Céu escrita por Liminne


Capítulo 26
Capítulo 26 – Bases da ponte [direita]




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Observava a casa com a clínica na frente há algum tempo. Mantinha uma distância considerável. Reformulava na cabeça metodicamente o que ia dizer para entrar e para ficar lá dentro. Cara-de-pau até que tinha bastante. Mas por algum motivo estava receosa... Era a família dele afinal! Os conheceria de um modo nada convencional e ainda por cima teria que mentir pra sobreviver. Olhou a hora no celular. Já era pouco mais de uma da tarde. O Sol castigava lá em cima.
Arrumou a prancheta no colo, ajeitou a saia preta que combinava com os botões da blusa branca bem séria. Verificou pela vigésima vez se a munhequeira tinha somente o buraco suficiente para a câmera do bracelete. Atravessou a rua. Tocou a campainha e já estampou um sorriso nos lábios.
Aquele Infernal-sama... Algum dia ia pagar pelos seus pecados...

****

Já dentro da casa dos Kurosaki, Rukia estava sentada esperando o chá que a irmã de Ichigo havia prometido. Era a tal da Yuzu, a loirinha. Então ela estava salva.
- É ela, pai! – Yuzu cochichava com o pai a certa distância, apontando para a baixinha que esperava na sala. – Disse que é estudante de jornalismo e veio entrevistar a família do onii-chan! – seus olhos tinham um misto de desconfiança e emoção contida. – Será que é verdade? O onii-chan é famoso?
- Ohh! Olha só pra ela! – Isshin dava seu máximo para manter a voz inaudível para a visita. – É uma gracinha! Se eu tivesse uma garota dessas pesquisando sobre a minha vida eu...
- Mas o onii-chan não está. – a loirinha cortou o pai. – Será que é certo falarmos da vida dele, papai?
- Que isso, Yuzu! Está aprendendo a ser desconfiada assim com a sua irmã? – o pai não tirava os olhos de Rukia. – Vamos lá fazer propaganda do seu irmão! Podemos até descolar o telefone dela pra ele, vai que ela se interessa!
- Papai, o onii-chan não é um produto. – ela ficou meio brava.

- Eu sei, eu sei! – ele fez uma cara deprimida. – Mas olha só pro meu cabelo! Já está começando a aparecer os primeiros fios brancos e nada do Ichigo arrumar uma namorada!
- Papai, você pinta o cabelo...
- Se continuar assim você e a Karin vão passar a frente dele... – os olhos ficavam desesperados.
- Papai! – Yuzu ralhou com ele entre dentes.
- E seu irmão vai entrar pro livro dos recordes, o virgem de 50 anos!
- Papai! – agora ela gritou.
E Rukia girou a cabeça para olhar o que estava acontecendo. E flagrou os dois escondidos atrás da porta.
- Há... Hahaha! – Yuzu forçou uma risada sem graça. Foi andando rapidamente até Rukia com a bandeja de chá em seguida. – Desculpe a demora. – Serviu a visita com as bochechas avermelhadas.
- Ah, que isso, não foi nada. – sorriu de volta. Tudo bem estar sendo espionada... Afinal, ela era uma estranha. – Obrigada pelo chá. – tomou um gole.
- E então... Hum... Usagi-san. – Yuzu sentou-se à frente dela, meio sem jeito. Não deixava escapar nenhum detalhe da aparência e dos gestos de Rukia. – Por que é que você veio pesquisar sobre a vida do onii-chan?
- Ah. – Rukia pousou o copo de chá delicadamente. E continuava sorrindo. – Estamos fazendo uma pesquisa sobre os estudantes que admiramos. – aproximou-se mais com um tom de cochicho. – E seu irmão é realmente incrível! – tomou mais um pouco de chá. – Você sabia? Todos o conhecem por lá!
- Oh! – Yuzu corou de emoção. – Isso é verdade?
- É claro! – assentiu. – Eu tive sorte de escolhê-lo primeiro para a minha pesquisa. – forçou um risinho. – Farei um relatório que valerá como nota da minha prova. Espero que você possa me ajudar, espero que tenha escolhido bem. Ficarei eternamente grata à família e ao Kurosaki-kun. – quem ouvisse sua voz naquele momento, jamais diria que era a mesma Rukia. Ah. Mas não era. Era a Usagi-san.

