Tornado escrita por JulianeGrissomSidle


Capítulo 1
Capítulo 1




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Certa vez, quando eu tinha uns nove anos, perguntei a minha mãe o que era um tornado. Ela, que no momento se alternava entre bater a massa do bolo e impedir que minha irmã comesse giz de cera, resumiu-se a arquear suas elegantes sobrancelhas antes de responder: "Bem, querida... Um tornado acontece quando uma grande quantidade de vento se une e rodopia por aí causando arruaça. Ninguém prevê a hora em que ele resolve aparecer, só se sabe que é melhor cair fora dele o quanto antes. A menos, é claro, que alguém queira ser estúpido o suficiente para chegar perto e ver no que dá". Ela piscou para mim marotamente e voltou a seus afazeres. Eu, por minha vez, não pude me impedir de refletir sobre o intrigante fenômeno.

Em meus devaneios infantis concluí que não seria tão ruim se um dia eu topasse com um tornado. Mal sabia eu, que anos mais tarde, meu desejo se realizaria. Era mais uma plácida sexta-feira no laboratório de criminalística de Las Vegas, e lá estava eu, assistindo a agitação do tornado que atende pelo nome de Sara Sidle. Bem... Eu e todos do turno da noite. A morena andava pelo corredor a passos largos, sendo seguida de perto por Ecklie. A conversa entre eles não parecia nada amigável.

— Eu já disse que não vou tirá-los! — Disse Sara tentando manter o tom brando. Ela não estava tendo muito sucesso em sua missão. — Mas que droga! Desde quando usar óculos escuros em um recinto fechado é contra a lei? — Ah, então era isso. Eu bem que achei estranho o fato dela não ter tirado os óculos desde que nosso expediente começou, mas sabe... Primeiro que estamos falando da Sara, e segundo que ela fica tão absurdamente linda quando os usa!

— Não quero saber de desculpas, Sidle! — Bradou Ecklie. Archie, que estava por perto, levou um susto tão grande que imediatamente se refugiou em sua sala. — Esse laboratório é o segundo em nível de seriedade do país, como vamos manter esse título se um de seus integrantes decidiu agir como uma estrelinha do rock? — Sara bufou. Tive que abafar uma risadinha na hora. Por incrível que pareça, o idiota do Conrard tinha razão. Ela parecia mesmo uma estrela do rock. E eu era sua fã número um, sedenta de atenção.

— Não seja ridículo, Ecklie! — Engoli em seco. Acho que essa garota perdeu completamente o juízo.

— Sidle! Você está falando com o diretor assistente desse lugar! Exijo respeito de meus subordinados e...

— Você está perdendo seu tempo! — Interrompeu-o Sara. — Leia meus lábios, Ecklie: Eu. Não. Vou. Tirar. A. Droga. Dos. Meus. Óculos! — Um mar de 'Oh!', 'Ah!' e 'Ferrou!' inundou o prédio. A careca de Ecklie estava prestes a explodir de tão vermelha que ficou.

— Quero um motivo para isso, Sidle, e para o bem de sua avaliação é melhor que seja válido. — Disse cerrando os dentes.

— Ora, por favor! Deixe-me em paz por um minuto!

— Diga o motivo agora! — Esbravejou Conrard.

— Não! — Rebateu Sara com igual ferocidade.

— Sidle, minha paciência está se esgotando! — A morena estava pronta para um novo ataque quando foi interrompida.

— Que diabos está acontecendo aqui? — Questionou Grissom.

— Eu é quem pergunto, Gil! Que diabos de supervisor é você que permite um comportamento insolente por parte dos CSI's? — Disparou Ecklie cuspindo em todas as direções.

— Ao que me consta, todos os meus pupilos têm assumido atitudes respeitáveis até hoje. — Gil replicou com frieza. — Não sei ainda o que a Sara fez de tão grave, mas tenho certeza de que...

— Não quero saber qual atitude você vai tomar, Grissom! — Berrou Ecklie batendo com um punho na parede. Assustei-me quando ele voltou sua atenção para Sara. Parecia que ele ia bater nela a qualquer momento. — Sidle, você está suspensa! Mais cinco dias sem pagamento!

— Conrard, reconsidere... — Pediu Grissom. Ao olhar para meus colegas, percebi que eles espelhavam a minha expressão de indignação.

