Eu não pude ficar com a Monica e a Magá na manha de sábado por que tinha que ajudar a diretora a arrumar os arquivos. Ainda bem que eu estava terminando, e olha que eu fazia tudo com uma mão somente. Sempre que eu ficava sozinha eu procurava a carta do avô do Do Contra em todos os lugares mas não encontrava em lugar algum. Depois de organizar todos os arquivos escolares eu fui limpar a estante de livros. Tinham vários filósofos famosos e psicólogos infantis, livros de pedagogia, história do Brasil e outros temas chatos.

Eu já não agüentava mais ver esses nomes complicados quando eu vi um livro, de capa cinza e letras preto e branco escrito A Historia Da Arte, de E. H. Gombrich*. Eu me interessei pelo tema e como a diretora havia saído pra tomar um café, comecei a foleá-lo. Tinham muitas coisas interessantes e falava de tudo da Arte, coisas que eu nunca soube e de repente cai um envelope. Quando o peguei me lembrei da carta do avô do Do Contra, que a tinha escrito para a filha. Finalmente tinha encontrado a bendita.

– Eu pedi a voce que limpasse a estante, não para ler os livros dele. – enfiei o envelope no meio do livro, mas deixei uma pontinha de fora propositalmente.

– Desculpa diretora, eu... eu só me interessei pelo titulo do livro e fiquei curiosa. Mas já vou guardar ele aqui.

– Arte... isso só serve de distração. Deixe o livro ai e pode ir embora. Acho que voce já arrumou tudo aqui. Que fique de lição para a senhorita não aprontar mais nada.

– Sim senhora. Boa tarde.

Eu saí devagar, deixei a porta entreaberta e fiquei espiando a diretora, pra ver o que ela fazia. A vi andando em direção à estante de livros e esticando o braço. Sabia que ela tinha pegado o livro de Arte e que iria encontrar a carta do seu pai.

Senti que meu trabalho tinha terminado e fui pra casa. Encontrei Cas e Maria Cascuda na sorveteria perto de casa e me sentei com eles, fiquei um pouco mas não queria embaçar o encontro dos dois e estava saindo quando a Cascuda disse:

– Isa, eu ouvi o Luca conversando com o Franja sobre voce.

– Como assim?

– Ele falava sobre um bilhete, não sei direito. Mas pode esperar que ele deve falar alguma coisa, nesse fim de semana mesmo.

– O.K. valeu Cascuda. Beijos.

Quando ela disse “bilhete” eu me lembrei daquele que recebi no baile dos namorados. Então tinha sido ele quem tinha me mandado. Oh meu Deus. Eu não acredito que desde aquela época ele já sentia minha falta. Que fofo. Preciso conversar com ele. Mas, e o Cebola?

Fui pra casa ansiosa esperando Luca me procurar.

Mas ele não apareceu. O fim de semana passou e eu fui pra aula na segunda bem desanimada. Eu o vi sentado debaixo de uma arvore, conversando com o Xaveco, Titi e o Jeremias sobre futebol quando me aproximei deles.

– Oi meninos tudo bem?

– Tudo jóia, Isa. Como tá o braço?- Jeremias perguntou.

– Vai ficar bem. Luca eu queria conversar com voce, a sós.

– Eh falou aê moçada. Depois a gente conversa Luca. Vamos embora.– Titi saiu puxando os outros dois e nos deixando sozinhos.

– Luca...

– Isa eu queria falar com voce. Na verdade eu ia te entregar um bilhete combinando de nos encontrarmos.

– Ah bem – então era esse o bilhete que a Cascuda Havia falado- então sobre o que queria conversar comigo Luca?

– Isa, me desculpe eu não percebia como a Carminha era com voce. Ela nunca tinha agido daquela forma antes, e eu a conheço desde criança.

– Luca, tudo bem, os nossos santos não bateram, foi só isso. Ela e eu nunca vamos dar certo, assim como aquelas duas amigas dela. Não importa mais.

– Eu... fui um tolo...não deveria ter dado um tempo com voce. Queria saber se podemos voltar aonde paramos.

Voltar? Ele queria voltar comigo?

– Luca eu não sei se...

– Fala Isa, quando é que voce vai trazer mais docinhos pra gente heim? – Cascão me interrompeu, brincando.

– Eu não sei Cas, depois eu trago, quando meu braço tiver melhor.

– Beleza então. Vamos pra aula. – ele pôs o braço no meu ombro e me arrastou até a sala de aula, mas quando estávamos virando o corredor, ele continuou andando em direção á uma sala vazia.

– Que foi Cas? Nossa sala era do outro lado.