- Claaaro que escolheu bem! – de repente Isshin apareceu na sala. Vestia uma roupa brilhando de nova e seu perfume arrancou dois espirros da filhinha mais nova. – Na verdade, não poderia escolher melhor. – pegou a mão de Rukia e beijou-a de leve. – Seja bem-vinda à casa dos Kurosaki.
- Papai! – Yuzu tossia. – O que pensa que está fazendo?
- Ah, que simpatia vocês são. – Rukia levantou-se. – É um prazer conhecê-lo... – fez uma expressão reticente para o homem.
- Isshin. – sorriu para ela. – Muito prazer... Usagi-chan. – leu no crachá falso da baixinha. – E olha, fique à vontade. E pode perguntar qualquer coisa! Sabe, meu filho não é exatamente o meu maior orgulho, mas ele tem seus pontos positivos. – piscou. – Mas é melhor que saiba a verdade desde sempre, já que não lhe darei garantia. – de repente ficou sério.
- Papai! – Yuzu cochichou. – Pela segunda vez, ela não veio aqui pra comprar o onii-chan!
- Ah, claro. – sorriu, mas morrendo de vontade de rir. Ichigo tinha mesmo razão. O pai não era muito normal. Dava pra entender agora porque ele sempre fora mais apegado à mãe... Seja quem ela fosse. – Somente a verdade!
- Então vamos nos sentar? – o homem sugeriu.
- Não... – Rukia agarrou a prancheta. Já tinha suas estratégias. – Quero dizer, será que poderia começar me mostrando a casa? É a primeira regra da pesquisa de campo: conhecer o ambiente! – inventou toda iluminada. Até que era muito boa fazendo isso. Queria saber é como Ichigo ia conseguir ser tão cínico.
- Ah, claro! – Isshin animou-se ainda mais. – Tá vendo, Yuzu? Não é você que quer cursar jornalismo? Devia aprender com a Usagi-chan! – sorriu bajulador para Rukia.
- É verdade! – agora até a loirinha estava se animando.
- “Espero que essa menininha tenha uma memória muito fraca.” – ia pensando a pequena de olhos azuis enquando seguia Isshin. – “Mas muito fraca mesmo!” – sorriu o mais contidamente que conseguiu para a inocente irmãzinha de Ichigo.

- Aqui é a cozinha! – Isshin apresentou contente. – Como um bom pai e chefe de família, tento unir todos na hora das refeições. Mas como o Ichigo agora vive ocupado, isso é meio difícil.
Rukia estava ouvindo, mas não olhando. Mas quem, em sã consciência, entraria naquela cozinha e não ficaria abobalhado com aquele pôster enorme?
- Quem é essa? – ela aproximou-se devagar. Não sabia por que, mas seu coração estava se espremendo e acelerando ao mesmo tempo.
- Ah... – o rosto de Isshin encheu-se de nostalgia. – Essa é a Masaki.
- Tão bonita... – Rukia murmurou olhando o rosto sorridente da mulher. É... Pensaria que ela fosse uma atriz ou cantora... Se não fosse... Se não fossem aqueles traços tão familiares... Agora quase não podia respirar.
- Mamãe... – a voz de Yuzu estava embargada e quando Rukia virou-se, percebeu que a garota se debulhava
em lágrimas.
- Calma
, filhinha... – Isshin abraçou a filha. – Mamãe está sorrindo... Está sempre sorrindo. Então sorria também!
- Nossa... Me desculpem... – Rukia ficou sensibilizada, mas não entendia. Aquele pôster estava sempre ali, não? – Ela... Não está mais entre vocês?
- É... – Isshin fazia cafuné na filha enquando explicava com olhos sonhadores. – Infelizmente. Foi por isso que Ichigo decidiu ser médico. Evitar que mais pessoas sofressem o mesmo que ele sofreu. – meneou a cabeça. – Coitadinho do pirralho. Tinha nove anos e só parava de chorar quando estava perto da mãe... Molequinho mimado!
Rukia sorriu. Como não fazê-lo? Imaginar aquele Ichigo emburrado, agarrado às pernas da mamãe... Dava uma certa raiva, claro. Mas mesmo assim... Era ele, não era? E no fundo, ele continuava querendo chorar o tempo todo. Só que virou um homem orgulhoso.
- Ele era chorão, é? – instigou e o sorriso que não a abandonava era totalmente genuíno. – Não parece nem um pouco olhando assim pra ele.
- Ah, mas ele era. – Isshin assentiu. – Chorava por tudo.

