriu, como se me compreendesse.
- Entra logo, Gerard... – ele abriu a portinha silenciosamente, e apontou o quintal daquela mansão.
Que contraste!
Havia, lá nos fundos, um quartinho bem decadente. Era escuro, cinza, um bocado triste. Tinha as paredes descascadas, clamando por uma urgente reforma. Dentro do pequeno cômodo estava uma jovem senhora, com seus quarenta de cinco anos, suponho, trajando a mesma roupa que aquela empregada que Frank cumprimentou usava. Não pude não notar sua fraqueza, que era algo deprimente.
- Oi, mãe.
A senhora que estava dentro do casebre sai e o abraça, carinhosamente.
- Frank! Amor, voltou cedo da escola...
- Esse aqui é o Gerard – ele me apresentou. – Gerard, essa é minha mãe, Mary...
Nesse momento, Mary me abraça com afeto, sorrindo. Tinha o sorriso igual ao do filho. Só agora percebi o tamanho da mancada que havia cometido. Frank não morava naquela mansão coisa nenhuma, ele só era o filho da empregada, que residia nos fundos da mansão. Quase chorei. Então era por isso que não quis que eu fosse à sua casa fazer o trabalho. Deveria ter vergonha, no mínimo.
- O patrão te tratou mal? – Mary perguntava, preocupada. Parecia ter simpatizado comigo.
- Ah, não. Sem problema... – eu não sabia o que falar. Estava em choque.
- Eu tive que trazer o Gerard pra cá, mãe. Ele estava passando mal...
- Tudo bem. Entrem, queridos. Eu vou servir o patrão – ela sorriu mais uma vez, e retirou-se. Aquele sorriso me fez sentir triste.
Eu entrei no quartinho e sentei-me na cama. Só havia um cômodo onde tinha a cozinha e o quarto juntos, tudo bem amontoado. O banheiro ficava lá fora.
- Eu estou me sentindo um idiota... – disse ao Frank, totalmente ruborizado.
- Ah! Tudo bem! – ele sorriu – Se aquele cara fosse o meu pai, eu fugiria de casa. Ele é meio terrorista, sabe?
Eu sorri, e Frank me trouxe um copo d’água, e sentou-se ao meu lado, tirando seu moletom preto e encostando as costas na parede, pensativo.
Enquanto bebia a água, minha cabeça só concentrava-se em Mary. Parecia tão pálida e abatida, e não me agüentei:
- A sua mãe tá bem?
- Não muito. Ela anda muito cansada...
Eu senti que ele não queria contar tudo, mas deixei passar.
- Você entendeu agora o porquê não fizemos o trabalho aqui, não é? – perguntou, olhando-me com os olhos desbotados, e sorriu.
- Você não precisava ter vergonha. Sua mãe é uma mulher linda, e você sabe que eu não ligo pra essas coisas... – disse referindo-me à sua casa.
Ele riu.
- Mas eu nem te conhecia!
Eu tive que concordar.
- “Mulher linda”... – repetiu em um sussurro, como se gozasse da minha cara.
- Quê? – perguntei, sem entender.
- Seu tarado. Você é infernal, Gerard!
- Cala a boca.
Nós dois rimos.


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