Piloto De Fuga escrita por Blue Butterfly


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Notas no fim do capítulo. Boa leitura



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Eu abri os olhos de novo, o enjôo voltando e quase me sufocando.

-Segura Bella, não pode fazer barulho aqui – Edward sussurrou no meu ouvido.

É claro que eu não era uma criança inocente que nunca ouvira falar da maldade. Os telejornais da noite às vezes mostravam as guerras nas quais o resto do mundo estava envolvido, eu sabia mais ou menos como era a cena de fome, de doença, de morte…

Mas nada, jamais poderia ter me preparado para aquilo.

Nós tínhamos saído (depois de uma pequena confusão da qual Edward voltara com o nariz quebrado e sangrando), passamos por uma região que eu não pude reconhecer. Primeiro por que eu fiz o inicio do trajeto de olhos vendados, depois porque não havia nada de familiar na paisagem, andamos por horas, o rádio tocando música clássica, já que brigamos quando ele colocou uma das músicas anarquistas para eu ouvir, não aceitando ouvir a estação de rádio do Estado. Quando eu já tinha perdido a noção do tempo ele diminuiu a velocidade do carro, até pararmos num terreno pedregoso envolto por escarpas e montanhas. Seu rosto era sombrio quando saímos do carro e caminhamos morro acima, até chegar num tipo de buraco que se abria nas rochas revelando o outro lado.

-É o máximo que podemos chegar sem que eles nos vejam.

Eu olhara curiosa para onde ele mirava, vendo uma estranha junção de pessoas fazendo um percurso longo, a pé, debaixo do sol fustigante do meio-dia. Edward colocara em minhas mãos um binóculo, o semblante morto, eu o usara para ver melhor e o que eu vi me arrepiou da cabeça aos pés.

Escravidão!

Não havia outra palavra que descrevesse o que estava acontecendo ali embaixo, eu tive dificuldade de reconhecer os seres humanos caminhando pelo terreno pedregoso, o corpo descarnado, a morte rondando sua musculatura frágil e seca, o rosto rachado ao meio de sol e do chicote que brandia nas mãos de três soldados, usado sempre que um deles caía no chão. Carregando grandes e pesadas pedras negras, eles rastejavam, a roupa rasgada que mal cobria seus corpos.

A maioria que estava lá eram homens, a idade variando dos sete aos cinqüenta. Ver as pequeninas crianças carregando aquelas pedras, sua infância inacabada, violada pela violência e pela escravidão, fez com que eu, até então ajoelhada ao lado de Edward, caísse no chão com um baque surdo, meu estômago dando lupins ácidos. Eu não precisava de um binóculo para ver o símbolo grande e verde oliva estampado em uma das paredes da construção maior, a águia com um ramo no bico era exclusivo do Partido, assim como os soldados.

Era muito para minha cabeça, eu não podia assimilar aquilo de uma vez só. Era humanamente impossível acreditar que durante tantos anos eu vivi uma mentira. Nosso governo nunca citara campos de trabalho escravo, aquilo era terminantemente proibido. Liberdade. Igualdade. Fraternidade. Aqueles eram os lemas do Partido, o lema do nosso país, minha vida toda foi baseada naqueles ideais.

-Impossível – eu gaguejei sem saber o que dizer.

Edward não falou nada, ele estava me dando aquele momento, me proporcionando, talvez, o maior momento de minha vida: o momento da descoberta, o momento da verdade.

Eu voltei a olhar pelo binóculo, dessa vez prestando atenção no que acontecia no resto da fábrica. Havia soldados, muitos soldados, todos fardados, o símbolo do partido no braço esquerdo, armas em punho, prontos para a guerra contra aqueles miseráveis que mal se agüentavam. Para meu espanto, havia também algumas moças, igualmente magras, feridas e doentes, a morte marcada em seus rostos descarnados, os lábios rachados e trêmulos enquanto as lágrimas rolavam. Elas estavam em grandes círculos, panos nas mãos enquanto elas trabalhavam neles. Vez ou outra um dos soldados se aproximava, na primeira vez eu imaginei que era apenas para ver se elas trabalhavam direito, ou algo parecido, mas quando um deles puxou a menina pelos cabelos e a levou para uma das instalações meu estômago revirou com violência e eu entendi o que estava realmente acontecendo.

-Não! – eu exclamei meio alto.