Chorava se tropeçasse, se ficasse no escuro, se a mãe demorasse um pouco mais pra chegar em casa, se a comida caísse do prato... Isso quando ele não apanhava de garotas! E chorava!
- Papai! – Yuzu falou entre dentes. – Pensei que estivesse fazendo propaganda boa do onii-chan!
- Calma filha. – ele piscou. – As mulheres gostam de homens sensíveis!
Rukia ficou olhando perdida para os dois.
- Eu... Perdi alguma coisa? – sorriu.
- Ahh! – Yuzu atrapalhou-se. – Como estava dizendo, né, papai? E aquela história do beijo?
- Ahh, a história do beijo! – o homem de cabelos pretos segurou o riso. – Essa é uma prova de que não tinha nada que não o fizesse chorar!
Os olhos azuis de Rukia quase cegaram os dois de tanto brilho. Ia conseguir um item da lista? E melhor! Uma história vergonhosa?!
- Por que? – tentou conter a animação com toda sua força. – Ele tinha medo de beijos?
- Sabe, ele tem uma priminha que brincava com ele na infância. Os dois eram bem próximos, e ela... Bem... Sempre foi atiradinha pra cima dele. – riu. – Desde que aprendeu a falar, dizia que ia casar com o Ichigo. E então num dia chuvoso, ela tentou beijá-lo. E a menina só tinha quatro anos!
Rukia tentava imaginar a cena. Quantos anos teria Ichigo?
- Só me lembro de um ruivinho correndo pela sala gritando: “Socorro! Ela é maluca!”, cheio de lágrimas nos olhos. – a essa altura já estava rindo. – E a gente perguntando, “O que foi Ichigo?”, e ele se escondendo atrás da mãe. De repente aparece a pretendente pronta para agarrá-lo. E ele ficou horas correndo dela!
Rukia permitiu-se rir. Não deixava de ser bonitinho. Mas era bem mais vergonhoso. Começou a anotar enquanto tentava imaginar. Ah, como ia torturar aquele ruivo com essa história...
- Foi aí que eu comecei a achar que meu filho era homossexual. – o riso de Isshin deu lugar a uma voz e expressão absolutamente sérias.
- O q-quê?! – Rukia quase deixou cair a caneta.

- Ele tinha sete anos, pelo amor de Deus! – Isshin se justificava. – Mas fica tranqüila... – pousou a mão no ombro dela. – Eu tive outras provas de que ele gosta de mulher. – voltou a sorrir. Um sorriso que fez Rukia querer recuar.
Será que poderia incluir o pai dele nas informações vergonhosas, também?
- Papai, papai! – Yuzu tirou a mão de Isshin de cima de Rukia para cortar aquele clima de venda. – Por que não mostramos o quarto do onii-chan pra Usagi-chan? Afinal, se a pesquisa é sobre ele, acho que vai ser o mais interessante a mostrá-la, né?
- Ah, claro, claro! – ele foi andando na frente. – Sigam-me!
E foram em direção às escadas. Mais um item brilhava no horizonte!
- Ainda bem que já arrumei o quarto dele hoje! – Yuzu foi dizendo enquanto subiam os degraus. – O onii-chan é meio preguiçoso... – fez uma careta.
- Você que arruma o quarto dele? – Rukia dessa vez estava verdadeiramente surpresa. Mas que folgado!
- É. – mas ela parecia orgulhosa em dizer. – Espero que não tenha deixado nada fora do lugar... – murmurou para si mesma.
Os três andaram pelo pequeno corredor e abriram a porta de Ichigo. É... Era ali que ele vivia. Dormia e acordava. Talvez estudava... Ou lia... E praguejava contra o Infernal-sama, certamente.
Entrou bem devagar, depois do pai e da irmã. A primeira coisa que notou foi o cheiro... Cheiro da limpeza, da timidez e do perfume cítrico dele.
- Parece que fez um bom trabalho. – foi gentil com Yuzu. – Com licença. – e passou pelos dois pisando cuidadosamente no território.
A janela estava aberta. Dava para perceber que dali ele podia ver algumas estrelas à noite. Era tudo bem simples. Havia livros, CDs e Dvds organizados numa mesinha de estudo, um computador... A cama era bem abaixo da janela.
Era tudo simples até demais! Aquilo não dizia muita coisa dele... Queria poder abrir as gavetas e o armário... E no que estava pensando?! Estava incorporando além da conta a tal da Usagi!
- É um... Quarto bonito. – sorriu para os dois.