— Deixe isso pra lá, Griss. — Disse Sara. — Tanto faz. — E com isso, ela abriu espaço entre a multidão que havia se formado para ver a discussão. Nick e Warrick deram-lhe tapinhas fraternais nas costas, e Greg lançou-lhe um olhar de simpatia. Com um sorriso enviesado, Sara se dirigiu aos vestiários.

— Ecklie, eu gostaria de falar com você em particular. — Anunciou Gil. — Pessoal, de volta ao trabalho.

Enquanto Grissom conduzia um Ecklie furioso até sua sala, todos começaram a se dispersar em meio a fofocas. O falatório era tanto, que eu só conseguia distinguir as palavras "Sara", "Não merecia", "Ecklie", "Careca" e "Imbecil". A verdade é que minha mente estava longe; mais precisamente a cem metros dali, onde se localizava o vestiário. Perdi-me tanto em meus devaneios, que me sobressaltei quando senti uma mão em meu ombro.

— Vá lá, Cath. — Disse-me Nick. Virei-me para encará-lo com um sorriso confuso.

— Ir aonde, Nick? — Perguntei, embora já soubesse a resposta.

— Ela ainda está no vestiário. Mas apresse-se, porque se eu a conheço bem, ela não vai se demorar por aqui. — Informou-me. O texano piscou um olho, sorriu marotamente, e entrou no laboratório de Greg. Ainda atordoada por conta do conselho inesperado de Nick, caminhei um tanto vacilante até o vestiário.

A primeira coisa que ouvi, foi um forte baque contra a superfície metálica dos armários. Fiz careta. Aquilo deve ter machucado. Entrei silenciosamente no pequeno recinto e me sentei em um dos bancos. Sara ainda não havia me visto, o que me permitiu observá-la sem receio. Ela estava com a cabeça encostada na porta de seu armário enquanto tentava controlar sua respiração ofegante. Sua mão esquerda estava vermelha e com alguns arranhões, provável resultado do soco. A morena não havia tirado os óculos escuros.

— Droga. — Suspirou ela. O timbre de sua voz estava tão cansado, que tive a subta vontade de pegá-la no colo, afagar seus cabelos e sussurrar palavras doces em seu ouvido. Mas me conti. Na certa, Sara não queria muito contato físico no momento. Preferi usar a estratégia mais piegas e segura do mundo: limpei a garganta para anunciar minha presença.

— Sara? — Disse tentativamente. Ela se virou subitamente e tentou recuperar sua compostura.

— Catherine... — Falou a morena com voz rouca. Por um momento, senti arrepios na espinha ao imaginar esse timbre me acordando todas as manhãs, porém, não me permiti migrar por esses pensamentos por muito tempo. Minha missão ali era outra.

— Tá tudo bem? — Questionei-a antes de considerar o quão idiota aquela pergunta havia soado. Como ela poderia estar bem se havia acabado de ganhar um suspensão? Parabéns, Willows. Você se superou no quesito estupidez.

— Estou. É isso aí. Eu. Ótima. — Replicou-me Sara não se importando com a estranha ordem das palavras. Dei uma risadinha.

— Minha pergunta foi retórica, né? — Isso arrancou-lhe um sorriso.

— Não, é sério. Estou ótima. Até que cinco dias de folga me farão bem. — Soltei uma gargalhada amistosa.

— Você é realmente única, Sidle.

— Isso foi um elogio, Willows? — Inqueriu-me chegando mais perto. Senti a temperatura do meu copo aumentar imediatamente. Considerei a possibilidade de mandar meu coração parar de gracinhas e deixar de lado suas batidas frenéticas, mas a parte do meu cérebro que adora sadomasoquismo ignorou meu pedido supérfluo.

— E se tiver sido? — Rebati inteligentemente.

— Então vou ter certeza de que você não é imune ao meu charme. — Disse colocando uma mecha de meu cabelo atrás da orelha. Ok, certo. Talvez eu não tenha sido tão esperta assim.

— Convencida. — Foi tudo o que eu consegui replicar. Sara riu, acariciou minha bochecha e voltou sua atenção para o armário. Fiquei parada feito uma boba tentando gravar o gentil toque de suas mãos contra minha pele. Ela tinha razão. Eu não estava imune a sua mera presença.

— Cath, eu vou embora. — Acordei de minha sina hipnótica ao ouvir, novamente, o som de sua voz. Resumi-me a balançar a cabeça. Com um sorriso enigmático, Sara pegou-me pela cintura, beijou-me suavemente na testa e começou a caminhar em direção a porta.

