A carta era sucinta, mas fora escrita com muita calma. As palavras que davam forma à ideia do escritor tiveram que ser escolhidas com muita cautela, pois precisavam ser tão convincentes quanto às argumentações que seriam descritas. Ao todo, foram sete dias de trabalho até ele dizer que, sim, a carta estava perfeita e que poderia ser mandada. Claro que esse tempo não foi só usado para se preocupar com a ortografia do que estava sendo escrito e nem com os erros de concordância. Se a carta não tinha sido enviada até então era porque ele também não tinha coragem para isso.

Estava para fazer algo ousado, a julgar pela quantidade de tempo que havia passado. Na verdade, quando a ideia surgiu, ele se deparou se perguntando como é que não tinha pensando nisso antes, e eram em instantes como esses que seu cérebro o convencia de que escrever uma carta como aquela era uma ideia absurda.

Absurda não só porque mandar cartas, em 2018, era algo totalmente obsoleto e sem fundamento nenhum, mas também porque mexer no passado era sempre algo delicado. Uma vez que o presente estivesse agradável, não havia motivos para recordar as memórias de um tempo que, quando vivido, parecia tão importante e impossível de ser abandonado. Por isso, era bem provável que, quando aquelas cartas fossem recebidas e lidas – isso se não fossem jogadas fora assim que abertas -, ninguém desse a mínima para o estava escrito e agisse como se ela jamais tivesse existido.

Ele tinha medo de que ele próprio fizesse isso se fosse um dos destinatários.

A carta fora escrita à mão, portanto, para destiná-la aos quinze destinatários, foram necessárias quinze cópias da original. Feito isso, ele teve todo o cuidado de escrever cada um dos nomes nos envelopes e se certificar de que nenhuma informação estava errada.

O texto era o seguinte:

Lima, 18 de Agosto de 2018

Faz muito tempo desde que não nos falamos, então pode ser que essa carta pareça um pouco confusa em seu decorrer. Além do mais, não escrevo cartas há bons anos, e isso para não mencionar não me lembro sequer de já ter escrito, a não ser aquelas de dia dos namorados, as mesmas que eram dificilmente levadas a sério ou que traziam alguma resposta das minhas pretendentes.

Espero que você esteja bem depois de todo esse tempo. Sou seu amigo e ficaria muito triste de saber que você anda triste por aí, aonde quer que esteja, fazendo o que faz. Lembro que no Glee Club nós celebrávamos muitos temas do cotidiano, e todos eles nos levavam a pensar na vida como algo que não deve ser jogado fora e que, portanto, devemos fazer o que gostamos para sempre estarmos felizes. Querendo ou não, o Sr. Schuester, quando não sumia de semana em semana, tinha excelentes ensinamentos para nos passar. Sinto falta disso.

Sinto tanta falta disso quanto sinto de você.

A propósito, eu estou muito bem. Não saí de Lima desde que nos formamos, porque foi aqui que encontrei a oportunidade que eu não procurava, mas que me encontrou. Pode parecer curioso ou até irônico, mas também não larguei o McKinley, mesmo quando peguei meu boletim e verifiquei minhas excelentes notas. Acabei tomando o lugar da funcionária da biblioteca, que já estava muito velha e quis se aposentar. Frequento a escola de segunda a sábado e não há um dia sequer que eu não olhe para aqueles ambientes e não seja arrebatado por nostalgia.

Sinto falta daqueles nossos tempos de escola, quando estávamos sempre um ao lado do outro, prontos para ajudar o próximo no menor sinal de necessidade. Sinto muita falta também de quando nos víamos todos os dias, ainda que eu aceite que tempos como aqueles jamais voltem e que é assim que a vida segue. Sei que não é possível viver para sempre com as pessoas de que gostamos.

Mas já que não podemos viver aqueles dias para sempre, por que não podemos pelo menos revivê-los durante um único dia?

Esse é o motivo de eu ter enviado a carta. A ideia parece absurda, mas achei que seria legal se voltássemos a nos reunir e comemorássemos os velhos tempos com uma festa aqui mesmo na escola. Não tenho nada preparado para a ocasião ainda, até porque não sei se você e os demais vão mesmo querer fazer parte dessa empreitada, mas o lugar já está disponível para o dia 30 de Agosto. Trabalho no McKinley, então não encontrei dificuldades para reservar a quadra, mesmo que a data para a comemoração esteja tão próxima.

Espero que você possa vir. Se dizer tudo o que eu disse ainda não foi capaz de convencê-lo(a), espero que pelo menos venha porque se importa com os outros e porque sente vontade de revê-los. Não há problema nenhum em rever os amigos de outrora para uma noite de bebidas e dança, há?

Sei que é difícil arranjar tempo para ligar para mim ou para pelo menos mandar um e-mail dizendo que vem ou não, então não precisa me mandar uma resposta. Basta aparecer por aqui por volta da data marcada e então agimos como se você jamais tivesse deixado Lima, como se nossos tempos de Glee Club tivessem acabado há apenas um dia e estivéssemos apenas nos vendo para um encontro casual.

Não que em algum momento eu tenha pensado que nossa amizade acabou. Você é tão importante para mim quanto sempre foi.

Um abraço e te aguardo para a festa anual dos membros do Glee Club!

Artie Abrams

P.S.: Não vejo a hora de poder revê-los.

E assim o texto terminava.

Artie leu a carta uma última vez para ter certeza de que não tinha deixado de dizer nada, e se deu por satisfeito. Colocou uma cópia em cada um dos envelopes e selou-os em seguida. Prendeu todos com um elástico e levou-os à caixa de correspondência. Ao entrar em casa, sentiu-se satisfeito por ter tomado coragem de seguir em frente com o plano.

O responsável pelo serviço de correspondência passou em frente à casa de Artie por volta das três da tarde naquele dia. Três dias depois, as cartas chegavam às mãos de Rachel Berry, Finn Hudson, Tina Cohen-Chang, Mercedes Jones, Kurt Hummel, Quinn Fabray, Santana Lopez, Brittany S. Pierce, Noah Puckerman, Mike Chang, Sugar Motta, Rory Flanagan, Joe Hart, Sam Evans e Blaine Anderson. Não houve um que tivesse hesitado em abrir a carta assim que a recebeu, então no mesmo dia todos já estavam cientes do encontro e já começaram a tomar as providências necessárias para tornar o encontro de ex-membros do Glee Club real.

A festa que Artie desejava estava prestes para acontecer e os dezesseis amigos dos tempos de McKinley High, a se reencontrar, assim como também o estavam todas as suas alegrias e problemas não resolvidos.