A residência principal dos Hitachiin se encontrava no mais completo caos. Kaoru não entendia o motivo do irmão querer fazer tanto alarde com uma seção de fotos, coisa comum na vida daqueles dois, ou melhor, até entendia, mas preferia fechar os olhos e fingir que não via Hikaru meter os pés pelas mãos por conta de seus sentimentos. Mais uma vez.

Seria bem mais fácil deixar as clientes felizes, mas não, Kyoya-sempai precisava elevar o nível da coisa toda ao absurdo; ele tinha certeza de que quando os pais fossem para o Ouran ver o andamento dos filhos, a notícia que correria era a de que o jovem Ootori aconselhou e gerenciou a carreira de modelo dos colegas. O ruivo só não sabia o porquê ainda se surpreendia.

Para completar, o tono havia aparecido ali bem cedo e estava até agora com Hikaru em algum lugar bolando planos maquiavélicos; achando que estaria tomando a atitude correta, ele avisou Kyoya-sempai e foi buscar um conselho com Hani-sempai e Mori-sempai. Foi a pior coisa que poderia ter feito: agora todos eles se encaminhavam para lá e as fotos virariam uma bagunça total. Ele esperava sinceramente que Kasanoda não aparecesse em sua casa também.

Mas suas divagações foram interrompidas quando avistou uma limusine que reconheceu como sendo a de Allen cruzando o portão. Ele se prontificou a trazer Haruhi junto, então contanto que Hikaru não soubesse da presença dos dois, tudo poderia ocorrer bem e o melhor, antes do resto do clube chegar. Por isso, ele correu para procurar o irmão e distraí-lo, não sem antes mandar um recado à mãe que começasse a preparar tudo o mais depressa possível e que não esperasse nenhum deles.

No fim das contas não foi difícil achar os dois, mas o que viu fez com que ele ficasse de boca aberta e segurasse o riso com todas as suas forças para não ser notado.

...

Depois de uma nova rodada com Ranka-san, que incluiu dissuadi-lo da ideia de vir junto com os dois, Allen se achava preparado para o que quer que encontrasse no antro das travessuras, vulgo casa do Kaoru e do Hikaru. Haruhi estava mais relaxada, na verdade estava como sempre quando se tratava de uma atividade do Host Clube, com sua costumeira expressão ‘se eu pudesse estaria em outro lugar’ que era interpretada como ‘estou tendo pensamentos belos e profundos’ pelas clientes do clube. Quanto mais conhecia aquelas meninas, mais percebia que elas eram ridiculamente fáceis de enganar e ao mesmo tempo mais pena sentia delas. Tinha certeza de que Lenalee teria uma visão completamente diferente dele até o fim da missão se continuasse a ser cliente regular de Tamaki.

Quando desceram, foram recebidos educadamente por criados, embora estes os avaliassem de cima a baixo com um olhar aguçado, como se caçassem algo. Diante da entrada da casa estava uma mulher jovial, de cabelos curtos e roupas elegantes; ela era de fato muito bonita, mas o exorcista tratou de entrar no Modo Trapaceiro no instante em que ela os viu e sorriu para eles: aquele ar cínico é sem dúvidas a fonte dos genes dos gêmeos.

-Ora ora, você deve ser o jovem Allen Walker! – disse ela – Muito Prazer, meu querido!

A Sra. Hitachiin estendeu a mão e deu um sorriso simpático; ele vasculhou o braço dela rapidamente a procura de dispositivos de choque ou algo do gênero, mas não encontrou nada de suspeito. E ela continuava com a mão oferecida pra ele.

-Algum problema?

-Bom... você é a mãe deles. – respondeu ele com um sorrisinho angelical. Ela sorriu.

-Você é realmente um garoto esperto, Allen-kun – a expressão ‘sorriso de raposa’ nunca fez tanto sentido para o exorcista ao ver o que iluminou a face dela – e eu gosto de pessoas espertas.

-Fico grato com o elogio vindo de alguém tão ilustre e bela como a senhora – respondeu ele – mas... eles também são muito bons com as palavras.

-Huhuhu.

-Podemos parar com isso? – disse Haruhi, levemente apreensiva.

-Entrem, bem vindos a residência dos Hitachiin.

-É uma bela decoração. – disse Allen, francamente impressionado com a seleção chamativa sem ser brega de objetos e móveis.

-Agradeço.

-Onde estão os dois?

-Bom quem sabe? Acho que não irão aparecer durante a seção. – respondeu ela, imaginando o que seus fofinhos estariam fazendo com o filho do Suou e o motivo do recado que recebeu.

Eles subiram escadarias e entraram numa sala enorme onde um estúdio estava montado com direito a móveis em estilo rococó e cores vivas, uma mistura de clássico e moderno. A equipe corria para todos os lados com roupas, móveis, telas e maletas prateadas cujo conteúdo era um mistério; no fundo da sala havia três portas. As janelas estavam todas vedadas.

-Bom, vou apresentar vocês a equipe. – disse ela com um sorrisinho.

-Esse é o fotógrafo, Adam. – um homenzinho baixinho e de olhar fixo com um sorriso suspeito.

-Prazer. – disse ele, aparentando ansiedade.

-P-Prazer. – responderam os dois intimidados.

-O produtor, Yoshida.

O homem de cabelo escorrido, uma pinta na testa e expressão severa meramente meneou a cabeça, gesto que foi prontamente imitado pelos dois estudantes.

-A maquiadora, Aya. – uma mulher de cabelos curtos e expressão jovial.

-Olá queridos. – ela deu um sorriso encorajador.

-Oi.- disse Haruhi no automático.

-Muito prazer. – disse Allen, de modo gentil e ‘galante não-proposital’.