- Não quer dar uma olhadinha a mais? – Isshin ofereceu.
- C-como assim? – as bochechas de Rukia rosaram involuntariamente.
- Ah, você sabe... Mexer nas coisas dele! – ele fez um gesto com as mãos. – Tudo bem, não vou contar pra ninguém! – fez sinal de segredo.
- Papai! – Yuzu ralhou pela milésima vez no dia. – São as coisas do onii-chan! A privacidade dele!
- E o que é que tem? – ele deu de ombros. – Nossa aspirante a jornalista não vai querer sair daqui com uma olhada tão superficial. Não é verdade, Coelhinha-chan? – fez trocadilho com o pseudônimo dela.
- É-é... – ela estava meio nervosa. – Eu gostaria de descobrir o máximo que puder!
- Legal! – Isshin sorria alegre. – Pode ir em frente! Eu e a Yuzu vamos fazer uns biscoitinhos lá embaixo. Já que não tem nenhum dinheiro aqui e nem nada valioso, podemos deixar você fuxicar à vontade! – foi puxando a filha para a porta.
- Papaaai! – Yuzu continuava choramingando.
- Muito obrigada! Vocês são mesmo gentis! – Rukia continuou sorrindo até que a porta se fechasse.
É. Agora estava sozinha no mundo mais íntimo de Ichigo. E podia fazer o que quisesse. Mas... Por onde começar? E o que queria?
Fechou os olhos e inspirou aquele cheiro... Sentiu-o mais forte quando o abraçou, lembrou de súbito. Deixou que seus instintos a guiassem. O que era raríssimo.
- Aquele homem é completamente louco. – Rukia murmurava para si mesma enquanto caminhava pelo cômodo. Por algum motivo, foi parar bem perto da cama de Ichigo. – Ele confiou fácil demais
em mim... E ainda por cima me deixou xeretar as coisas do filho dele... – sem perceber, sentou-se na cama. – Será que... Ele percebeu algo? – colocou a mão no bracelete assustada. Mas não. Ele estava mesmo seguramente disfarçado. – Ahh... – suspirou afundando mais no colchão. – Acho que ele quer mesmo arrumar uma namorada pro filho de qualquer maneira. Será que ele ainda acha, no fundo, que o Ichigo é gay? – segurou, mas não conseguiu por muito tempo. Riu. – Deve ser difícil ter um filho estranho...

Que corre e chora por causa de um beijo... – deslizou as mãos pelo lençol e só então caiu em si: tinha deixado que os instintos a levassem longe demais. Arregalou os olhos. – Deus! – pulou da cama. – O que eu estou fazendo? – corou. Olhou para os lados. Pelo menos ninguém tinha visto aquilo. Fixou os olhos na prancheta e começou a anotar algo furiosamente. Mais para fugir de si mesma. – Melhor partir para uma investigação mais profunda! - e foi correndo abrir o armário de Ichigo.

****

- Olá, Usagi-chan! – Isshin cumprimentou todo reluzente ao ver a jovem chegando de volta à sala, onde havia chá e agora biscoitos também. – Junte-se a nós!
- Obrigada! – ela foi se aproximando devagar.
- E então? Deu pra fazer boas anotações? – o homem enfiou um biscoito na boca.
- Ah, sem dúvidas. – sorriu. E rezou mentalmente para que ninguém descobrisse seu pequeno “furto”. Não. Furto não. Ela iria devolver depois! É. Isso. Não estava fazendo nada de errado... Era tudo culpa do Infernal-sama!
- E agora? – Isshin perguntou quando a capricorniana já estava acomodada. – O que mais quer descobrir?
- Bem... Eu gostaria que falassem um pouco do Kurosaki. Eu preciso de alguns depoimentos de conhecidos. Não precisa ser um discurso.
- Fácil. – Isshin sorria. – Como eu disse antes... Ele não me orgulha tanto assim, mas é um bom garoto. Meio anti-social... Meio emo... Mas um bom garoto.
- Emo? – Rukia riu. E grifou a palavra na prancheta.
- É. – ele confirmou. – Apesar da cara dele de “se ficar olhando vou te matar”, ele é todo sentimentalzinho... Ouve umas bandas de emo aí, é fã de Shakespeare e tal... – comeu um pouco. E continuou falando de boca cheia. – É chato, resmungão, diz sempre gostar de ficar sozinho, mas na verdade... Na verdade ele ama a família dele. Não é, Yuzu?
- É sim! – a menina assentiu com vigor. – Ele nunca quis morar fora, mesmo que todos os amigos dele tenham chamado.
- Isso mesmo. Ele é bem caseiro. E apesar de ter cabelo de punk e ser meio nervosinho, ele sempre está pronto pra ajudar os outros...