Entenda, geralmente eu sou uma pessoa controlada. Até aquele episódio, eu torcia o nariz para bobocas apaixonados, abominava a teoria de mãos suadas e joelhos tremendo por um simples contato físico, e tinha vontade de esmurrar quem soltava aquelas risadinhas insuportáveis só pelo fato de receber um bilhetinho com os dizeres: "Bom dia, amor!". Quem diria que bastava um simples beijo de Sara Sidle para que eu chutasse o bom senso em direção ao espaço e a impedisse de sair do vestiário agarrando-a pelo braço.

— Sara, espere! — Pedi-a girando seu corpo em um ângulo de 180 graus. Meu movimento foi tão brusco, que colidi em cheio com a morena. Perdi meu equilíbrio e cai em cima do banco trazendo Sara para meu colo. Além de nossos grunhidos de surpresa, escutei um sonoro 'CREQUE!' vindo do chão. Soube imediatamente que os óculos de Sara haviam se partido. Maravilha.

— Cath! Você está bem? — Perguntou-me Sara se levantando em um sobressalto. — Eu não te machuquei, não é? Catherine? — Por mais que eu quisesse assegurar-lhe de que não havia nenhum dano aparente em mim, eu não conseguia. Pela segunda vez em menos de cinco minutos, aquela mulher conseguiu me fazer ir a lua e voltar em um frenesi impressionante. Nossos corpos se encaixaram perfeitamente bem; era como se fossemos duas peças de um quebra-cabeça raro, quase impossível de se completar, mas ridiculamente estonteante quando terminado. Senti suas mãos segurando meu rosto delicadamente; forçando-me a encará-la.

— Cath, olhe para mim. — Pediu-me com certa urgência. — Você tá sentindo alguma coisa? — Sorri debilmente e murmurei um displicente 'aham'. Porém, quando vi sua agitação, me obriguei a aterrissar na terra.

— Desculpe, Sara. Eu tô legal. De verdade. — Tomei coragem e pousei uma mão em sua bochecha. Nesse momento ela cerrou os dentes e fez uma careta de dor. Franzi o senho preocupada.

— O que foi? — Sara nada respondeu, apenas começou a se esquivar de mim. — Ei! Não tão depressa, Sidle! — Anunciei segurando seus pulsos. Só que ela era mais alta e forte do que eu, então a luta não foi fácil.

— Não, Catherine! Solta! — Reclamou Sara puxando suas mãos para si.

— Não! O que tem no seu rosto? Sara! — Continuamos naquele embate frenético. A teimosia de ambas não permitia que aquela situação infantil terminasse, mas não ligávamos para o quão patéticas estávamos sendo. Por fim, quando meus músculos estavam prestes a desistir da batalha, decidi dar ouvidos aos conselhos do meu consciente. Juntei toda a energia restante do meu corpo e empurrei Sara contra um dos boxes.

— Mas o que... — Começou ela surpresa. Não dei a ela tempo de terminar a frase. Aproveitei-me de seu choque para trancar a porta e postar-me de frente para a fechadura.

— Agora você não tem saída, Sidle. — Apontei o óbvio.

— Sai, Catherine! Abra essa porta! — Grunhiu a morena tentando me afastar da maçaneta. Continuei firme.

— Não vou abrir a droga dessa porta até você me mostrar o seu rosto. — Asseverei. —Deixe-me ver. Vamos, Sidle! — Sara desviou o seu rosto de todas as maneiras possíveis, mas, por fim, segurei seu queixo com firmeza. Ao verificar o lado esquerdo de sua face, me deparei com um hematoma aparentemente doloroso na altura de seu olho. O roxo era uma afronta a sua pele de porcelana e, repentinamente senti uma fúria fora do comum invadir o meu sistema.

— Sara... Quem fez isso com você? — Questionei-a. Inconscientemente, acariciei o machucado fazendo-a soltar um pequeno gemido.

— Ninguém. Eu cai. — Respondeu ela tentando se afastar de mim. Fechei ainda mais a distância entre nós, impedindo-a de fugir.

— Não subestime a minha inteligência, Sara. Quem foi o canalha que fez isso com você?

— Ninguém! Não foi ninguém, tá legal? — Exaltou-se. — Abra essa porta, Cath!

— Mas que inferno! — Berrei. Não me importava se o laboratório inteiro ouvisse. Eu ia descobrir o que tinha ocorrido de um jeito ou de outro. Se ela era teimosa, eu também era. — Escute aqui, Sidle: eu não vou te deixar em paz enquanto você não me disser o que diabos aconteceu! — Sara tentou me cortar mas não permiti. — Falo sério! Por isso , eu acho melhor você ir abrindo a boca logo, porque não me importo de ficar aqui o dia todo. — A morena suspirou com irritação.