-E claro, Yui, minha assistente. – uma mulher de óculos, aspecto cansado e olhar afiado.

-Prazer, Walker-san e Fujioka-san. – sua voz era doce, mas ela era claramente profissional.

-Prazer. – responderam os dois, tentando demonstrar maturidade.

-Agradecemos muito o trabalho de todos, espero que possamos fazer uma boa campanha. – disse Allen numa pequena reverência, um gesto bastante nipônico, ainda mais para um inglês.

-Digo o mesmo. – disse a menina, se apressando em imitar o amigo.

Todos adoraram os dois logo de cara e passaram a paparica-los, menos Yoshida, que não falava nada e Yui, que estava ocupada vendo os últimos detalhes para tudo sair perfeito.

-Bom, chega de papo! – disse a Sra. Hitachiin energicamente – Ambos podem se trocar no fundo, Yui-chan, indique o camarim de cada um por favor.

-Sim senhora! – disse ela, e ambos a seguiram.

Haruhi como de costume foi atacada pelas criadas e assistentes da estilista, que não hesitaram em arrancar sua roupa e ir colocando o primeiro traje da seção; já com o garoto foi mais complicado. Depois de inteirar a todos previamente de seu ‘estado de saúde delicado’, deixou claro que trabalharia frente algumas condições, como privacidade, discrição e principalmente luvas.

Mesmo assim ele foi igualmente atacado na hora de aplicar a maquiagem e arrumar o cabelo; segurando o riso ao ver a expressão de pânico da amiga, que estava com as mãos presas como garras nos braços da cadeira, ele ouviu, um pouco lisonjeado, os elogios à sua pele e seus cabelos muito claros.

Um mordomo trouxe limonada para todos e na saída deu um encontrão com Allen; ele tinha certeza de que os gêmeos queriam provoca-lo, mas não cederia tão facilmente. Na hora de pegar os copos e a jarra de todos, o mesmo empregado equilibrou tudo habilmente em uma só bandeja e novamente trombou no exorcista, apesar de tê-lo visto apenas de relance, ele tinha a impressão de que o conhecia de algum lugar.

Desencanado da questão, ele respirou fundo e se preparou para as fotos, focado demais até mesmo para notar a pequena garota ao seu lado, que parecia procurar a todo custo uma maneira de simplesmente fugir dali.

...

Kaoru não acreditava; como eles poderiam ser tão idiotas?! Essa estratégia já havia falhado antes, aliás tinha sido sugerida por ele e o irmão apenas para tirar uma com a cara do amigo, mas mesmo assim, ali estava Tamaki, novamente se disfarçando de Haruhi com uma peruca castanha! E, para piorar a situação, Hikaru estava colocando uma peruca branca, deixando claras as intenções de ambos!

Ele praticamente não aguentava mais segurar o riso: se fosse pra fazer isso, ao menos deixassem o papel de Allen para o mais alto entre os dois. Eram mesmo muito idiotas.

-Hikaru, você está sublime como Allen!

-Valeu tono! – ‘i-d-i-o-t-a-s!’ pensou Kaoru vendo a cena – Vamos repassar o plano, tudo bem?

-Certo! – disse o loiro animado, com os olhinhos brilhando – Algum empregado vai cortar a luz e a seção vai ser interrompida; enquanto todos estiverem preocupados com o motivo de blecaute, no entra e sai de empregados nós vamos nos infiltrar na sala e ficar aguardando no camarim deles... quando forem fazer a próxima troca de roupa, nós tomamos seus lugares!

-Isso! – confirmou o gêmeo mais velho, dando um sorriso absolutamente diabólico.

Não era possível. Há dois anos pregava peças em Tamaki, então sabia até que ponto sua idiotice e ingenuidade chegavam; mas Hikaru estava ao seu lado em todas elas e não seria tão idiota ao ponto de fazer algo assim.

Mas então, o jovem Hitachiin subitamente se deu conta do que estava ocorrendo, bem a tempo recebeu uma chamada de seus sempais, avisando que já estavam na mansão.

...

Enquanto isso, Kanda estava absolutamente irritado. Por mais que Lena dissesse que eles deviam deixar quieto e sair dali, ele estava obstinado a descobrir algo naquela ‘missão’; tentou em vão chamar a atenção do moyashi duas vezes e foi sumariamente ignorado em ambas, um dos principais motivos de estar mais raivoso que o normal.

Enquanto ela discorria um discurso sobre confiança e respeito à privacidade, ele tentava juntar os pontos de tudo que havia visto: um dos gêmeos e o Suou colocando perucas que simulavam muito mal os penteados dos dois ‘modelos’ e sendo claramente espiados pelo outro ruivo; Fujioka e o moyashi se arrumando, o intelectual nervoso (o que comprovava a teoria de Kanda de que o gênio do Colégio Ouran não combinava com aquele tipo de coisa, apesar de ser do Host Club) e o outro com o ‘ar gentil’ de sempre e claro, os outros membros do Host Club entrando na mansão como um bando de loucos, claramente preocupados com alguma coisa. Era tudo muito suspeito.

Ele só não ficou observando os três últimos por mais tempo em busca de respostas, pois o instinto animal de Mori-sempai quase fez com que ele reconhecesse Kanda, antes do último entrar na primeira porta que viu para se esconder.

Mas antes que ele pudesse chegar a alguma conclusão, sentiu um puxão na manga e olhou para a menina, que encarava o entorno com uma expressão que misturava temor e determinação. E então ergueu os olhos.

Por conta de suas divagações, nenhum dos dois reparou na movimentação suspeita e agora se encontravam cercados de criados com pentagramas na testa.

O Conde claramente mandava um olá.