Pensou em Mai. Era verdade.
- Ah é! – Yuzu lançou um olhar conspiratório. – E apesar de ele fingir que não, é muito supersticioso também! Ele acredita muito em astrologia, lê o horóscopo todo dia e tem uma cueca da sorte. – levou a mão à boca e arregalou os olhos. – Oops. Isso era um segredo!
- Cueca da sorte, é?! – Rukia se divertia. O sorriso não queria parar de escorrer veneno enquanto anotava. – Que interessante!
- Dessa nem eu sabia... – Isshin parecia perdido. – E qual é? Aquela que eu dei a ele no Natal?
- Aquela vermelha? Credo papai! – Yuzu fez uma careta de nojo. – É a que ele usou pra fazer o vestibular.
- Ahh... Entendo... – ele segurou o queixo pensativo.
- Er... – agora Rukia já estava ficando sem graça. – Mais alguma coisa a falar do seu irmão? – dirigiu-se a Yuzu.
- Humm... – pensou. – Ele é grosso. E mal humorado. Mas eu gosto muito dele. – sorriu corada. – Sempre foi muito bonzinho comigo, no fundo, no fundo... Quando eu era menor, sempre me ajudava no dever de casa... E às vezes até brincava de boneca comigo.
- O quê?! – Isshin e Rukia perguntaram ao mesmo tempo, o queixo quase quicando no chão.
- Ah... – a loirinha corou bastante. – Acho que também não era pra eu falar isso, né? – coçou a bochecha e desviou os olhos.
- Ah, agora você vai ter que contar! – Isshin gritou agressivamente.
- Sabe... Depois da cueca da sorte, acho que não precisa mais esconder nada. – Rukia encorajou de outra forma. Mais maliciosa.
- É... – Yuzu ponderou. – Não era culpa dele... A Karin-chan só brincava na rua. Então eu brincava sozinha com as minhas bonecas, mas um dia eu insisti muito para ele interpretar a Mildred-san, que era melhor amiga da minha boneca princesa... Eu quase chorei! E como ele não tinha muitos amigos também, acabou aceitando. Mas foram só umas três vezes...
- Três vezes?! – os olhos de Isshin quase saltavam.
- Mildred-san? – a boca de Rukia quase se rasgava de tanto conter o riso.

- É... Ela usava um vestido azul... – fez uma pausa culpada. - Mas, por favor, não contem pra ele que eu disse isso... – encolheu-se.
- Ah, claro que não! – Rukia tranqüilizou-a. – Eu nem falo com ele direito! – abanou a mão. É... Era como se aquele dia fosse para ela o dia da mentira.
- Deus do céu... – Isshin estava desesperado, o rosto chocado. Virou um copo inteiro de chá. – Acho que devo considerar a idéia de meu filho ser bissexual...
- É... – Rukia resolveu cortar aquela situação constrangedora. - Acho que ainda preciso de mais gente pra depor.
- Não se preocupe! – Isshin serviu-se de mais chá. – Daqui a pouco a Karin, minha outra filha, chega da rua. Só espero não ouvir mais revelações bombásticas... – virou o copo de novo, como se fosse cachaça.
- Ah, que ótimo! É uma família de bom número, não? – sorria. – Ah! – conferiu os itens restantes na prancheta. – Será que poderia me mostrar uma foto antiga do Kurosaki-kun? – imaginou se não tinha sido direta demais. – Quer dizer... Faz parte da nossa pesquisa... Conhecer as bases... – sorriu meio sem jeito.
- Ahh, claro! – Isshin levantou-se bruscamente. – Vou lá pegar e já volto! – saiu correndo escadas acima, como se estivesse mesmo na flor da idade.
- Uau! – Rukia estava admirada. – Seu pai muda de humor rápido, não? E tem uma energia! – tomou mais chá.
- Ah, você não faz idéia... – ela riu sem graça. – Mas então... – olhou-a mais seriamente. – Você está interessada no meu irmão?
- Cof! Cof! – Rukia engasgou-se com a bebida. – C-como? – tentava se refazer respirando fundo.
- É... – estava vermelha. – Você sabe... – olhou para o chão. Mas em seguida voltou a encarar a estranha. – Você o escolheu por estar interessada nele?
- E-eu... Bem... – o que diria àquela garota? E por que é que ela estava com aquela idéia absurda na cabeça? Era isso que estava parecendo? Não... Calma. Foi só uma perguntinha inocente. – É como eu disse antes... Eu o admiro... – ocupou a boca com biscoitos.