Edward me olhou meio bravo com meu barulho, a mão voando para tapar minha boca. Mas quando seu olhar repreensivo encontrou o pavor e nojo nos meus, ele abaixou a mão, tomou o binóculo e o apontou na mesma direção onde eu olhara antes, entendendo o que eu vira e o que me revoltara. Seu rosto enrijeceu, o ódio irradiando de todas as partes de seu corpo.

-Cachorros malditos – ele murmurou com ódio mortal.

Ficamos em silêncio, meu estômago assumindo formas cada vez mais estranhas e enjoativas, reclamando, berrando a plenos pulmões que não queria ser testemunha daquele ato hediondo.

E foi assim que nós fomos pegos de surpresa quando ouvimos o motor de um carro que se aproximava. O medo assolou meu rosto enquanto Edward enrijecia ao meu lado, se tornando algo que eu nunca vira ou imaginara nele: um soldado, mas o soldado do lado certo. Seu corpo endureceu como se ele transformasse em pedra, seus olhos ficaram duros enquanto ele se erguia, a postura rígida.

-Não saia daqui – ele ordenou com autoridade.

-Sim.

Ele me encarou, uma onda de dor transparecendo brevemente.

-Estou falando sério. Não saia daqui por nada neste mundo, nem se me pegarem, ou se eu gritar por você. Não deve sair daqui. Está me entendendo?

Eu não respondi. Não gostei da parte dele ser pego. Apesar de toda a confusão que estava na minha mente, eu aceitara que ele era inocente e que ele estava do lado certo. E que eu precisava dele mais do que nunca.

-Eu tenho que esconder o carro, mas preciso saber que você não vai fazer nenhuma besteira, que vai ficar aqui. Me prometa Bella – ele exigiu.

-Está… Está bem, eu prometo.

Ele começou a descer com habilidade, estava quase a um corpo abaixo de mim, quando voltou, como se esquecesse de algo e me entregou uma pequena bússola.

-Se eu não voltar até que a noite caía, você deve correr em direção ao norte. Não pare por nada, até chegar numa lanchonete. Lá alguém vai te ajudar. Entendeu?

Assenti com a cabeça, a dor da separação esmagando meu coração.

-Promete que volta? – eu pedi angustiada.

Ele me olhou em dúvida, a dor extravasando novamente.

-Não posso… – ele disse por fim, voltando a andar com mais pressa.

-Edward – eu chamei engatinhando para onde ele ia – Vem comigo?

Ele parou, virou e sorriu, o sorriso mais torturante que eu vi em seu rosto.

-Até o inferno Bella.

E eu não o vi mais.

Voltei para meu buraco e me encolhi numa bola, não tinha mais estômago para olhar o terror que acontecia na fábrica da escravidão. Por um momento só havia o silêncio, o barulho do motor sumira, mas eu tinha a impressão que ele voltaria, minha respiração voltando a ficar regular, trabalhando no ritmo do meu coração. Foi então que uma luz surgiu ao longe, se dividindo em duas quando ficou mais perto. Já era tarde, talvez umas cinco horas, mas eu tentava não pensar no assunto, não pensar em quanto tempo havia decorrido desde que Edward me deixara. As luzes eram de um tipo de jipe, e quando ele se aproximou mais eu pude distinguir seus passageiros.

Eram ao todo dez pessoas, três soldado que iam na frente, um dirigia enquanto os outros dois apontavam suas armas para os passageiros amontoados do lado de trás, mas dois na parte de trás, as armas apontadas para o grupo de adolescentes e crianças encolhidos e assustados. Entre eles, um garotinho ergueu a cabeça bem quando eles passavam o mais perto possível de mim e a visão de seu rostinho pequeno e machucado partiu meu coração. Ele não devia ter mais de oito anos, mesmo assim ia para o inferno, ia para a fábrica ser escravo, carregar pedras, destruir sua infância.

Foi nesse momento que eu fechei os olhos com força, tentando conter o líquido que chacoalhava no meu estômago. Quando abri os olhos, ouvi a voz de Edward e o encarei, desesperada. Ele abriu os braços e eu desabei em seu corpo quente e empoeirado.

-É monstruoso, temos que impedir… Isso não pode estar acontecendo, é desumano…

-Eu sei – ele concordou, a voz cansada e ferida – Mas somos poucos ainda, não temos como impedir isso por enquanto.

