Innocent. escrita por Jones


Capítulo 3
Parte 2. - I love you endlessly.




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Did some things you can't speak of, but at night you'll live it all again…

Havia dias em que ele exigia que dormíssemos em quartos separados, seus gritos adquiriam um tom desesperado, então os tremores e espasmos o dominavam até que ele acordasse sufocado pelas próprias mãos em seu pescoço.

Desde que nos reconciliamos, nunca permiti que ele dormisse sozinho, aparatava em seu quarto todas as noites. Algumas pessoas nunca entenderam essa necessidade que eu tive de protegê-lo e eu não acredito até hoje que Narcisa Malfoy não fez nada diante do sofrimento do filho dela. Sofrimento que ela ajudou a causar.

O mundo não entendia que de dia ele não conseguia nem falar sobre as coisas que tinha feito a mando de Voldemort, as coisas que tinha visto e as coisas que tinha escutado: gritos, pedidos por clemência, desespero. E se de dia ele não conseguia nem falar sobre isso, à noite ele reviveria tudo novamente.

E ele não apenas revivia como se punia.

Nunca entendi os mistérios do inconsciente humano, mas entendia que ele estava se maltratando e isso estava atingindo proporções gravíssimas. Quando nos reencontramos ele estava envolto por faixas e cheio de hematomas, no início, achei que ele havia se envolvido em alguma briga ou sofrido algum acidente.

Então eu vi a dor em seus olhos.

Voldemort estava morto, mas continuava a machuca-lo e isso me machucava muito.

Quando nos encontramos por acaso no St. Mungus – eu estava fazendo trabalho voluntário lá – havia se passado três anos desde o fim da guerra. Eu já sabia que ele estava vivo, Dafne me contou que a família Malfoy voltou, se retratou publicamente e foi a julgamento, sendo perdoada pelo próprio Harry.
Eu estava esperando que ele voltasse a mim, que ele me procurasse e que me pedisse desculpas por ter me deixado preocupada por quase dois anos, queria que ele viesse e me dissesse que estava pronto para finalmente ficar comigo, juntos, como nunca conseguimos ficar.

Mas nos reencontramos no St. Mungus, e ele estava arrasado.

– Astoria? – Ele me reconheceu de imediato, talvez pela minha familiar expressão paralisada.

– Ei, você. – Disse ainda chocada por vários motivos, entre eles os olhos roxos de Draco. – O que aconteceu?

– Nada demais. – Ele disse, colocando as mãos no bolso. – Eu ia... Eu ia te mandar uma coruja.

– Teria sido legal. – Coloquei minhas mãos nos bolsos do meu jaleco. – Responder às minhas também teria sido legal.

– Eu sei. Perdoe-me. – Ele pediu, se aproximando de mim.

– Não sei. – Respondi sinceramente. – Não sei se você estaria me pedindo perdão em algum momento se não tivesse me encontrado por acaso.

– Eu só não queria que você me visse assim, tá legal? – Ele disse ainda bem próximo de mim, mas com os olhos baixos. – Eu não queria que você me visse nesse estado.

– O que fez isso com você? – Eu perguntei, tocando as feridas do rosto dele.

– Eu. – Ele respondeu encolhendo os ombros.

– Você? – Eu perguntei, só entendi minutos depois.

Senti a necessidade de beijá-lo.

Talvez para mostrar que agora eu estava ali para ajudá-lo a superar esse trauma, eu mesma tinha pesadelos horríveis às vezes com pessoas gritando por ajuda e morrendo ao meu lado, e queria mostrar que eu ainda o amava e que eu faria o possível para protegê-lo.

Nada na nossa vida foi tão simples como aquele reencontro.

– Eu disse que aquele não era o nosso último beijo. – Ele sorriu, com a testa colada a minha.

E nunca seria.

Pouco tempo depois, eu o impedi de pular de uma janela durante o sono, em outra noite ele me abraçou enquanto eu chorava durante um pesadelo. E foi aparatando de casa em casa que acabamos casados dois meses depois.

Então se ele exigia dormir em outro quarto para me poupar do sofrimento de vê-lo sofrer, eu me esgueirava até o outro quarto e o abraçava até que ele não tivesse mais pesadelos. Nunca dormiria tranquila sabendo que ele dormiria mal no outro quarto.

Não que ele tivesse o poder de saber quando teria um pesadelo, mas às vezes quando ele tinha pesadelos em um dia, isso se repetia por vários dias.

E eu o abraçava em todos os eles até que ele voltasse a respirar.

***

O encontrei encolhido no chão do nosso quarto e se minha barriga não estivesse tão grande eu me sentaria no chão com ele, então apenas sentei no sofá da cama e esperei que ele falasse, como ele sempre falava.