- Cheguei meninas! – o homem cortou aquele clima estranho, para a sorte da universitária, com uma caixa que parecia não muito leve nas mãos. – Aqui tem algumas coisinhas...
Os olhos azuis de Rukia ficaram arregalados.
- Uau! Papai! Fotos antigas! – Yuzu estava empolgadíssima. – Adoro essas coisas!
- Você vai precisar levar, Usagi-chan? – Isshin perguntou.
- Se eu puder... Mas se eu levar, devolvo, prometo! – sorriu.
- Ótimo! Temos alguns álbuns aqui, mas esse... Acho que é o melhor. – pegou um álbum azul escuro. – Pode olhar as fotos. – entregou a ela.
Rukia tomou o álbum em suas mãos e um sentimento ao mesmo tempo nostálgico e alegre invadiu seu corpo. Parecia mágica. Aquele simples objeto emanava uma energia incrível. Abriu-o.
- Que... Bonitinho... – estava levemente trêmula, assustou-se ao perceber. Mas por quê? Só por causa daquele sorriso do tamanho da distância entre as orelhas dele? Só por causa daquela mulher linda segurando-o no colo? – Certamente... Não parece o Ich... Digo, o Kurosaki-kun que todos conhecem. – riu. Mas foi sincero. Estava brilhando.
- Ele devia ter uns quatro anos nessa foto. – Isshin informou. Também estava especialmente reluzente.
- Oh! – Rukia olhou uma outra foto. Ichigo parecia ainda menor. Mas devia ser porque estava com o pai. O ruivinho estava de pijama. – Ele parece ainda mais frágil. – virou a página. Não conseguia tirar o sorriso do rosto.
- Ahh, eu adoro essa! – Yuzu deu palpite toda alegre. – É de quando eu e a Karin-chan nascemos!
De fato. Masaki estava deitada com as duas meninas no colo e Ichigo de intrometido.
- Haha! – Rukia quase esqueceu que estava interpretando. – Olha ele de Robert.
- Ah, não ia dar pra tirar o moleque da foto. – Isshin balançou a cabeça reprovando. – Morria de medo que ele tivesse ciúme das meninas... Mas até que não. Ele as protege bem desde pequeno.
- Ahh, papai! – Yuzu resmungou. – Tem espaço pra todo mundo na foto!
- Menos pra mim, né? – ele fez bico.

- Alguém tinha que tirar a foto! – Yuzu explicou.
Rukia riu. Era tudo tão doce...
- Ah, essa é uma das minhas preferidas! – Isshin apontou pra foto. Era Ichigo com a boca escancarada chorando.
- Como você é mau... – Yuzu inflou as bochechas.
- Foi o primeiro dia de aula do Ichigo. – Isshin ignorou a filha. – Um sacrifício! Ele só entrou quando eu comecei a tirar as fotos! – riu maldoso.
- Hahaha! – Rukia riu junto, do mesmo modo. – Era mesmo um chorão, sem jeito! – balançou a cabeça.
Passaram por algumas fotos de Ichigo com a professora, com os colegas, mais fotos com as irmãs... E com uma menininha de cabelos esverdeados.
- Quem é essa? – Rukia apontou. A menina sorria toda suja de sorvete, descalça e com o nariz escorrendo, e Ichigo segurava a mão dela meio tímido. Parecia maiorzinho.
- Essa é a Nell-chan. – Isshin disse. – A priminha dele. Filha de uma prima da Masaki. – balançou a cabeça. – Foi ela que tentou agarrar o Ichigo e ele saiu correndo.
- Ah... – Rukia ficou olhando atentamente para a menina. Era realmente muito bonitinha. E engraçada, dava pra ver de longe. Como ela estaria agora? Será que ainda se davam bem assim? Virou a página. E então se deparou com a foto que fez seus olhos brilharem mais.
- Que... – perdeu a fala. Estava emocionada. O coração não estava no ritmo normal.
- Essa é a mais nostálgica de todas... – até Isshin ficou um tanto sério.
Yuzu continha as lágrimas que queriam vir de novo.
Tratava-se de, nada mais nada menos, que a família Kurosaki, a mãe, o pai, as filhas e o filho, todos unidos, sorrindo, numa grande toalha de piquenique, num gramado à beira de um riacho rodeado por flores brancas. E Rukia pôde sentir imediatamente que aquela energia que o álbum irradiava vinha daquela única foto. A mais preciosa. A mais brilhante. A mais perfeita.
- Foi a última vez que tiramos uma foto todos juntos. – Isshin foi dizendo. – Então é um tesouro nosso.
Rukia semicerrou os olhos e sorriu amavelmente para Isshin.

