Na sacada de seu apartamento, Gerard observa o crepúsculo cair sobre a cidade. O céu escurecia, e o laranja das nuvens se espalhava pelo horizonte daquela metrópole infinita. "Tudo está em chamas", ele pensou. Em chamas de um laranja intenso, quase púrpuro.
Laranja.
Fazia tempo que não pensava nessa cor, muito menos naquela desventura. E Way não gostou nada da idéia que teve. Porém era uma sensação forte, irresistível.
Irreversível.
Adentrou-se em seu quarto com passos leves e acendeu a fraca luz do abajur, que iluminou de imediato as silhuetas femininas de sua formosa esposa, que dormia.

"Quem diria que você seria minha menina...", ele riu baixinho, aproximando-se dela e roçando levemente os dedos em sua bochecha, com uma vontade quase incontrolável de beijá-la por inteiro. Mas Gerard lembrou-se involuntariamente de sua idéia, e sentiu-se sombrio.
Sentou-se na cama e tentou lembrar onde estavam aqueles papéis. Aqueles malditos papéis.

"Na escrivaninha..."
Correu para o outro lado do quarto e abriu a gaveta amarrotada de papéis de cartas, receitas médicas e fantasmas. Todos provindos do passado. Way sentiu sua espinha gelar ao se deparar com aquele envelope, lá no fundo, abandonado, pedindo para ser lido. Ele quis queimar toda a escrivaninha, junto com o laranja do pôr-do-sol.

Porém fez o que deveria fazer.
 

E mesmo sentindo-se obscuro, Gerard pegou o envelope nas mãos e o abriu.
Começou a ler.