Undertaker [Hiato] escrita por biazacha


Capítulo 33
Chá, Bolos e Biscoitos Amanteigados


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Finalmente o primeiro bimestre acabou! Os trabalhos tiveram o mesmo grau de dificuldade dos trabalhos finais do ano passado o que além de ser uma puta puxada de tapete logo no início das aulas, me deixou com medo do fim do ano. Passei o feriado viajando pra compensar, mas cá estou eu de volta (e gripada) com minha vidinha!

Esse cap foi muito rápido de escrever, fiquei até impressionada, agora não tem mais volta pra Ray e cada detalhe vai ser decisivo!

Boa leitura amorecos!



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Raven olhava pela janela do carro sem de fato assimilar qualquer traço da paisagem urbana e cinzenta, mais pelo clima outonal do que por qualquer outra coisa. A verdade é que ela queria voltar para sua casa e se enrolar num cobertor - totalmente imersa no torpor causado pelo choque, nem se dava ao trabalho de sentir indignação, revolta ou tristeza.

Ramona havia morrido há menos de quatro horas e Julia insista que a filha comparecesse a uma estúpida consulta com uma terapeuta.

Não havia sido uma discussão muito densa ou acalorada: a menina dissera que queria ficar no seu canto sozinha, que precisava descansar e que podiam remarcar; a mulher começou a enumerar uma série de motivos que envolviam desabafar, receber ajuda para encarar a situação, seu outro tratamento interrompido para buscar uma profissional mulher... e ela desistiu. Não tinha forças para retrucar e de qualquer forma sabia que não teria voz na questão.

Se sua mãe não entendia que para superar uma situação difícil você primeiro precisa de um tempo só pra digeri-la, porém certamente a terapeuta seria mais compreensiva.

Logo de cara sentiu a mudança extrema: de uma sala qualquer em um hospital cheio de cômodos similares, eles haviam parado num consultório que na verdade era uma casinha simpática com tons escuros de marrom avermelhado nas paredes, janelas, portão, telhas... um lugar delicado com ares antigos.

A placa na entrada informava que o escritório pertencia a Dra. Janson, que sem dúvidas nem de longe poderia ser uma criatura tão sinistra como o Dr. Roberts; mesmo que tivesse curiosidade de saber quem ele era, tremia inteira só de imaginar encontra-lo novamente e se lembrava bem demais da sensação desesperadora de ter suas costas se partindo sem conseguir gritar por ajuda.

Como ele fizera aquilo? Depois de mãos transpassadas que ficavam como novas depois de dias sem nem uma cicatriz para contar a história, ela tinha novas noções de estranho e aceitável.

–Quer que nós entremos com você querida? – perguntou a mãe sorrindo, com aquele tom de voz de quem implora para que a pessoa responda sim.

–Não mãe, prefiro realmente fazer isso sozinha. – o sorriso da mulher murchou visivelmente – Mas se algum dos dois puderem, gostaria que viessem me buscar... não estou em condições de pegar um ônibus e muito menos dirigir.

–Nós dois viremos – garantiu o pai – então vamos procurar um lugar bacana pra jantar.

Se esforçando, ela ensaiou um sorriso para garantir que estava bem; sabendo que eles não sairiam até ter certeza de que ela entrou, juntou energia e foi se preparando para explicar debilmente de que em menos de um mês dois jovens que conhecia morreram e que realmente não estava no clima para “falar sobre isso”.

O lugar era aconchegante, com sofás de couro chocolate e quadros de coisas aleatórias nas paredes: cavalos, silhueta de metrópoles, flores, bailarinas. Cheirava de um modo engraçado, aquele aroma indefinido que as casas de avós costumam ter, uma mistura de lã, bolo no forno e naftalina.

Olhou para os lados, esperando surgir um poodle ou vinte gatos.

Como na recepção não havia ninguém, ela se jogou em um dos sofás e pegou a primeira revista que viu; no mesmo instante, ouviu o carro dos pais dar partida e ir embora – era notável o nível de confiança que tinham nela, sem secretária ou testemunha alguma, ela quase se levantou e saiu para algum lugar só pela birra.

–Você tem uma tendência para arranjar desculpas quando quer fugir de uma situação não é?

–Churchil, você era um drogado. – retrucou ela com uma voz baixa e cansada.

–Sim, mas isso não muda o fato de que você as vezes é ativa demais para as coisas erradas. – ele usava um tom didático e irritante.

–Só porque não quero entrar na droga da consulta?

–Já pensou em perguntar para Keane diretamente o que ele fazia no hospital, porque entra em seu quarto algumas noites, qual é a do... por falta de um termo melhor, cachorro?

–Fala como se fosse simples, mas isso realmente não conta. – chiou a menina em resposta.

–Você sabe que terá problemas com pessoas que confia, já pensou em investigar a vida dos amigos mais próximos a vocês?

–Eu conheço meus amigos.

–Conhece tanto que foi a última pessoa a saber sobre Charles e Rebecca. – aquela doeu; mais pelo fato de ser lembrada que ambos estavam saindo do que pela confirmação de que talvez Churchil estivesse certo.

