Eu mal posso acreditar. Demorei alguns instantes até sair correndo para a casa de Prim, e ela está na porta me esperando. Passo a sorrir enquanto a giro nos ombros, e ela ri feito uma criança. Demoro alguns instantes até entender que estou rindo tanto quanto ela. Os Jogos acabraram e mal posso esperar até que ela esteja em casa. Só por um instante, toda a tristeza e apatia do distrito 12 se desfaz para fazer do distrito um lar para aceitar Katniss Everdeen de volta. E Peeta Mellark, em segundo plano.

As horas se passavam e eu andava até em casa com um peso a menos na consciência, como se a arena acabasse. Eu não importava com mais nada e não segurei um pesado suspiro assim que cheguei em casa. Durante todo o tempo de arena eu nunca me senti tão próximo de cada um deles. A primeira coisa que fiz foi abraçar minha irmã até que ela começasse a se sacudir, tentando se livrar do meu aperto.

~*~

O barulho do trem na estação era nada menos que música para mim. Eu poderia mesmo ver a antiga e coberta de poeira de carvão estação de trem, mas não poderia ignorar o fato de que ela estaria de volta.

Assim que o trem parou meu coração meu coração falhou uma batida. E lá estavam Peeta e Katniss de mãos dadas, acenando para o público como sempre fazem quando estão juntos.

- Eu não consigo ver eles dois! Que saco!

Prim começou a reclamar sobre como era horrível ser baixinha. E levantava na pona dos pés, balançava a cabeça para vê-la. Mal deu tempo de reclamar quando a segurei nos ombros. Katniss parou os olhos na sua princesa e deu um sorriso tão brilhante que qualquer um que a conhecesse  saberia que nada a faria mais feliz do que ver novamente sua irmãzinha. E que ela não estava feliz.

Prim começou a chorar e mandar beijos, a câmera focalizava Katniss e eu sorria como se uma rajada se ar quente acabasse de passar por mim. Eu estou tão perto dela agora. Eu posso tocá-la. Eu posso abraçá-la.

Eu posso beijá-la.

As câmeras gravaram toda a entrega da casa na vila dos Vitoriosos, o quarto feito especialmente para Primrose. E a entrega da casa de Peeta, com toda a família recepcionando, e ele ganhou abraços fortes e chorosos de todos os homens. Sua mãe demorou um pouco, passou os ombros ao redor de seu ombro e sorriu. Ela era loira com os cabelos curtos e seria linda, se não carregasse uma expressão que dizia que sentia um mau cheiro bem debaixo do nariz, com o olhar levantado para toda e qualquer pessoa. Estava acostumado a vê-la me encarar dessa forma, quando pedia a ela para conversar com o padeiro. Katniss também estava junto, mas também olhava como quem encara um animal selvagem. Preciso perguntar a ela o porquê disso, depois. 

Talvez só a falta de demonstrações de carinho para com seu filho. Nenhum de nós dois costuma perdoar.

Mas se eu errasse, ela perdoaria?

A entrega das casas terminou e a entrega da casa de Peeta foi a mais "emocionante". Katniss, ao se reencontrar com a sua mãe, olhou fixamente para ela, seus olhos cinzentos presos aos dela antes de Lana a abraçasse, seguida de Prim que não se soltou da irmã por um instante. Os flashes foram tornando-se cada vez menos frequentes e, com o tempo apertos de mão dos repórteres simbolizaram a despedida. Até mesmo Haymitch andava até sua casa completamente sóbrio, com um ar de descuido que a tornava menos aconchegante e acolhedora do que quaquer outra casa na Costura. Ele também deve pensar isso, porque torceu levemente o nariz antes de acenar diplomaticamente para as câmeras e abrir a porta da frente, ou quase. Passou a tatear os bolsos a procura das chaves e em um piscar de olhos Effie foi até ele com um chaveiro em mão. Não assisti o resto da cena, apenas esperava que todos fossem embora para que houvesse reencontro de verdade. Assim que não havia ninguém olhando para nós andei até ela. Eu observava a cena de longe, enquanto Katniss e Peeta se despediam com um aperto de mãos. Katniss já estav a vindo na minha direção até que eu a abraçasse e inalasse seu perfume como se fosse a primeira vez que nos abraçávamos.

Eu a rodopiava no ar e não a soltaria nunca mais caso não tivesse visto Peeta espiando na janela. Naquela hora eu sabia que a última coisa que queria era que minha felicidade machucasse outra pessoa. Ainda mais outra pessoa que salvou o motivo da minha felicidade. Toquei sua trança e olhei nos seus olhos antes que qualquer um dissesse nada, eu só conseguia pensar em como eu deixei que ela fosse. Seria esse o amor que eu sentia, deixar que ela fosse sozinha para a arena? Uma vez eu ouvi que as coisas não acontecem nunca por acaso. Quisera o destino que eu e ela nos separássemos para que eu soubesse da minha vida sem ela?

O fato é que nunca me perdoaria caso ela não voltasse. Katniss já segurava minha mão e arrastava para dentro da sua nova mansão. Olhei de soslaio para a casa vizinha e, para minha surpresa, as cortinas estavam fechadas. Não havia ninguém ali. Entrei na casa com certo receio e Prim estava sentada no sofá. Katniss estava tão quieta, assim que ela virou seu rosto, esperando a resposta para alguma pergunta feita por ela, senti seus olhos tão vazios. Ela baixou os olhos e não repetiu nada. Eu a abracei novamente, mesmo sabendo que cada gesto meu machucaria outra pessoa. Mas naquele momento, nada disso importava. Momentos depois, eu me senti egoísta. Mas não posso dizer que não sou. Poderia eu deixá-la sem nem menos lutar por ela? Eu poderia. Mas eu cansei de deixar a submissão transpassar a minha felicidade.

Eu não poderia fazer nada por ela. Katniss estava diferente, eu não a via mais feliz. Eu esperei para vê-la dirigir o sorriso mais bonito para Prim, o unico verdadeiro que distingui em meio ao fingimento. Eu não poderia dialogar com ela. Eu não poderia olhá-la sem pena. E eu sei como ela detesta que sintam pena. Talvez ela acabe como outros vencedores, loucos que se afastam das famílias, que não são felizes e que se alimentam de fantasias. Naquele momento, por pior que eu me sentisse, eu sabia que Peeta era o único que ajudaria a refazer sua consciência.

Ninguém sabe como isso me atormentou.