Ele fechou a porta e me disse, sério.

– Isa, eu sou seu amigo não sou? Me fala agora por que raios voce tava conversando com o Luca? Esqueceu do Careca é?

– Co- como assim?

– Olha Isa, eu posso tirar notas ruins do colégio, ser meio lento pra algumas coisas, mas eu sei que voce e o Careca se gostam já faz muito tempo. Ele mesmo me disse que voce mexia com ele de um jeito diferente. E foi por voce que ele terminou com a Monica. Mesmo depois de voce namorar com o Luca, ele continuou do seu lado, por que sabia que um dia voce iria ficar com ele, mas depois que voce o usou pra conseguir aquele exame da Magá ele se sentiu humilhado e estava com raiva. E quando o Cebola fica com raiva ele não grita com a pessoa, ele faz a pessoa sofrer o mesmo que ele sofreu. Por isso ele continuou do seu lado e ainda te pediu ajuda pra ficar com a Monica. Ele realmente pensou que com ela ele te esqueceria mas não foi assim. Por que ele sentia sua falta. E com o DC, ele sabia que voces não tinham nada. O próprio Do Contra disse pra ele isso um dia. Mas ele sente ciúmes dele, sim. Até de mim o maluco sente isso.

Eu fiquei em estado de choque. O Cebola gostava de mim de verdade. E o melhor amigo dele estava me dizendo isso.

– O bilhete que eu recebi no dia do baile...

– Foi ele. Naquele dia ele já sabia que não sentia pela Monica o mesmo que sentia por voce, e não gostava de estar com ela pensando em voce. Mas os motivos pra ele continuar com ela, voce tem que perguntar pra ele.

– Cas, por que não me disse isso antes?

– Por que eu pensava que voce fosse mais esperta.

– Não começa com as tiradas por favor.

– O que voce tava conversando com o Luca heim?

– Ele queria uma chance de voltar comigo. Mas eu não disse nada por que voce chegou na hora de eu dizer.

– Ia ser um sim?

– Não.

– Beleza. Vou pra sala, se voce quiser eu falo com o Licurgo que voce ficou com dor de cabeça ou qualquer coisa.

– Brigada Cas.

Eu tinha muito o que pensar. Depois dessa enxurrada de informações e confirmações sobre o Cebola, eu tinha que procurá-lo. Mas eu não tenho coragem de dizer a ele como me sinto. E se ele não me querer? E se isso acabar com nossa amizade? Era melhor deixar quieto.

Fui pra sala e a professora me deixou entrar. Já era o segundo horário. Eu fiquei o dia inteiro pensando nas palavras do Cas, e no poema (que agora sabia que era do Cê). Como eu estava machucada, seu Augusto só passava tarefas fáceis pra mim, logo eu não fazia quase nada no serviço. Aproveitei pra pensar bastante e decidi pedir demissão nesse serviço. Eu tinha que estudar pro vestibular e esse trabalho era só pra ajudar o Nimbus.

Notei que o Cê tava diferente, mais sério. Ele ficava me olhando e quando eu o encarava ele desviava o olhar, diferente de quando nos conhecemos. Quando saí do trabalho, não vi o DC, e sim a Monica e a Magali. Elas estavam sorridentes e pareciam que estavam aprontando alguma.

– Oi Isa. – fizeram coro quando me viram.

– O que voces estão aprontando?

– Nada.- Respondeu Monica. – Viemos te buscar. Só isso.

– A propósito, sua mãe pediu pra gente te entregar isso. – ela me entregou um envelope rosa (típico da minha mãe, acha que eu sou uma princesinha). Notei que tinha algo nele. Era um cartão de crédito. Me espantei por minha mãe estar entregando ele assim do nada. Então eu peguei uma carta que tava junto com o envelope (rosa também):

Minha querida filha,

Como não sabemos o que a senhorita quer de aniversario, seu pai e eu combinamos de deixar voce fazer compras com suas amigas. Mas o limite do cartão é de 300 reais. Não abuse.

Beijos da sua mãezona mais linda de todas.

Como minha mãe era modesta. Mas eu poderia gastar 300 reais como quisesse! Fiquei super feliz. Acho que as meninas já sabiam dos planos dos meus pais. Fomos correndo pro shopping comprar roupas, sapatos, brincos e varias coisas pro meu aniversário. Peraí, aniversário?

*Ernst Hans Joseph Gombrich: É o autor de um dos livros mais populares dentre os adotados pelas instituições de ensino de História da Arte, publicado pela primeira vez em 1950 em Londres e, desde então, com numerosas reedições e traduções. ( fonte: wikipedia)