Geek.com escrita por H Lounie


Capítulo 2
Viva la Relativity




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Deixem-me contar como Thomas Madison pegou fogo.

Primeiro, bem, algumas pessoas diriam que foi totalmente minha culpa. Em todo caso, estávamos fazendo testes de memória, de visão, de QI, de sangue e todo tipo de exame que você possa imaginar, enquanto os outros candidatos a membros de fraternidade estavam por aí em encontros relâmpagos e roubando beijos e correndo ou fazendo qualquer coisa mais divertida do que cálculos quânticos.

A primeira visão que eu tive do interior da Shield foi um tanto perturbadora. Primeiro, existem apenas três garotas e elas são bem excêntricas. Cassandra Grint, ou Cassie, como ela pediu pra ser chamada, é um tipo bem risonho, baixinha, usa saia até o joelho, meias que quase chegam a saia, colete e camisa. Pra fechar com chave de ouro, uns oclinhos século passado e aparelhos nos dentes grandes. Chamam-na secretamente de dentinho, como me confidenciou Thomas Madison, pouco antes de eu atear fogo nele. Tínhamos também Lynn Wagarth, uma morena alta – e quando digo alta não estou brincando – que veste calças jeans cintura alta sobre camiseta e tênis converse de aparência realmente grande. Chamam-na carinhosamente de Alceu. Sim, Alceu e Dentinho, Rocky e Bullwinkle. E por último, mas não menos importante Valorie Dawson, essa última era menos exótica, estava vestida com jeans e camiseta do Pokémon, usava óculos e aparelho nos dentes e tinha um cabelo um tanto rebelde.

Eu nunca me senti tão bonita em meio a garotas antes. Quer dizer, eu, Liv McDowell, a versão ruiva da Freja Beha-Erichsen* sentindo-me bonita em meio a outras garotas. Isso é por baixo um record, mas realmente, as garotas da Shield precisavam de ajuda do quesito aparência. Não que eu fosse exatamente uma pessoa ligada à moda, eu usava skinny, camiseta, jaqueta e converse ou algo similar. Ou moletom e pijama. Nunca nada muito longe disso e eu estava muito bem assim, obrigada. Usava óculos para ler ou pra ficar no computador, mas tratei de escolher um geek chic (embora deva confessar aqui que já cometi o erro de comprar um parecido com o do Harry Potter), pra acompanhar o movimento e graças à Odin eu não usava mais aparelho e não tinha sardas no rosto como a maioria dos ruivos. E as espinhas também fazem parte de um passado que eu luto para esquecer.

No total, havia nove meninos, sem contar Peter e Daniel. Tinha um tipo baixinho e gordinho, cheio de espinhas no rosto, a quem apelidaram de Xbox e esqueceram de contar-me o nome verdadeiro. Outro alto e com cabelo oleoso caído no rosto se chamava Isaac, e Thomas – que antes do acidente do fogo parecia ter gostado de mim – disse-me que ele era um hacker do mal, um cracker, desenvolvedor de vírus, worms, trojans e outros malwares. Eu me lembraria de manter certa distância desse mau elemento se ficasse ali. No mais, lembro-me vagamente de nomes e apelidos como Pac man, que era o cara com o sorriso grandão; Big John, o grande menino prodígio que na verdade era muito baixinho, me fazendo pensar em Hobbits; Aang, o careca precoce; Luke (fiquei muito tentada a dizer “Luke, eu sou seu pai”, mas resisti bravamente); Sieghart e Albert doze horas, de quem se saberá a história das horas logo mais.

