Nunca contei a ninguém o que havia acontecido com Dastan, mas mesmo depois de anos, as lembranças daquele dia ainda estão vivas em minha mente.

Capitulo 15 – Talvez eu sirva pra alguma coisa. Talvez.

Anualmente, Atlanta tem um festival comemorando o dia em que Poseidon tomou a cidade principal de Oceanus, isso a milhares de anos. Havia apresentações em frente ao castelo para os cidadãos e os conselheiros do rei, além do próprio, é claro.

Na verdade, isso era muito estranho (pra mim, pelo menos). Nunca imaginei que uma cidade que ficava abaixo d’agua tivesse laboratórios, escolas, centros de artes ou lojas de roupas.

Em frente as portas do castelo foram colocadas varias cadeiras para que eu e todos do parlamento ficassem sentados e bem acomodados para o espetáculo – a cadeira de Dastan também foi posta, apesar dele não aparecer.

Devo admitir que as apresentações eram realmente boas. Com muitas cores diferentes e danças estranhas. Mas o que realmente me chamou a atenção foi um grupo de crianças e adolescentes que estavam vendo o espetáculo.

Me curvei levemente para a direita, onde Lucan estava sentado.

–Quem são aquelas crianças? – perguntei baixinho

Lucan olhou pra mim por um instante, antes de franzir o cenho.

–Deve estar falando das crianças do orfanato – disse

Orfanato? Que orfanato?

–Temos um orfanato? – perguntei, arregalando os olhos.

–Sim – responde com um meio sorriso no rosto – O lugar ficava perto do castelo, ate que foi atacado por um dos monstros marinhos de Oceanus. As crianças que não morreram no ataque escaparam para uma casa abandonada que fica fora da cidade. Se não me engano, ainda estão lá, sob a custodia de um dos antigos professores.

Ainda chocada, continuei olhando pra ele, sem falar nada.

–Muitas são de pais mortos na guerra, ou filhos fora do casamento e é claro que, alguns são híbridos – vendo o meu olhar confuso, continuou – São filhos de tritões ou sereias com humanos. Depois de certo tempo na terra, eles acabam vindo para o mar. Pura necessidade, é claro. Mas são poucos os pais marinhos que ficam seus filhos híbridos, então as crianças são mandadas para o orfanato.

–Isso é meio cruel – comentei – Então, elas não tem um lugar adequado para morar?

Lucan apenas negou com a cabeça.

Fechei os olhos, enquanto uma ideia começava a se formar em minha mente.

–Sei que Poseidon tem uma mansão fora da cidade que não esta me uso.

–Sim

–então, quero que acomode as crianças lá.

–O que?

–Me ouviu muito bem, Lucan – falei –Quero que as crianças fiquem lá.

–Senhora, aquele lugar não...

–Sei que teremos que fazer algumas reformas, é claro – cortei ele – e sei que você fara um trabalho maravilhoso. Depois contrate professores, uma governanta e algumas pessoas que possam cuidar da casa... Ah, e cozinheiras. Acho que esse é o tipo de projeto que não precisa passar pelo conselho, não é mesmo? Afinal, a casa é minha.

–Mas, rainha...

–Muito bem lembrado, Lucan – cortei – Sou a rainha e acabo de decidir que as crianças terão um novo lar. É seu dever me obedecer e sei que o fara. Agora, por favor, vamos apenas assistir o espetáculo.

Pela primeira vez, senti que estava fazendo algo de útil, e isso me deixava feliz.

–*-

Meus dedos estavam sujos de chocolate (tem chocolate abaixo d’agua!) e eu andava com uma lentidão exagerada. Era assim que eu estava nos últimos dias: comendo e na maior parte do tempo dormindo.

Entrei no quarto com uma enorme vontade de me atirar na cama e não sair mais dela. Ou de me casar com o travesseiro, o que era impossível, já que eu já era casada.

–Annabel?

Tirei os olhos do bolo pra olhar a voz grossa que me chamava e deixei o prato cair, arregalando os olhos. Porque, a minha frente, com os olhos azuis cheios de fúria e decepção, esta o próprio deus do mar.