-Mas Edward, eles vão morrer – eu conclui aterrorizada – Aquele menininho vai morrer… Erick…

O nome do meu irmão rasgou minha garganta, aquilo era medonho, aquele menino poderia ter a mesma idade de Erick, poderia ter o mesmo sorriso cândido e doce, tirado dele a força pela brutalidade.

-Eu sei – Edward repetiu, o desprezo e o nojo nítidos em seu tom.

Então eu decidi. Era idiotice, eu sabia que era, minha mente berrava que eu estava enlouquecendo, mas eu não liguei. Em menos de um mês eu: perdi minha mãe, perdi meu pai, perdi meu irmão Embry, perdi meu irmão Erick, achei que meu melhor amigo era um assassino e que a culpa da morte da minha família era minha, descobri que meu amigo não era um assassino, descobri que o Partido enganava as pessoas… Era muito para qualquer mente sã, então eu não me importei se estava louca.

Tudo o que importava é que eu estava viva. E cheia de ódio e revolta.

-Eu tenho que salvar aquele menininho – decidi sem pedir seu consentimento.

-Não, não podemos fazer isso, é arriscado – Edward me contrariou, muito sério – Pior do que perigoso, é suicida.

Mas eu não deixei que seus argumentos me demovessem. De repente eu estava muito cansada de ser mandada, cansada de regras e mais regras de etiqueta, de gente dizendo o que uma dama deve fazer ou não fazer, de esconder minhas lágrimas, de falar baixo, de manter a compostura, de seguir os outros, de estar sempre pronta a escutar. Eu queria gritar, eu queria perder o controle, eu queria berrar com alguém, bater em alguém, extravasar o ódio que me consumia. Eu queria viver!

-Eu vou – eu grunhi com decisão, uma decisão que eu desconhecia.

Edward me olhou com espanto. Eu não sei o que ele viu em mim, mas isso o assombrou, seu queixo caiu enquanto ele me encarava, incerto. Por fim um sorriso maravilhado surgiu em seu rosto, um sorriso que foi ganhando um toque de desespero e insatisfação.

-Tantos momentos oportunos e você foi escolher o de agora para começar a mandar em si mesma? – ele perguntou retoricamente.

E então eu entendi. O que eu sentia não era loucura, era humanidade. Aquela vontade louca de mandar em mim mesma, reger meu mundo era o traço mais marcante da humanidade. Ser humano, ser um ser racional, significava ter a capacidade de mandar em si mesmo. Edward sempre fora assim e agora eu estava descobrindo isso em mim, descobrindo o que nascera comigo: a capacidade de ser humana.

-Antes tarde do que nunca – eu brinquei.

-Não é seguro – ele falou tentando me convencer.

-Olhe ao seu redor – eu devolvi meio irritada – Estão fazendo escravos lá embaixo, nada mais é seguro. Não precisa vir comigo, não estou te pedindo isso, só estou te falando o que eu vou fazer. Eu vou tirar aquele garoto dali e nada vai me impedir.

Dando ação as minhas palavras, fiquei de pé e caminhei para baixo, a cabeça vazia, sem saber como eu cumpriria o que acabara de dizer.

Não ouvi quando ele se levantou e correu até mim, assim como não ouvi quando ele voltara para a fenda, mas de repente sua mão estava no meu ombro, impedindo meu avanço. Eu me virei para brigar com ele quando sua expressão me desnorteou, ele não parecia querer ir contra mim, ou mandar em mim, estava resignado, e, se não estava enganada, até mesmo animado com tudo aquilo.

-Até o inferno, Bella – ele me lembrou o que dissera horas antes para mim – Eu estava falando sério garota, não vai se livrar de mim tão fácil assi

Eu sorri para ele e descemos a montanha com pressa, ele planejando como faríamos aquele resgate. Meu melhor amigo. Meu Edward.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoas lindas!
Desculpe a demora para postar, estava em semana de prova e meu tempo simplesmente evaporou no meio dos livros:(
Meu curso é um pouco puxado,então já peço desculpas pelos possíveis sumiços que ocorrerão.Prometo que assim que puder volto correndo para vocês.
Não vou fixar um dia exato,mas vou tentar postar toda quarta-feira.
Beijinhos e comentem! Seus comentários deixam meus dias mais felizes :)