–Mais alguma coisa a acrescentar?

–Hoje com aquela criatura digna de pena que te atormentava...

–Ramona.

–Isso, Ramona... como seu irmão sabia que algo estava errado? Ele é sensitivo? Tem alguma característica estranha, algo que você já tenha notado?

–Não faço ideia. – mas, no momento que respondia isso, sabia que era mentira: seus pais eram inteligentes, sem dúvidas, mas John sempre fora... especial.

Ele era justamente o tipo de pessoa que simplesmente não devia existir em lugar algum a não ser na ficção: bonito, atlético, aprendia tudo num piscar de olhos... algo próximo de perfeito. Keane lembrava demais seu irmão nesse aspecto com a diferença de que ao passo em que seu vizinho parecia um príncipe das trevas, seu irmão era como um raio solar vivo.

Mas a coisa toda ia além. Forçando a memória até sua visão ter pontinhos, ela não conseguia se lembrar de única vez na qual o irmão estivesse doente: gripe, catapora, piolhos no primário, picadas de mosquito no verão... nada. Ele nunca tinha se perdido dos pais no mercado, brigado com alguém, engolido areia ou qualquer outra coisa que se espere de uma criança – suas histórias de infância nunca tinham um ponto constrangedor, eram sempre pontuadas com sua genialidade “aprendeu a andar e falar só com tantos meses”, “nunca quis usar chupeta”, “não chorava de noite”, “com três anos já lia”... sem dúvidas a menina achava um tanto quanto irreal, mas era seu irmão e ela o amava demais para se importar.

Porém colocado daquela forma, ela começava a se perguntar: e se ele fosse mais diferente do que aparentava, tanto quanto ela, e escondesse de todos?

E se fosse de família?

Foi impedida de continuar com aquela linha de pensamentos com uma voz feminina; olhou para frente e encarou a mulher que deveria ser a recepcionista; definitivamente não percebera quando deixara de estar só no recinto, mas lá estava ela, pedindo que preenchesse uma ficha antes de ter sua primeira consulta.

Enquanto anotava informações genéricas como nome completo, idade e telefone, outras nem tão comuns como níveis de escolaridade dos pais e quantos pessoas moravam em sua casa para outras ainda mais estranhas como remédios, doenças e outros sua mente se desligou dos problemas externos – tinha certeza de que ficaria nesse estado até o fim do jantar e que, assim que chegasse em casa e deitasse a cabeça no travesseiro, desde a morte de Ramona até suas novas e estranhas inquietações, tudo voltaria como uma avalanche o que só a traria sonhos estranhos ou a impediria de dormir.

Chegou o momento de encarar a nova profissional responsável por ajuda-la a fingir que sua vida estava perfeitamente normal dando falsos e positivos feedbacks aos seus pais. Raven respirou fundo e foi em direção à porta no fim do corredor e ofegou.

No seu interior tinha se preparado para muitas coisas, mas não para aquilo: o cômodo era enorme e as paredes tinham um papel de parede floral, desses bonitos e claros que não se vende hoje em dia, os móveis eram todos brancos e as almofadas felpudas, o carpete caramelo parecia puído, e o lugar estava cheio de estantes com livros e cômodas com quadros de cãezinhos de aspecto pidão.

Numa mesa no centro estava a vovó mais curiosa que ela já vira: era pequena, encolhida e fofa, com as bochechas rosa, óculos redondos e cabelo branco preso num coque. Usava um conjuntinho de tweed magenta que injetava energia no cômodo todo pastel. A sua frente estava um jogo de chá decorado com rosinhas azuis, além de bolos e biscoitos com cara de frescos.

–Srta. Castle seja bem-vinda. – a voz dela era diferente do que esperava; rouca e profunda – Por favor, sente-se comigo para desfrutarmos de um chá enquanto conversamos.

Duas coisas passaram pela mente da garota naquele instante: um que a senhora lembrava terrivelmente Dolores Umbridge em vários aspectos e dois que se ela se dispunha a comer e tomar chá com cada paciente que surgia suas formas rechonchudas eram mais que justificáveis.

Mas foi só quando ela se sentou e encarou a mulher de perto viu que algo estava terrivelmente errada: o formato e cor dos olhos, o tipo de nariz, o feitio do sorriso cínico... era como se estivesse encarando a mamãe do Dr. Roberts.

E não ficou muito surpresa quando tentou se mexer e não conseguiu nem ao menos piscar.

–Perspicaz você não, já me descobriu! – disse a senhorinha com deleite, enquanto o coração da garota batia cada vez mais rápido.

Um silêncio carregado se seguiu e a senhora estalou os dedos, como se tivesse se lembrado de algo.

–Que boba eu sou, deixei você quietinha demais não é? – ao que se seguiu outro curto período de silêncio, ela acrescentou: - Vamos lá diga algo querida, já pode falar agora.

–Você... – começou ela testando a voz; ao ver que saía normalmente, atacou: - Você é o Dr. Roberts? O que quer comigo? É amigo ou inimigo? Sabe o que está acontecendo comigo?

