O outono tinha chegado de repente naquele ano. A manhã do dia primeiro de setembro estava revigorante e dourada como uma maçã, e, quando eu e minha família atravessamos a rua, em direção à grande estação encardida, a fumaça que os carros expeliam e a respiração dos pedrestes cintilavam como teias de aranha no ar frio. Uma grande gaiola sacudia em cima do carrinho que eu carregava; a coruja dentro dela piava indignada.

Os passageiros olhavam curiosos para a coruja quando minha família se encaminhou em ziguezague para a barreira entre as plataformas nove e dez. Porém, apenas os bruxos sabiam que, na verdade, ali existia uma outra plataforma, a Plataforma 9 3/4, que ia rumo à Hogwarts. Atravessamos, então, com meu irmão com o rosto lavado de lágrimas, dizendo:

- Eu também quero ir, papai! Não é justo, a Rose pode ir!

- Ela já completou onze anos, querido. - disse minha mãe, pacientemente.

Isso não pareceu alegrar muito meu irmão, que continuou com a cara fechada.

- Vocês vão escrever para mim, não vão? - perguntei, ansiosa

- Claro, todo dia se você quiser. - respondeu meu pai

- Todo dia não - repliquei depressa - Eu li que os alunos recebem uma carta de casa mais ou menos uma vez por semana.

- Quantos livros você já leu sobre Hogwarts? - perguntou meu pai, rindo - Ah, já sei. Você herdou a coleção da sua mãe. Então já leu Hogwarts: Uma História.

- Já. - eu disse

Logo, meus primos se juntaram a nós. Os Potters eram uma mistura: alguns com cabelos pretos e outros com cabelos ruivos.

Lily e Hugo estavam conversando sobre qual Casa seriam selecionados, quando finalmente fossem para Hogwarts.

- Se você não for para a Grifinória, nós o deserdaremos - ameçou meu pai -, mas não estou pressionando ninguém.

- Rony! - exclamou minha mãe

Lily e Hugo riram mas eu e Albus ficamos preocupados. Se eu fosse para uma Casa, seria a Corvinal. Não era corajosa, ambiciosa ou muito leal. Era somente inteligente.

- Veja só quem está ali - exclamou tio Harry

Um homem, quem meu pai dissera ser Draco Malfoy, estava parado com a mulher e o filho. Usava um sobretudo escuro abotoado até o pescoço. Seus cabelos eram loiros claros, e tinha um rosto pontudo. Seu filho se parecia tanto com o pai, como Albus parecia com tio Harry. Draco Malfoy nos viu olhando para ele, deu um breve aceno com a cabeça e se afastou.

- Então aquele é o pequeno Scorpius - comentou meu pai em voz baixa - Não deixe de superá-lo em todos os exames, Rosie. Graças a Deus você herdou a inteligência da sua mãe.

- Rony, pelo amor de Deus. - O tom de mamãe mesclava seriedade e vontade de rir. - Não tente indispor os dois antes mesmo de entrarem para a escola!

- Você tem razão, desculpe - mas, incapaz de se conter, ele acrescentou - , mas não fique muito amiga dele, Rosie. Vovô Weasley nunca perdoaria se você casasse com um sangue-puro.

Acordei assustada. As palavras do meu pai ecoavam em minha cabeça. Eu me sentia culpada. Muito culpada.

Tentei lembrar onde estava. Ah, sim, estava na Floresta Proibida com Scorpius. Na noite passada, nós passamos horas conversando. Sobre mim, sobre ele, sobre nós. Eu ainda me sentia um pouco confusa com relação a isso tudo, mas uma coisa era certa: nós queríamos ficar juntos.

Abri meus olhos e estava abraçada a Scorpius. Nós estávamos deitados no chão, embaixo de uma árvore grossa. A terra era fofa, então a falta de um travesseiro não importava. Quanto ao frio, Scorpius me emprestara seu casaco.

Tirei minha mão de debaixo de seus braços, lentamente, para ele não acordar. Mas depois de um tempo, ele acordou.

- Oi. Ficou acordada a noite toda? - perguntou, pois eu estava sentada

- Não. - respondi bocejando - Que horas são?

Ele consultou seu relógio:

- Seis da manhã. Acho melhor irmos para nossas Salas Comunais antes que alguém perceba que sumimos.

- Está bem - concordei

Ficamos em silencio na caminhada de volta para o castelo. O ar cheirava a verão e o sol refletia no lago, onde ontem, Scorpius me abraçou pela primeira vez. Tudo agora me fazia feliz, por tudo eu queria cantar.

Começei a cantarolar:

"Runnin' like a hairy troll
Learnin' to rock and roll
Spinnin' 'round like a crazy elf
Dancin' by himself
Boogie down like a unicorn
And no stoppin' till the break of dawn
Put your hands up in the air
Like an ogre, just don't care"

Scorpius, reconhecendo a letra cantou junto comigo:

"Can you dance like a hippogriff?
Na na na na na na na na na
Flyin' off from a cliff
Na na na na na na na na na"

Começamos a rir muito, juntos, em direção ao Castelo.