Já fazia cerca de uma  semana desde a trégua de Lien e a adesão do mesmo, juntamente com seu companheiro,  Kuo,  ao mais recente  grupo, ou "gangue", como Jin gostava de chamar.

O leão se encontrava sentado no topo de uma rocha, com uma expressão divertida em seu rosto. Seus olhos acompanhavam o desenrolar de uma cena estranha  bem a sua frente, e ele lutava com determinação para manter o riso preso em sua garganta, sendo que o mesmo ameaçava sair a qualquer momento.

O gato montanhês estava a seu lado, com testa enrugada e olhos em uma expressão rígida, enquanto sua boca formava um linha reta, sem um mínimo vestígio de diversão.

Jin levantou uma sobrancelha, olhando de soslaio seu companheiro, provocando um ligeiro aumento em seu sorriso debochado.

Ele girou a cabeça rapidamente, voltando seus olhos para o leopardo com bochechas em chamas, resmungando algo sob sua pesada respiração, enquanto um tigre olhava vitoriosamente para sua figura.

Ele imaginou o que eles estariam dizendo,mas mesmo sem saber ao certo o quê, sabia que  deveria ser engraçado.

Isso foi algo que ele descobrira recentemente, mas, aparentemente Soi Fon e Lien formavam uma bela dupla...

... De comediantes.

E em meio a inúmeras discussões, brigas, ironias , provocações e incontáveis técnicas de luta e esgrima, ele descobriu que Tigresa realmente tinha senso de humor.

Era um humor meio estranho,"humor negro", como ele adorava chamar.

Ironia, sarcasmo , chantagem e inúmeras frases com pura presunção faziam parte de seu repertório, mas havia algo que ele não podia negar: Era divertido

Ele sorriu abertamente ao ver seus dois amigos se aproximando, aparentemente ainda sob efeito do mais recente conflito.

Ele pigarreou, e disse com voz autoritária:

-Temos uma missão - disse com determinação

- Finalmente! O que precisamos fazer? - o leopardo quase pulou em cima de seu companheiro, inundado por expectativa.

- Bem... eu não sei - Jin assumiu, dando de ombros.

-Você devia se informar antes de comunicar algo assim - Soi fon disse em tom repreensivo

- Hehe... era pra deixar vocês curiosos... pelo visto eu consegui - ele riu

-E você não está? - a guerreira perguntou se deliciando com a expressão que assumiu

E assim qualquer vestígio de satisfação abandonou seu rosto, sendo rapidamente substituído por uma carranca mau-humorada, que dizia claramente "estraga prazeres".

Tigresa deu de ombros, e apesar da expressão séria e contida, seus olhos pareciam sorrir de  forma provocante. Sem se importar em dar satisfações ela começou a fazer seu caminho para o palácio.

Foi quando ela se lembrou.

Seus passos foram interrompidos abruptamente e ela sentiu sua espinha gelar, assim como um estranho formigamento emergiu de suas mãos. Algo extremamente raro, devido aos vinte anos que passara socando árvores de pau-ferro.

A guerreira havia parado no meio de sua trilha e ela podia sentir os parem de olhos recaindo sobre si. Sem cerimônia ela marchou novamente para o pequeno grupo.

- Kuo... preciso te perguntar algo - disse em tom embargado

- Soi? Pode falar - o gato respondeu singelamente, como sempre fazia, um leve tom de preocupação em sua voz.

- Sobre aquela profecia... o que sabe a respeito? - disse tentando soar calma, apesar da estranha sensação de aperto em seu peito.

- Não sei muito, mas enquanto trabalhei no palácio sempre o ouvia comentar algo sobre uma profecia... algo sobre um guerreiro, sangue, alma... e... - ele baixou seu olhar, e quando foi capaz de erguer-lo novamente seus olhos estavam marejados, e sua voz dava leve impressão de que o menino estava prestes a chorar.

-E... ? - ela repetiu, tentando incentivá-lo a falar

-Eu não sei muito... sei que você estava na profecia, de acordo com o príncipe, mas... essa última parte não deve ser mesmo sobre você... deve ser... - o gato tentava a todo custo mascarar o peso das próximas palavras ditas, sem muito sucesso.

- Sobre o que falava a última parte, Kuo? - ela tentou novamente, com uma carranca formada e voz dura como aço.

- Falava sobre morte - ele deixou escapar, temendo olhar em seus olhos.

-Morte? Então...

-Não deve ser você... eu nem sei mesmo se aquilo era parte da profecia, nem o príncipe sabe bem sobre a profecia, nenhum deles leu nada na minha frente, só estavam conversando e... - o gato continuou, mas após a palavra morte,  a mente de Tigresa parecia incapaz de captar qualquer outra informação.

Aquilo já fora suficiente.

- Soi...

-Tudo bem - se houve algo que surpreendeu a todos, com certeza foram as palavras seguintes de Tigresa. Até a mesma ficou surpresa com a segurança que exalava, uma segurança falsa, mas bem mascarada.

-Ei..

-Eu sei. Não dá pra definir meu futuro por uma simples conversa, algo casual... não tem provas o suficiente, não tem fundamento.Não sabemos sobre quem falava essa parte, e se há algo que sei sobre profecias é que elas precisam ser lidas e  bem interpretadas para que se possa chegar a algum lugar. Coisa que não aconteceu. Eu estou bem.Isso não vai mudar nada. - disse em calma, tentando convencer mais a si mesma que a pessoas    que a cercavam.

-É, você tem razão, mas...

-Preciso voltar - ela o interrompeu, sem se preocupar em saber sua próximas palavras, e saiu andando rapidamente em direção ao lugar que chamava de casa. Um pouco longe da vista de todos, iniciou uma corrida.

Seus rápidos passos espalhavam lama por onde passavam, seu corpo cansado lutava contra as incessantes gotas de chuva que caiam pesadamente do céu, em uma velocidade quase espantosa.  

A chuva refletia seus sentimentos, e de certa forma a ajudava a aceitá-los. A chuva representava todas as lágrimas que ela já deixara cair há anos atrás. Mas também representava todas aquelas que ela se sentia incapaz de liberar no momento.

E mesmo que ela não soubesse, a chuva representava todas as lágrimas que ainda rolariam por seu rosto, até atingir o chão, se fundindo a outras lágrimas.

- Mesmo que eu morra, não pode ser agora. Eles precisam de mim, e eu vou ficar de pé o tempo que for necessário para protegê-los, ou ao menos vou tentar. - ela murmurou entre suspiros e ofegos, enquanto seu corpo cortava cada vez mais a distância entre ela e seus companheiros.

Mesmo que eu morra, antes de morrer vou realizar meus desejos.

Vou proteger à todos que eu amo;

Vou lutar com todo o poder que tiver.

Agora, eu simplesmente não posso me dar ao luxo de perder.

E eu não vou.

Aquela foi sua promessa silenciosa.

Ela só esperava ser capaz de cumpri-la.