Comigo, tentando entrar na casa estavam o asiático Yugi Daniels, já apelidado de Yu-Gi-Oh, Gregorie O’Hara, cuja semelhança com certo ator de um seriado foi tão gritante que todos de imediato passaram a chamá-lo de Sheldon e ainda o miudinho Zachary O’Hanoly, chamado apenas de Zac, imagino que ele ficou sem apelido porque ele parecia prestes a chorar ou desmaiar, o que viesse primeiro, então todos devem ter achado melhor não brincar. Albert doze horas até chegou a sugerir que me chamassem de viúva negra, pela cor do cabelo, mas eu devo ser tão magrela e sem graça que o apelido aparentemente não foi aceito, o que de fato me deixou meio ofendida, mas que seja.

Passamos os quatro pelo primeiro teste, que tratava da resolução de alguns cálculos básicos. No começo eu estava meio nervosa, então as perguntas me pareceram algo como “É época de laranja, sabendo que o peso estimado de um gato siamês é de três quilos, e que um cachorro vive 17 anos quando um elefante vive 20 e que a demanda do suco de abacaxi decaiu consideravelmente, com base na relação candidato/vaga dos estágios da Google, calcule a massa do sol”. Mas no fim era apenas calculo infinitesimal, o que é moleza perto de oferta e demanda de suco de abacaxi e elefantes que vivem 20 anos.

O segundo teste era raciocínio lógico, o terceiro conceitos básicos de física moderna e construção de teorias alternativas, moleza, mas foi aí que perdemos Zac, pobre Zac. O quarto, perguntas sobre a fraternidade, sua fundação e fundadores e todo o mais. E então, pratica de laboratório e fogo em Thomas Madison.

Eu devo ter dito algo inteligente como “Cara, você ta pegando fogo”. Não que ele não tivesse percebido. Eu não era exatamente boa em magia elemental do fogo, quer dizer, em pratica laboratorial com fogo. E aqueles vidrinhos de materiais combustíveis tão perto. Mesmo depois do incidente, continuei a tentar terminar o maldito experimento. Enfim, sem saber direito se me dei bem ou não, saí do laboratório, pronta para juntar as malas e ir para a rua, de qualquer jeito. Eu tinha desistido do dormitório da Universidade então se não fosse aceita na Shield era rua pra mim. E para casa eu não voltaria, papai iria virar o Hulk e me lançar de Washington até o vale do silício com um golpe só.

Terminado o teste do fogo com os outros – que por sinal saíram excepcionalmente bem, aparentemente magos treinados em tal magia – todos vieram para a sala, onde Daniel Dell nos analisava como se quisesse escolher qual de nós iria beber os ingredientes outrora usados na experiência do fogo. Os demais membros da Shield observavam mais a distancia enquanto eu me esforçava a capturar Peter com a minha visão periférica, mas tal missão me parecia um tanto impossível no momento.

– As demais fraternidades estendem seus testes por alguns dias, e enquanto esperam o resultado, os candidatos desfrutam das dependências da fraternidade. Não os candidatos da Shield. Não podemos permitir que conheçam o interior da fraternidade, não sem ser iniciado corretamente. Por isso, vamos ao ultimo teste, o teste de campo.

Só estava esperando o momento de ser chutada daquele lugar, mas Daniel não disse nada. Mas agora, um teste de campo? Ótimo! Eles iriam nos testar fisicamente e era aí mesmo que eu ia dançar, pois não consigo correr nem 500 metros, só se for no vídeo game.

Saímos atrás de Daniel e os demais Shield’s pelo gramado da frente. Percebi que uma festa rolava na fraternidade ao lado, era a que Chris tinha citado, ΔΩΔ ou qualquer nome grego e não criativo do tipo. Apostava alto que aquela era a fraternidade dos tipos pegadores/atletas. As garotas estavam seminuas e os rapazes, bem, os que não estavam desmaiados de tão bêbados estavam aproveitando alguma coisa.

Eu me senti tão estupidamente nerd nesse momento. Estávamos seguindo Dell como cachorrinhos enquanto eles estavam fazendo festa.

– Ei ruiva! – Chris gritou da janela do segundo andar de Paradise. Como ele me viu? Não sei, mas meu cabelo meio que permite isso às vezes – Isso que estão indo fazer vai demorar muito? Você pode passar aqui depois. Esta festa está meio... Insana, entende?