As coisas estavam mais fáceis agora, ele não tinha pesadelos tão frequentemente, só quando via seus pais ou algo que o lembrasse da guerra. Eu queria proibi-lo de ver os pais, mas não era algo que eu conseguisse fazer de qualquer maneira ou algo que eu pudesse fazer. Eu não tinha mais pesadelos, estava feliz e ele às vezes demonstrava felicidade também.

Na verdade, ele estava radiante – da maneira dele – pela minha gravidez.
Vivia dizendo que queria um menino, se fosse menina ele também ia gostar, mas preferia que fosse menino. Era divertido vê-lo quebrar a cabeça atrás de nomes e em como decoraria o quarto dele ou dela.

– Por que você se casou comigo? – Ele me perguntou de repente. – As coisas seriam mais simples se você tivesse se casado com alguém... Normal.

– A vida seria um saco se eu tivesse me casado com alguém normal. – Eu sorri, encarando o teto. – E eu te amo, isso é razão suficiente.

– Por que você me ama? – Ele se deitou do meu lado na cama.

– Porque sim. – Respondi, me aconchegando no abraço dele.

– Porque sim não é resposta. – Ele disse divertido.

– Claro que sim, se você me faz uma pergunta eu posso responder do jeito que eu quiser. – Respondi, fazendo-o rir. – Por que você me ama?

– Por que eu não te amaria? – Ele me respondeu com outra pergunta.

– Isso não é resposta. – Eu sorri e ele beijou o topo da minha cabeça.

– Claro que sim. – Ele repetiu minha resposta. – Se você me faz uma pergunta eu posso responder do jeito que eu quiser.

– O que você estava fazendo no chão? – Perguntei.

– Pensando na vida. – Ele me respondeu simplesmente, encolhendo os ombros.

– Você poderia pensar na cama, é mais confortável, sabia? – Eu disse e ele riu novamente, me apertando no abraço.

– Estava pensando no que eu fiz para te merecer. – Draco falou com os lábios nos meus cabelos.

– Eu que deveria estar pensando nisso, no que eu fiz para te merecer. – Falei despreocupadamente e ele ficou me encarando por um bom tempo. – O que foi?

– Você é inacreditável. – Ele sorriu. – Eu sou... Um nada. Sempre achei que eu ia acabar casado com alguém que quisesse meu dinheiro e não com alguém que conseguisse ver algo bom em mim. Algo que nem eu enxergo.

– Se você visse naquela época o que você é agora, nunca se encolheria no chão. – Falei, encarando-o nos olhos. – Se você se visse como eu te vejo, não se encolheria jamais em lugar nenhum.

– E como você me vê? – Ele me perguntou de olhos fechados.

– Como alguém que errou e se arrepende disso todos os dias, que tenta ser uma pessoa melhor todos os dias... Que está longe de ser perfeito, mas quem não está? – Eu encostei o meu nariz ao dele antes de beijá-lo.

– Você. – Ele sorriu. – Você é quase perfeita. A única coisa que acaba com sua perfeição é essa sua tendência a se apaixonar pelos loucos e problemáticos.

– Pelo louco e problemático. Só aguento um. – Sorri para ele que riu. – E eu gostaria de acrescentar que só sou feliz com um.

– Você é feliz? – Ele me perguntou com cuidado.

– E você não é?

– Você é?

– Você não é?

– Eu sou. – Ele respondeu por fim. – Porque você parece feliz e eu me sinto feliz por isso.

– Eu sou feliz, porque você me faz feliz quando não está jogado por aí se achando a pior criatura do mundo. – Falei com as sobrancelhas erguidas.

– Então você não é feliz a maior parte do tempo. – Ele abaixou minhas sobrancelhas com os dedos.

– Aí que você se engana. – Eu sorri. – Nem você acredita que é tão ruim assim mais e isso é bom o suficiente.

– Você se contenta com pouco. – Ele sorriu encostando o nariz ao meu.

– Continua enganado, Malfoy. – Sorri. – Se eu me contentasse com pouco, não estaríamos casados e esperando um bebê, não seríamos felizes da nossa maneira.

– Acho que eu posso viver com isso. – Ele disse antes de me beijar. – E eu acho que o nome dele poderia ser Scorpius.

– Scorpius? – Perguntei, olhando para o teto. – Por que essa cisma com nomes em latim?

– Quando eu era criança, eu não tinha muitos amigos então passava muito tempo admirando o céu ou qualquer coisa ao meu redor. – Ele respondeu. – E eu ficava vendo as formas das estrelas e constelações, e uma sempre me chamou a atenção, uma coisa que parecia uma cauda apontada para outras estrelas.