Yuzu escondia o rosto entre as mãos e fazia barulhinhos de choro.
- Parabéns. – a capricorniana murmurou docemente. – Por construir uma família tão maravilhosa. E muito obrigada por me mostrá-la. De verdade. – fechou o álbum. – Vocês têm muita sorte. – fez carinho no braço de Yuzu.
Isshin devolveu o sorriso do mesmo jeito. Era um momento especial.
- Cheguei! – ouviram a porta abrir bruscamente. O clima foi imediatamente cortado e todas as cabeças viraram-se em direção à voz. – Yuzu, aquela parada que você pediu eu não... – parou diante dos três meio surpresa e meio sem jeito. -... Não achei... – completou baixinho.
- Karin-chan! – Yuzu sorriu apesar dos olhos molhados. – Tudo bem, eu procuro amanhã.
- O que está acontecendo aqui? – a jovem de cabelos curtos e pretos quis saber intrigada.
- Permita que eu me apresente. – Rukia levantou-se e fez uma pequena reverência. – Meu nome é Usagi e eu vim fazer uma pesquisa pra faculdade. Curso jornalismo e vim descobrir mais sobre Kurosaki Ichigo como um trabalho. – sorriu. – Prazer.
- Ah... – olhou o crachá na blusa da pequena e depois fitou seu belo rosto. – Prazer.
- A gente estava mostrando as fotos do Ichigo quando era pirralho pra Usagi-chan! – Isshin disse à filha todo empolgadinho. – Estamos tendo uma tarde maravilhosa!
- Humm... – a jovem ainda não estava totalmente convencida de Rukia.
- E então, Usagi-chan? – Isshin voltou o olhar à visita. – Já escolheu a foto?
- Já! – sorriu alegre. – Com certeza!
- Karin-chan, Karin-chan! – Yuzu chamou a irmã. – A Usagi-san precisa de mais alguns depoimentos sobre o onii-chan! Dê o seu a ela!
Rukia continuou sorrindo para Karin. Tinha uma boa impressão dela, apesar de parecer tão desconfiada. Sabia como era.
- O Ichi-nii... – ela coçou a cabeça. Exatamente como Ichigo fazia. – Ele é um cara totalmente confiável. – disse enfim.
Rukia anotou na prancheta. Era o que esperava, de algum modo.
- Obrigada. – agradeceu.
- E agora, Usagi-chan? Do que mais precisa?

- Humm... – consultou a prancheta mais uma vez. – Será que seria muito incômodo me dar alguns endereços? – piscou os olhos.

****

- Tchau! – Rukia acenava da porta para a família Kurosaki.
- Tchau, Usagi-san! – Yuzu acenou de volta. – Boa sorte com seu trabalho!
- E pode voltar mais vezes se quiser! – Isshin completou.
- Obrigada! – Rukia sorria. Passara uma tarde realmente agradável.
Depois de pegar os tais endereços, ainda terminou de comer os biscoitos e tomar o chá. Conversaram um pouco também. Pôde até ouvir mais a voz da irmã morena de Ichigo. Parecia muito com ele, percebeu.
Já era quase cinco da tarde e ainda tinha alguns lugares para visitar. Dois amigos de Ichigo. O colégio dele. E aquele gramado, à beira do riacho rodeado de flores brancas...

****

“Relatório de Ukitake Rukia para Celeste-sama

Missão: Conhecer as bases

Itens adquiridos:

- Depoimentos de Kurosaki Isshin, Kurosaki Yuzu, Kurosaki Karin, Yasutora Sado e Arisawa Tatsuki.
- Informações vergonhosas: fuga do primeiro beijo, a cueca da sorte e a boneca Mildred-san
- Informações sobre a escola: Colegial, pela professora Misato Ochi
- Lugar preferido: a beira de um riacho margeado de flores brancas
- Perspectiva do quarto: foto em anexo
- Foto de infância: Ichigo chorando no primeiro dia de aula, em anexo
- Item interessante: uma corrente que carrega um pingente de coração com um K gravado

Comentários por Ukitake Rukia

Descobri nessa missão muito mais do que pensei que fosse descobrir. Conheci primeiramente a família Kurosaki. O pai e a filha mais nova. O homem é bem louco e enérgico, assim como Ichigo havia descrito. Mas muito doce e simpático. O mesmo com a Yuzu. Um amor de menina. Prendada, ajuda o pai em casa e ainda arruma o quarto do folgado do irmão. O mais legal nela é que é tão inocente que acaba deixando escapar tudo que eu quero saber. Só espero que ela não queira seguir meus passos como jornalista. Mas até que eu me saí bem, acho.
Enfim, a outra irmã, Karin, é bem parecida com o Ichigo.