Um par de mãos femininas o agarrou e o puxou para dentro do quarto, aquilo me fez revirar os olhos. Quer dizer, não que eu estivesse interessado em Chris (ou como se fosse possível ele se interessar por mim), Peter era muito mais o meu tipo, mas mesmo assim, o que quer que estivesse rolando naquele quarto me incomodava um pouco. Continuamos seguindo Dell até sermos parados por um grupo de garotos. A tensão ali era quase tangível, era fácil afirmar que aquela rixa era antiga.

– Nerds! – Saudou um deles, o que estava agarrado a uma loira daquelas que parecem uma coisa completamente falsa vestida em shorts jeans e sutiã.

Os outros neandertais riram, as garotas oxigenadas também. Daniel os encarou como se fossem portadores do mal de Hansen, prontos para nos atacar e nos transformar em zumbis cujas partes do corpo se desprendem do resto.

– Olha se não é o rei Adam delta-ômega-delta e sua corte de idiotas. Venham, é só ignorar – findou, dirigindo-se a nós.

– Esse ano Danny – Disse o tal Adam, tomando um gole de algo que cheirava muito como gasolina – Vamos chutar esse seu bando de esquisitões daqui até o Canadá. E aí vamos usar sua batcaverna pra criar um enorme bar grego.

E eles saíram cambaleando em direção a ΔΩΔ, como um bando de macacos excitados, não que eu já tenha visto um bando de macacos excitados, mas isso é algo que você pode imaginar.

– Isso foi uma ameaça? – Perguntou Xbox, com cara de paisagem, as espinhas de seu rosto brilhando a luz do luar, uma visão realmente perturbadora.

Daniel apenas revirou os olhos e pediu para que o seguíssemos. Não paramos até estar em frente ao tão falado CO Tech, o centro de pesquisas tecnológicas. Passamos por um portão lateral e contornamos o prédio, saindo no fundo, em um enorme gramado. É agora, pensei, é agora que vão nos fazer correr ao infinito e além.

– Bem, bem vindos ao campo experimental do CO Tech. Acreditem, ele parece bem maior durante o dia. O que teremos aqui é uma mistura de tudo que vimos até agora, cálculos, raciocínio lógico, dados históricos e manipulação de elementos combinados em um grande...

Pronto, em um grande circuito de corridas. É o fim.

– RPG* – Daniel finalizou sorrindo e piscando um olho para mim, de forma tão cúmplice que quase cheguei a vomitar. Seus cabelos penteados para trás brilhavam devido as luzes vindas do prédio. Ele estava a cara de deus Loki em Os vingadores – Quem conseguir passar por todos os desafios, será aceito na shield. Simples assim.

Simples assim, um falsete excelente da voz de Daniel se formou em minha mente.

Peter nos entregou uma caixinha de madeira pequena. Dentro dela havia um pedaço de papel e um rolo estranho, desses que tem todas as letras do alfabeto em anéis giratórios. Um criptex*, como do código da Vinci! Fantástico. A parte ruim era que se eu errasse a resposta ou tentasse forçar o rolo, o conteúdo se perderia para sempre, o papiro seria desintegrado pela solução acida dentro do rolo. Esses malditos pensaram em tudo, eu precisava de uma resposta com cinco letras, pois existiam cinco anéis giratórios no criptex.

O pequeno papel que estava na caixa dizia:

Três homens, que participavam de uma expedição na floresta, foram capturados por canibais. Foi dada a eles uma chance de escapar com vida. Os homens foram colocados em fila e amarrados a estacas, de maneira que o que estava no fim da fila podia ver as costas dos seus dois companheiros, o que estava no meio podia ver as costas de companheiro da frente, e o que estava na frente não podia ver nenhum dos dois companheiros. Depois, foram mostrados 5 chapéus aos homens: 3 pretos e 2 brancos. Os homens foram vendados e cada um recebeu um chapéu, sendo que os 2 chapéus restantes foram escondidos. As vendas foram tiradas e os canibais disseram que, se um dos homens dissesse qual era a cor do chapéu que estava usando, os 3 sairiam com vida. O tempo passava e ninguém dizia nada. Finalmente, o homem da frente, que não via seus companheiros, acertou a cor de seu chapéu.