– A constelação Scorpius. – Completei.

– Sim, como eu constatei quando encontrei o desenho em um livro velho de astronomia aqui de casa. – Ele sorriu. – Também achei por aí que o povo antigo dizia que a estrela mais brilhante dessa constelação, a Antares, era a estrela designada para guardar o céu. E... O nosso filho vai nascer na época em que o sol vai passar por essa constelação. Mas pode ser outro nome, se você quiser...

– Não. – Respondi, com lágrimas nos olhos, como sempre que ele se esforçava para ser o Draco que eu amava. – Será Scorpius.

– Scorpius será. – Ele sorriu, com a mão na minha barriga e os lábios nos meus.

Não acredito que alguém seja inteiramente feliz, o tempo inteiro. Mas esses momentos de felicidade plena me faziam repensar no meu conceito de felicidade.
Eu sabia que quando as coisas ficassem difíceis eu me lembraria desses momentos e ele também e juntos superaríamos qualquer coisa, porque era isso que fazíamos desde o dia que nos casamos há quase cinco anos.

***

Scorpius tinha seis anos quando ouviu os gritos de pesadelo do pai pela primeira vez. Tinha acabado de tranquilizá-lo quando encontrei o garotinho loiro como o pai no corredor, com lágrimas nos olhos. Primeiro me perguntou se tinha ‘alguém machucando papai’ e depois eu contei que quando a gente tem um sonho ruim, às vezes gritamos. Mas ele resolveu ver com os próprios olhos no dia seguinte.

E Draco parecia maltratado.

Seus olhos estavam vermelhos e com olheiras profundas, mas ele mantinha um sorriso fraco para o filho. Parecia doente.

– Papai? – Scorpius perguntou, cuidadosamente.

– Sim. – Draco respondeu, passando geleia de abóbora em um pedaço de pão torrado.

– Tá tudo bem? – Ele perguntou, se aproximando do pai. – Eu ouvi ontem...

– Está tudo bem sim. – Draco falou, esfregando o rosto e fazendo um esforço maior em sorrir. – Papai teve um pesadelo, só isso.

– Sobre o que? – Scorpius perguntou, sentando-se no colo dele.

– Nada que vale a pena comentar. – Draco diz um tanto quanto ríspido.

– O que papai quer dizer, filho, – Eu tomo cuidado especial em olhar duramente para Draco. – É que às vezes esquecer o pesadelo é melhor.

– Isso. – Draco concordou, afagando o cabelo de Scorpius.

Não me entendam mal, Draco é um pai dedicado, mas ser afetuoso não era uma de suas características, todas as suas carícias eram um tanto quanto desajeitadas e ele nunca teve muito carinho paterno então não sabia como fazer essas coisas, por mais que ele quisesse ser diferente.

– Ontem o senhor gritava que não queria ser mau. – Scorpius observou, olhando nos olhos de Draco. – Eu não acho que o senhor seja mau.

– É que o papai... – Draco suspirou, apertando o filho em um abraço. – Fez umas coisas ruins quando era mais novo.

– Mas hoje o senhor não faz mais nada de ruim, não é? – Scorpius perguntou, procurando os olhos do pai. – Então o senhor não é mau.

– Acho que não. – Draco sorriu, beijando a testa de Scorpius. – Já terminou a refeição?

– Aham. – Scorpius respondeu, descendo do colo dele. – Posso ir brincar? Só tenho aula daqui a pouco.

– Pode. – Draco disse. – Mas só um pouco.

Esperei Scorpius me abraçar e se afastar do cômodo para tocar no assunto.

– Ainda bem que não sou só eu que acho. – Falei, mordiscando minha maçã.

– Acha o que? – Draco inquiriu, erguendo uma sobrancelha.

– Que você não é mau. – Eu disse, o encarando nos olhos. – De repente, com o seu filho falando, você acredita.

– Ele tem apenas seis anos. – Draco girou os olhos. – E nada apaga o que eu fiz.

– Seis anos com uma super inteligência. – Draco sorriu e eu continuei. – E eu nunca disse que o que você fez deveria ser apagado, você fez o que deveria ter feito com as suas memórias: usou-as na construção de um ser melhor.

– Você acha? – Ele perguntou, aproximando-se de mim.

– Acho que cada um de nós já fez algo errado. – Falei, deixando-me ser abraçada por ele.

– Você não. – Ele observou.

– Eu não sou perfeita, Draco. – Franzi o cenho.

– Para mim, é. – Sorriu, pesaroso. – Demais, para mim.

– Alguém uma vez disse que o tempo transforma chamas em cinzas. – Falei e ele me olhou pensativo.

