Stay Alive. escrita por Primrose


Capítulo 26
Tilintar


Notas iniciais do capítulo

Desculpa a demora, mas juro que estou tentando postar mais rápido
Podia ter ficado melhor,
mas espero que gostem :D



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Não avançamos tão rápido como antigamente, mas avançamos bem mais rápido do que da última vez, quando eu nem conseguia ficar em pé. O meu semi bom humor que tinha surgido com o desaparecimento da dor sumiu já no começo da caminhada. Por algum motivo, eu não quero avançar. Sinto que alguma coisa está errada, não devíamos estar indo tão longe. Esse jogo, obviamente, não é movido por casualidades, os idealizadores estão de olho em tudo e tenho certeza de que eles querem os tributos cada vez mais perto um dos outros. Quanto mais nos distanciamos mais receio tenho do que irá acontecer caso cheguemos longe demais.

Olho para trás e para Haymitch frequentemente. Não sei se falo com ele para voltarmos - apesar de saber que ele nunca aceitaria essa hipótese - ou pelo menos para pararmos por um tempo. Só que ele parece tão concentrado na tarefa de andar, que prefiro não incomodá-lo. Continuo apenas caminhando, tentando distrair a minha mente, mas cada minuto parece um século. Até que eu escuto um barulho, meu coração dispara e eu automaticamente olho para trás. Não vejo nada.

-May - Hay diz e me viro alarmada, mas ele ri - Acho que isso foi o seu estômago.

Sinto minhas bochechas corarem e tudo desaparece por um minuto da minha mente. Passo de assassina com dardos e curandeira de improviso para apenas uma garota com fome. Haymitch às vezes fazia isso comigo, por mais que não quisesse admitir. Apenas dou um sorriso envergonhado. Tinha até esquecido como era o som de um estômago faminto com todas essas coisas na cabeça.

- Vamos comer um pouco - ele sugere e eu aceito agradecida. Nos sentamos deixo de uma árvore, como de costume. Hay deixa escapar um ruído de dor ao fazer o movimento, eu me arrepio.

- Tudo bem? - pergunto preocupada. Ele assente com a cabeça. Procuro na bolsa algo para comer. Pego dois pacotes de biscoitos de água e sal, duas tiras de carne desidratada e um pão. Nada muito gostoso, apenas o suficiente para matar a fome. Comemos os biscoitos junto com uma tira da carne e depois resolvemos dividir o pão, mas nessa hora começa a chover. Eu dou um longo suspiro - Eba, adoro pão encharcado - digo com sarcasmo, o que faz Haymitch quase sorrir. Eu mordo o lábio evitando um sorriso, é bom saber que ele tem outra expressão além da carranca.

Pego a garrafa da bolsa, que estava vazia, e faço o possível para enchê-la com água da chuva.  Hay come o pão fazendo o que pode para protegê-lo da chuva, sem muito sucesso.  A chuva é gelada e não me traz boas lembranças. Balanço a cabeça, na esperança de que isso ajude, mas não ajuda. A chuva me lembra Katri, que me lembra Ayse, que me lembra Jazzy, que lembra dor, que lembra morte, que me lembra da minha família, que lembra de casa e de dor e assim por diante, um círculo vicioso impossível de ignorar.  Acho que Haymitch percebeu que minha mente está vagando,porque ele chama meu nome e eu ouço preocupação em sua voz. Eu o encaro, sem o encarar. Eu estou aqui, mas não estou. A voz dele me chama novamente.

- Estou aqui – digo, afastando os pensamentos com toda a minha força. Não posso voltar a ficar daquele jeito, não agora. Passo a mão pelo rosto, tentando limpar as gotas de chuva, mas elas são bem mais rápidas que eu. Acabo desistindo. Olho para Hay, e fazemos o acordo silencioso de partir assim que a chuva acabar.

Já deixo as mochilas prontas, enquanto esperamos a chuva passar. Murmuro algumas canções, apenas para afastar qualquer memória, e percebo que minha voz está péssima. Mas no meio da segunda melodia, sou interrompida: um canhão. Minha pele se arrepia, eu finjo que nada aconteceu e recomeço a música. A chuva parece não acabar nunca. Molho um pouco mais a minha garganta, mas já estou cansada de água. Observo a grama lentamente se transformar em lama, enquanto tento não tremer de frio.

Quando a chuva finalmente acaba, eu já estou fazendo força para não bater o queixo de frio. É incrível como Haymitch não parece sentir nada, por algum motivo isso me irrita. Ele é tão forte e insensível, um perfeito tributo. Enquanto isso aqui estou eu, lutando para não sentir frio e sendo paralisada por lembranças. Me levanto, colocando a mochila nas costas e começo a andar. Ele estranha a minha ação, mas em vez de comentar, apenas me segue em silêncio.

- Em frente? – pergunto mesmo sabendo a resposta. Ele assente com a cabeça. Minha irritação cresce. – Será que a gente não pode mudar de direção?

- Não.

- Porque não? – insisto. É a primeira vez que paro para pensar nesse assunto. Sempre estou com a mente tão cheia de coisas. Mas ele sempre quer avançar mais e mais, nessa mesma direção, não importa as nossas condições. Num jogo mortal, você precisa aprender a desconfiar das coisas.

Revirando os olhos para a minha pergunta, ele assume a frente e minha única escolha é segui-lo. Encharcada, tremendo de frio e numa caminhada sem senso e, pelo jeito, sem fim. Talvez isso explique porque estou irritada. Só quero voltar para casa, só isso.

Observo o céu, como se isso pudesse melhorar meu humor. Percebo que o sol já vai se pôr. O dia passou muito rápido. Tudo aqui passa muito rápido, na verdade. A qualquer momento teremos o hino com a foto do morto do dia. Caminhamos e caminhamos, mas minha linha de pensamento está certa, porque uns quinze minutos depois, começo a ouvir a irritante melodia que marca o inicio do hino da Capital. Aquela música fazia meu sangue ferver e meu estômago se revirar, e parece que também tem o mesmo efeito em Hay, pois ele fecha a cara ainda mais e começa a andar mais rápido ainda, em vez de parar. Esforço-me para acompanhá-lo. E meus olhos se voltam para o céu, procurando uma distração. Me arrependo no mesmo segundo.

Minhas pernas de repente pesam uma tonelada e eu não consigo sair do lugar. Não, não podia ser.  Minha visão está embaçada de lágrimas, mas eu ainda consigo enxergar a foto: Distrito 1, Ayse. Me encolho, tendo a nítida sensação de que vou vomitar. Uma pontada atinge meu coração. Primeiro Katri, agora Ayse. Apenas eu restei. Sinto a mão de Haymitch no meu ombro no minuto seguinte. Seu olhar é claro e contém uma pergunta simples: o que foi isso?

- Nada – minto, limpando as lágrimas com as costas da mão.

- Certeza? – ele pergunta, percebendo a minha mentira óbvia.

Eu balanço a cabeça negativamente. Devo estar parecendo uma menininha assustada ou, pelo menos, estou chorando como uma. Respiro fundo, tentando recuperar as forças – Eu só estou cansada – é a minha desculpa final.

Nós recomeçamos a caminhada e a cada passo eu escuto, no fundo da minha mente, um pequeno tilintar. Os cacos do meu coração quebrado sacudindo na caminhada. Isso não está certo Maysilee, digo para mim mesma. Tributos não tem coração.


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Notas finais do capítulo

Então, o que vocês acharam?