Qual era a cor do chapéu?

Pensei um pouco, aquilo não era tão difícil, apenas lógica. O homem que estava no fim da fila podia ver quais chapéus estavam usando os dois da frente. Então se os chapéus dos dois fossem brancos, ele saberia que o seu chapéu seria um preto, mas já que ele não disse nada, com certeza viu pelo menos um chapéu preto à sua frente.

Seguindo esse raciocínio, homem que estava no meio da fila percebeu que o de trás não pôde definir a cor de seu chapéu. Deve ter deduzido que deveria existir pelo menos um chapéu preto, usado por ele ou pelo homem da frente. Se ele agora visse que o da frente usava um chapéu branco, poderia definir que o dele era preto. Porém, se ele também se manteve calado, só poderia querer dar a entender que o chapéu que ele via à sua frente era preto. Assim, se usasse dos mesmos procedimentos lógicos já usados pelos outros homens, o da frente só poderia deduzir uma coisa. Peguei o criptex e girei os anéis com extremo cuidado, até a palavra desejada se formar a minha frente: Black. Preto.

Simples assim. Percebi então que fui a última a desvendar o “enigma”, e que Yu-Gi-Oh e Sheldon já não estavam mais ali. Peter me olhava levemente preocupado e Dell, eu não sei dizer se aquilo era uma tentativa de flerte mal sucedida ou se ele gostava de piscar e olhar como quem quer seduzir mais obviamente não consegue. Enfim, abri o meu criptex e me deparei com outro pedaço de papel.

Seis expressões aritméticas de resultados muito simples: 37, 23, 49, 122, 9, 10. Não significavam nada para mim, não eram conhecidos, não formavam uma sequência numérica, eram apenas números aleatórios. Cansada do olhar especulativo dos shield’s resolvi sair dali, como se já tivesse encontrado a resposta. As chances de eu conseguir passar por este teste são completamente reais, claro. Tão reais quanto as de levar o Nobel de física esse ano.

Tentei ordenar os números de forma diferente em minha mente, ainda assim nada. Já estava cogitando sentar e chorar, quando algo me ocorreu, aqueles números, de certa forma se assimilavam com as coordenadas de Palo Alto que papai havia usado no GPS quando saímos de Washington. Usando o GPS do celular encontrei 37° 23' 49" N 122° 9' 10" W, como sendo a coordenada de um ponto específico do campus da Valley. Próxima parada: museu tecnológico do CO Tech. E talvez eu leve o nobel de física esse ano.



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Notas finais do capítulo

* Freja Beha: http://themodernguilt.files.wordpress.com/2011/04/tumblr_lj4vngh9bw1qa42jro1_1280.jpg?w=450&h=300
*Críptex é uma palavra criada por Dan Brown ( união de criptologia e codex.É um cofre no formato de cilindro supostamente criado por Leonardo Da Vinci. Hoje ele está sendo fabricado para usos comerciais, tem a forma cilíndrica, sua tranca é feita por um conjunto de anéis com todas as letras do alfabeto gravadas para efetuar a senha e abri-lo. O objetivo de um críptex é esconder uma mensagem de tal forma que somente a entrada correta é capaz de revelá-la, abrindo-o. Qualquer tentativa de abri-lo à força bruta resulta na destruição imediata de seu conteúdo.
*RPG, sigla de Role-Playing Game, que pode ser traduzido para jogo de interpretação de personagens, permite que os participantes assumam papéis e desenvolvam narrativas de forma colaborativa.