— Eu briguei com um otário. Feliz agora? — Contou-me.

— Não, na verdade não estou. Quero saber o motivo. — Usei minha melhor expressão de severidade para poupá-la de inventar mais argumentos. Sara olhou para o teto como se ele fosse se abrir e sugá-la antes de responder:

— Não venha me dizer que você não quis esmurrá-lo na sala de depoimentos, Catherine. — Disse Sara em um sussurro. — Porque eu, certamente, não cairia nessa .

Meu sangue gelou na hora. Sara tinha brigado Adam Novak, o idiota que tinha me atormentado no bar e me comprometeu em meu caso mais recente.

— Por que você fez isso? — Perguntei-a com a voz fraca. Minha cabeça estava zonza e meus joelhos começaram a fraquejar.

— Você ainda pergunta? — Disse Sara contornando gentilmente a fina cicatriz em que Novak havia batido a porta do carro. — Aquele desgraçado te agrediu, comprometeu sua reputação no laboratório e ainda teve a coragem de cercar a Lindsay e sua mãe. — Disse cerrando os dentes. — Eu tentei ter uma conversa amigável com ele, mas... Bem, pelo menos ele não vai poder ter mais filhos depois do chute que eu dei no... Você sabe onde. — Tive que rir nessa hora. Sara sorriu e relaxou um pouco. Todo aquele surto de emoções me fizeram querê-la cada vez mais. Não consigo nem descrever o que senti pela mera descoberta de que Sara havia me defendido. De um jeito tolo e primitivo, é verdade, mas tocante e envolvente ao mesmo tempo. Aproximei ainda mais nossos corpos. Não havia mais distância a ser encurtada.

— Por que? — Perguntei-a baixinho novamente.

— Eu já lhe disse a razão, Cath. — Murmurou ela brincando com uma mecha solta de meu cabelo. Sua respiração quente estava me deixando louca. Loucamente apaixonada.

— Por que você levou isso para o lado pessoal. — Esclareci. Esperei uma resposta qualquer, ou até mesmo uma risada distraída. Visualizei um dar de ombros desinteressado e um tapinha no ombro seguido das palavras "eu faria isso por qualquer um". Porém, eu nunca esperava o gentil toque de seus lábios nos meus.

Não nego que o beijo para mim era uma coisa fútil; um simples instrumento de prazer. Em meus anos como stripper, eu me divertia em inventar mil e uma maneiras de enlouquecer os garotos – e as garotas – só para receber um elogio frívolo. Com Eddie foi a mesma coisa, com a diferença que ele gostava do mesmo jogo que eu. Mas com a Sara... Seu beijo era tudo o que Shakespeare, Bédier e tantos outro romancistas descreviam em seus livros. Era calor, paixão, suavidade, devotação, reverência... Era aonde eu queria me perder pra nunca mais voltar.

— Foi por isso. — Disse Sara sorrindo quando nos separamos. Sorri também e a abracei. — Por sinal, essa foi a minha maneira silenciosa de dizer eu te amo. — Meu coração acelerou ao ouvir a frase que apenas existia em meus sonhos até então.

— Desculpe por ter te trancado nesse box... É que foi o único jeito de te mostrar que eu te amo também. — Sara riu.

— Sai comigo? — Pediu a morena ruborizando. — Você sabe... Pra jantar, assistir a um filme e tudo mais.

— Você garante o 'tudo o mais'? — Perguntei-a com malícia. Recebi um selinho em troca enquanto ela entrelaçava nossas mãos. Saímos assim, de mãos dadas pelos corredores. Não me importei com a fúria de Ecklie ao se deparar com Sara ainda no laboratório, tampouco liguei para o assovios de encorajamento de Warrick, Nick e Greg. Tudo o que eu queria era me entregar totalmente ao 'tornado' mais incrivelmente adorável de todos. O que me lembrou...

— Que foi? — Inqueriu-me Sara curiosamente ao me ver discando no celular rapidamente. Encostei um dedo nos lábios para silenciá-la.

— Mãe? Oi, é a Catherine... Liguei para dizer que você tinha razão. — Confessei sorrindo. — Ninguém sabe a hora em que o tornado decide aparecer... Só sei que eu cheguei perto pra ver no que ia dar...


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