Também é uma boa menina apesar da constante defensiva e a cara emburrada. Os amigos Sado e Tatsuki parecem ser gente boa também. Me receberam bem e disseram coisas boas do Ichigo. O Sado disse que ele é um parceiro fiel e a Tatsuki disse que ele é um estúpido chorão que acaba cativando as pessoas. Em suma, quase todos disseram a mesma coisa: Ichigo é uma pessoa de bom coração e confiável, mas é emo e estouradinho. E também é isso que eu acho!
Descobri algumas coisas sobre o Ichigo com esses depoimentos. Por exemplo, sempre soube que ele era meio emo, mas nunca ia imaginar que ele era um torrencial de lágrimas. E ainda o é, mas não quer demonstrar, acredito eu. A morte de sua mãe o fez endurecer na marra. Teve que ser forte. E se virar.
Mas como eu estava dizendo antes, ele era um bebê chorão. E isso eu achei bem engraçado. O mais legal foi que eu pude ver nas fotos! E a que eu escolhi para esse relatório é justamente o ângulo perfeito de uma criança chorando. Uma criança que chora por beijos, primeiro dia de aula e escuro. Interessante. Ele devia ser mesmo insuportável!
Achei bonito o modo como cuidava das irmãs e como elas o adoram. Quer dizer, ele é superfamília. Mas esse amor todo com as irmãs acabou gerando frutos meio podres... Tipo ser obrigado a brincar de boneca ou acabar compartilhando que tinha uma cueca da sorte. Mas o importante mesmo é que elas se sentem amadas e seguras com ele. Apesar da constante cara feia que ele faz.
Descobri... Quer dizer, deduzi pelas fotos, que o lugar preferido dele seria o local onde foi o último piquenique com a mãe. Apesar da dor, acredito que é mesmo um lugar especial. E nem gosto muito de falar sobre isso, me sinto uma intrometida. E bem... Tudo na vida desse cara girava e gira em torno de sua mãe. Ela com certeza está acima de tudo para ele.
Visitando o colégio dele descobri que o emozinho sofreu muito preconceito. Os professores sempre o olhavam torto por causa do cabelo laranja e a cara de azedo. Achavam que ele parecia um encrenqueiro e pegavam no pé dele.

Por causa disso ele estudava bastante, para não ter chateações. Apesar de tudo, a professora dele me disse que era mesmo um bom aluno e se dava bem em quase todas as matérias. Ele só era bem ruim de relacionamento e também em decorar os rostos das pessoas. Mas ela me disse como ele se esforçou para passar no vestibular. E isso fez com que eu gostasse um pouquinho mais dele.
Sobre o quarto dele... Foi a parte mais bizarra do dia. O pai dele me deixou ficar à vontade lá! Ainda bem, porque foi fácil pegar o item. Não que eu esteja me sentindo muito feliz
em ter ROUBADO uma coisa que parece valiosa ainda por cima, mas tudo bem. Eu vou devolver.
Como eu estava dizendo do quarto, fuxiquei bastante em tudo e vi as roupas dele, os acessórios, os livros, os CDs e essas coisas. Ainda bem que não encontrei nenhum material pornográfico. É. Ele ganhou mais pontos comigo. Achei o quarto dele bastante impessoal e simples para o estilo dele... Tem bastante influência musical.
E na caixinha que encontrei lá no fundo da gaveta de meias... Encontrei a correntinha... Fininha. Prateada. Com um coração e um K gravado dentro dele. Brilha tanto... Deve ter sido bem caro. Mas não é isso o que mais importa... O que importa é que me intriga... Teria sido da mãe dele? Ou um presente pra alguma namorada? Ou o pai dele está certo e ele é mesmo bissexual?
Foi uma experiência muito boa, mas eu não estou nem um pouco a fim de repeti-la.
É só isso. Espero que esteja satisfeito e bem estrelado agora, Celeste-sama.”



Continua...


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