Aquelas imensas e espessas árvores bloqueavam a continuidade da tal estrada. O caminho cinza era silencioso, atemporal e não era invadido por outro som que não o do vento, filtrado pelas árvores.

Não havia esquilos, joaninhas ou formigas que conseguissem subir na "estrada", esses animais faziam a curva ou então, nem chegavam perto da margem daquela faixa acinzentada.

Violet observou em Lorenzzo feições menos rudimentares, menos caninas. Quase como se tivesse trocado de personalidade.

– O que aconteceu com você?

– A pergunta não é essa Violet.

Lorenzzo aparentava menos idade, suas olheiras desapareceram, os ombros menos eretos e os olhos já não transpareciam toda aquela arrogância.

– Sente-se. Vou lhe contar como foi que eu virei o Lobo dessa história.

Violet recebeu a ordem calada, sentando-se de pernas cruzadas no chão, tentando ser imparcial, como sempre leu nos livros de psicologia, mas no fundo, tudo que ela queria era entender como aquele lugar transformava não só o cheiro das coisas, mas toda atmosfera do Bosque.

– Eu nasci num lugar conturbado, cheio de pessoas e barulhos. Ideias se esquivavam de mim como espíritos fogem da luz. Não havia começo nem fim, apenas uma enorme fila de espera cheia de pessoas abarrotadas de malas. Elas falavam alegremente umas com as outras, enquanto eu, ficava no final da fila, ainda sem saber o que fazer.

Violet tentava entender como alguém poderia não ter nascido fora do Bosque, ainda mais num lugar inanimado como o que ele descrevera.

– Quando a fila começou a andar eu a vi, mas você ainda era um bebe, a única das pessoas com nome. Você foi a primeira a ser idealizada, Violet.E o mais engraçado disso tudo, foi que lá da frente, você me deu tchau antes de desaparecer na luz. Do final da fila eu vi você e sua mãe escorrendo para dentro desse inferno...

– Espera. Um minuto. Que lugar era esse? Lorenzzo, isso deve ter sido um sonho.

– Ah, por favor! Vai me chamar de louco também? Violet!

– Mas eu não me lembro disso. Isso é impossível! Nasci no Bosque, dentro do quarto da minha mãe!

– Isso é o que te dizem. Você se lembra?

– Não... Mas...

– Você comemora o dia o qual você nasceu?

– Não.

– Então, fique calada e escute. No momento em que chegou a minha vez, eu recebi um nome. Um nome e um papel. Não uma folha de papel... Mas um objetivo. Eu tinha que encontrá-la, Violet. Eu tinha que fazer algo abominável com você. Tinha que assustá-la e magoá-la. Esse era o meu papel. E sabe quem me deu as ordens?

A menina balançou a cabeça negativamente, ainda tentando esconder suas opiniões.

– O seu querido Autor. Todos nós viemos dele, e por mais que eu negue isso, eu lembro de ter estado na cabeça dele. Cada parte da história... Ele planejou tudo, até o nosso fim.

Violet levantou-se do chão e bateu o pó da saia.

– Não estamos falando de teatro, Lorenzzo. Você é mesmo...

– É por isso que todos acham que eu sou louco. Porque eu conheço a verdade.

– Então prove-me.

Ele abriu um grande sorriso, levantou-se do chão e estendeu a mão para Violet, apontando para as árvores que tampavam o resto da estrada.

Violet, ainda desconfiada, segurou na mão grossa de Lorenzzo e o acompanhou com passos curtos e vacilantes. Talvez fazendo força para acreditar que tudo não se passava de uma grande mentira, por medo de se deparar com uma realidade diferente da que viveu por todo esse tempo. Ela tinha medo de ser apenas fruto da imaginação do Autor.