–Calma fofinha, muitas perguntas de uma vez, assim nosso chá vai esfriar. – ela olhou para baixo e encarou as duas xícaras cheias e fumegando; não se lembrava de tê-la visto servindo a bebida, embora tudo estivesse vazio quando entrou.

–Pode começar a responder essas. – retrucou ela, bebericando um pouco. Era gostoso e reconfortante, embora não conseguisse saber do quê, sentindo apenas um quê de gengibre e canela ao fundo. Torcia pra que não fosse venenoso, mas sentia que não tinha muita escolha a não ser beber.

–Sou e não o Dr. Roberts, já que ele é só mais uma das muitas facetas de mim, tal como a Sra.Janson - começou ela, escolhendo biscoitos – eu podia passar horas, dias falando sobre a questão, mas isso só iria confundir sua cabecinha pequenina e perturbada.

–Pequenina? – perguntou ela franzindo o cenho.

–Alguém já te chamou de alta querida? – Raven enrubesceu e não disse nada. – Não que eu queira algo com você – recomeçou ela – mas gosto de coisas interessantes; e você querendo ou não minha querida, você se encontra enterrada em uma das questões mais interessantes possíveis.

–Questão essa que você vai me explicar?

–Ainda não terminei aquelas perguntas, Srta. Castle – censurou a senhora – Mas não, não pretendo te dizer nada, pelo mesmo motivo pelos quais eles não podem te dizer também.

–Eles?

–Você sabe: o aborrecente intratável, o drogado e aquele criaturinha deprimente. Ninguém pode te dizer nada se quiser te ajudar, pois você precisa encontrar seu caminho sozinha. Podemos te dar dicas, conselhos, ajudar a abrir seus olhos, mas não pegar em sua mão e te guiar, todo o sentido iria se perder e você teria que pagar o preço.... um preço bem alto.

–Prefiro não pagar esse tal preço alto. – murmurou a menina.

–Tenho certeza que não. – emendou a outra – E aí que lhe respondo a última questão em aberto: como você já deve ter deduzido que sei exatamente o que está acontecendo com você posso dizer que sou.... uma aliada, porém não uma amiga. Sou a melhor coisa que poderia acontecer com você aliás, então me agradeça.

A garota voltou a beber seu chá e não disse nada.

–Não consegue acreditar em mim não é? Não te culpo, de verdade; em nosso encontro anterior estava muito... ansiosa. E forcei as coisas, te pressionei além do que você estava preparada.

–Então nada de pressões assustadoras dessa vez? Nada de costas se partindo?

–Pelo contrário minha cara, estou te tratando exatamente da mesma forma que antes, porém dessa vez você está preparada. – ela sorriu, um sorriso cheio de dentinhos miúdos e branquinhos, muito errados para um idoso.

–E agora, o que vem em seguida? Você diz que vai me ajudar, mas vai me deixar no escuro... eu desabafo com você? Falo da minha vida e você me receita chá e bolinhos? – disparou a garota, cada vez mais irritada.

–Os bolinhos também estão ótimos não é? Tente os biscoitos, são amanteigados.

–Sua... – começou.

–Você vai conversar comigo Raven – cortou ela – desabafar, tomar chá, e juntas tentaremos tornar as coisas mais claras pra você. Não posso te guiar descaradamente, mas sem dúvidas posso te ajudar.

–Como? – perguntou ela desgostosa.

–Da mesma forma que seu amigo Churchil magistralmente fazia agora há pouco: fazendo-lhe pensar nas respostas para as perguntas certas e não naquelas que são cômodas.

–E eu... vou sentir alguma diferença?

–Se está perguntando isso é porque já sabe que, quanto mais informação acerca de si acumula, mais as coisas mudam. Tenho a impressão de que nosso segundo encontro vai desencadear muitas coisas, mas só terei certeza delas em nossa próxima consulta, semana que vem. Posso contar com sua presença?

Não era uma pergunta simples e uma grande parte dela ainda se retorcia de pânico com sua paralisia e as lembranças do encontro anterior; porém a mulher fora mais franca do que qualquer um até agora e pela primeira vez Raven se via diante de uma possibilidade real de buscar respostas. As mudanças viriam de qualquer jeito, ela sentia, então que viessem de uma vez, que chegasse logo ao fim de tudo isso. Com Janson/ Roberts, a menina tinha mais chances de conseguir o que queria sem ter que pagar o tal preço bem alto. Respirando fundo, preparou-se pra dar a resposta que mudaria tudo.

–Sim, pode contar com minha presença.

Mais tarde enquanto saia com seus pais para jantar ensaiando sorrisos e focando na descrição do consultório para evitar falar da consulta em si, Raven se deparou com a primeira grande mudança.

Em quase todos os cantos que olhasse, haviam fantasmas como Gabe e Churchil.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? As coisas vão entrar numa fase meio densa, mas que eu estava esperando loucamente chegar desde que comecei a escrever porque vai ser uma parte legal de contar!

Quanto a ABP estou escrevendo, mas estou travada (por motivos de Lavi) então pra quem lê também me desculpe!

Beeeijos!! (*--*)//



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