– E o que isso quer dizer?

– Que o tempo te faz mudar de ideia e crescer. – Respondi sorrindo. – Que desde aquele tempo, se passaram muitos setembros.

– E eu acho que quase nada mudou. – Draco, mirou os pés.

– Quase ofensivo ouvir isso. – Falei, levantando a cabeça dele. – Eu acho que te digo isso sempre, mas eu sei que todos os dias você aproveitou a chance de ser totalmente novo.

– Eu acho que um dos motivos de eu ter me apaixonado por você foi o fato de você enxergar um lado diferente em mim.

– Eu acho que um dos motivos de você ter se apaixonado por mim, foi o fato de eu ser a única a enxergar você como você é de verdade. – Falei, roçando meus lábios aos dele. – E eu gosto do que eu vejo.

It's okay, life is a tough crowd: 32 and still growing up now. Who you are is not what you did… you're still an innocent.

Scorpius tinha onze anos.

Eu tentava não me debulhar em lágrimas enquanto o levávamos para a estação King Cross. Acho que nunca prevemos nossa reação ao levarmos nosso único filho para Hogwarts... É o momento quando ele deixa de ser aquela criança que você vê todos os dias e se transforma em um pré-adolescente que você vê algumas vezes ao ano até que ele se torne um jovem adulto e isso dá uma certa dor.

Draco escondia melhor as emoções, não tirou a mão dos ombros de Scorpius até a hora que ele embarcou no expresso para Hogsmeade.

Aquela estação pouco tinha mudado desde a última vez que pisei nela, há mais de quinze anos. Os trouxas andavam distraídos em seus apetrechos eletrônicos e não notavam quando atravessávamos a parede para nossa plataforma. Scorpius estava com medo de atravessar uma parede, mas Draco pediu que ele fechasse os olhos e os dois atravessaram correndo. Eu não pude deixar de sorrir para a visão.

Não vou dizer que a convivência dos dois fosse algo sempre simples e nada conturbado, Draco era muitas vezes muito rigoroso e Scorpius já com onze anos discordava de algumas opiniões do pai. Mas eles se amavam e isso era o que importava.

Assim que o apito soou. Eu quase sufoquei meu filho em um abraço cheio de recomendações, enquanto Draco apenas trocou um olhar silencioso com Scorpius antes de abraça-lo. Acho que escutei os orgulhosos dizendo que se amavam, mas fingi não escutar.

Então eu tinha conseguido. Tinha mandado meu filho para Hogwarts.

Mas a parte mais difícil de todas para Draco, acho que veio a seguir: sem me avisar ele me puxou pela mão até o quarteto que acenava para os filhos em um vagão do expresso. Harry Potter e Ginevra Potter tinham três filhos e estavam mandando um deles pela primeira vez e o outro pela segunda vez; Ronald Weasley e Hermione Weasley tinham dois e estavam mandando a menina ruiva deles pela primeira vez.

Desejei do fundo do meu coração que eles pudessem desconhecer o passado de inimizade dos pais e pudessem ser amigos. Talvez eles fossem, então eu esperaria que os pais deles esquecessem o passado de inimizade.

– Potter.

– Malfoy. – Harry acenou com a cabeça.

– Weasley. – Draco cumprimentou Ronald, e eu o vi receber uma cotovelada nas costelas antes de responder.

– Malfoy.

– Eu... – Draco começou, respirando fundo. – Acho que vocês tiveram lindas crianças.

– Obrigado. – Harry respondeu. – O seu filho também me parece um bom garoto.

– Espero que nossos filhos possam ser bons amigos. – Hermione disse, com um sorriso terno. – Já que tem praticamente a mesma idade.

– Eu também. – Respondi antes que Draco pudesse dizer algo desagradável, já que era um grande esforço para ele tentar manter a cordialidade.

– Eu sinto muito. – Draco disse o que foi ali dizer, o que estava entalado em sua garganta e que ele gostaria de ter dito para Harry, Ronald e Hermione há muito tempo.

Talvez o que tivesse mais resistência em perdoar fosse Ronald, por isso se manteve em silêncio enquanto Hermione sorria e Gina apertava a mão de Harry.

– São águas passadas. – Harry responde por fim.

– Sim, são águas passadas. – Draco completa, apertando a mão dele e se despedindo de todos.

A vida pode ser um palco com uma plateia difícil, mas Draco ainda estava aprendendo a administrá-la; tinha trinta e quatro anos e ainda estava crescendo. A pessoa que ele era não se resumia no que ele fez, mas o que ele fez ajudou a formar a pessoa que ele era.

It's never to late to be brand new.


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