Something Like Love escrita por Boca de Netuno


Capítulo 4
capítulo quatro.




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   De verdade? Eu queria muito falar com Patrick novamente. Meu único dilema era se ele iria responder. Entrei na sala com medo de parecer boba se eu dissesse alguma coisa. Sentei em meu lugar, na quarta cadeira da segunda fila. Ele já estava lá. Sempre chegava cedo e ficava escrevendo algo, ou lendo livros, ou até mesmo dormindo deitado na carteira.


   A sala estava relativamente vazia, ainda faltavam alguns minutos para o sinal soar. Larguei a mochila no chão e encostei meu queixo na meia mesa azul e fria, suspirando longamente e fechando os olhos, lamentando não ter dormido direito de novo.


   "Lillian." alguém me chamou bem baixinho, numa voz confortante e suave. Só podia ser ele, pois ninguém me chamava pelo meu nome completo a não ser que estivessem furiosos comigo. Virei a cabeça, deitando-a, e abri os olhos.


   "Me chame de Lilly, por favor. Lillian dá uma má impressão." Disse, franzindo levemente o cenho, deixando claro o meu desconforto. Ele parecia não querer falar nada além do básico, e eu não o impedi de fazer isso.


   "Er, o livro." Ele me estendia um livro com capa vermelha e alaranjada. Era uma edição antiga, mas estava impecavelmente preservado.


   "Ah, obrigada de novo." sorri. As aulas de química e filosofia passariam mais rápido hoje. Ele corou, acenando com a cabeça e voltou a olhar para a porta, do jeito que estava antes. Provavelmente essas seriam as únicas palavras que eu ouviria dele hoje.


   Com certeza as outras cinco pessoas que estavam na sala notaram a conversa de poucos segundos, pois olharam com espanto para Patrick, quando ouviram sua voz. Aparentemente achavam que era mudo.


   Não tenho idéia do que estava passando pela minha cabeça naquele momento, mas eu sabia que, de qualquer maneira, eu queria me aproximar mais dele. Eu precisava conhecê-lo mais a fundo, e realmente não estava me importando com o que aconteceria mais tarde. Estava até cogitando em desistir da minha invisibilidade para poder falar com ele mais freqüentemente.


   Seth entrou na sala e veio me cumprimentar. Olhou de relance para Patrick, mas não falou nada. Falei que já voltaria, dando a desculpa que queria falar com Ash antes que o sinal batesse. Esqueci de falar. Por certa falta de disciplina em sala de aula, a coordenadora resolveu nos separar. Ashley estava na turma um, Katie na turma dois e eu, na turma três. Mas passávamos os intervalos juntas. Isso quando eu não passava o intervalo com Seth.


   Nem cheguei a entrar nas outras salas, apenas saí para tomar um gole d'água e tentar pensar no que iria dizer a Seth quando ele me passasse os bilhetinhos perguntando tudo o que queria saber.


   A primeira aula do dia seria português. Então, se a professora não nos visse passando papéis (como se ela prestasse atenção ao que fazíamos), não teria problemas. Como esperado, um papel dobrado caiu em cima da minha carteira logo nos primeiros minutos. Desdobrei-o e reconheci o rabisco que era a caligrafia de Seth. Perguntava se eu estava interessada no outro garoto sentado ao meu lado. A resposta para essa pergunta já estava pronta desde o dia anterior. Respondi-lhe que não, que achei que ele fosse uma pessoa legal e que fiquei curiosa para saber como ele era quando falava.


   Duvido que ele tenha acreditado naquilo, mas não insistiu. Mais algumas perguntas desse gênero e acabamos caindo na mesma conversa de sempre, tirando sarro de professores e contando piadinhas sem graça. Senti meu rosto esquentar um pouco quando percebi que Patrick olhava de soslaio para mim toda vez que eu abafava o riso. E, pelo que parecia, não era aquele olhar de reprovação, por eu estar atrapalhando a concentração dele; era algum tipo de olhar enigmático, de curiosidade. Admito que gostei que ele estivesse agindo assim, por mais idiota que essa confissão seja.

 




   Seth me acompanhou no primeiro intervalo, irritantemente prestando atenção a cada movimento e respiração que eu dava. Ele não fez mais perguntas - para minha imensa sorte, mas parecia morder a língua para se controlar toda vez que eu ameaçava olhar para o banco encostado no muro. Consegui paz por três minutos, enquanto ele ia ao banheiro, e aproveitei para rodar rapidamente o pátio, observando o mais discretamente possível o garoto solitário.


   Ele levantava a cabeça de vez em quando, monitorando o pátio inteiro por alguns segundos antes de abaixar a cabeça para sua lata de refrigerante novamente. Na terceira vez que ele fez isso, seu olhar caiu em mim. Minha boca se abriu e o ar fugiu dos meus pulmões, e eu esqueci qual era a sensação de respirar. Não durou muito, pois ele apenas torceu de leve o canto da boca, no que pareceu um sorriso para mim, e tornou a esconder o rosto.


   Como esperado, Seth apareceu do nada, e com certeza ele já sabia exatamente para onde eu estava olhando. Parecia que o ar fora forçado para dentro de meus pulmões, e isso foi bem estranho.


   "Eu sei o que está acontecendo" o garoto ao meu lado cantarolou debochado, me contornando para me puxar, me obrigando a ir para o outro lado, sendo guiada de costas, puxada pela blusa. Ele me arrastou até um canto e ficou me encarando. Coloquei no rosto minha melhor cara de coitada, sem ter certeza se funcionaria. Ele estava morrendo de curiosidade, mas eu havia decidido que ainda não era a hora de contar para Seth. Eu o faria sofrer mais um pouco.

 




   Mais uma vez, a sexta-feira demorou a chegar ao seu meio-dia e quinze, e eu saí cantando com as meninas alguma música animada que só nós conhecíamos. Fiquei um pouco para trás, despedindo-me das garotas, e parei em frente à biblioteca, sem saber se eu iria para casa direto ou se ficaria mais um tempo ali, lendo nas mesas de carvalho empoeiradas, só para ter uma desculpa para observá-lo. Já havia dito para Tiffany que voltaria sozinha, então era para ela não se preocupar em retardar o almoço.


   Do nada, eu percebi que as pessoas passavam por mim como se eu não estivesse ali, como se fosse um poste fora do lugar. Ninguém se virava para olhar, ninguém parava para falar comigo. Uma vez em minha vida, me senti mal por ser invisível. Talvez, se eu olhasse por outro ângulo - só talvez – seria bom ser notada. Não por errar uma questão fácil de cálculo, não por estar com o rosto marcado porque dormi em cima dos cadernos. Mas como pessoa, pela minha personalidade. Quem sabe um dia alguém veria que eu sou mais que a garota que anda com o único gay assumido da escola.


  Seth parou ao meu lado e permaneceu calado. Duvido que ele soubesse o que eu estava pensando, mas ele me conhecia bem o suficiente para não atrapalhar. Forcei um sorriso e ele me acompanhou até o ponto de ônibus, insistindo para que eu pegasse uma carona com ele e Ed, seu irmão mais velho. Ele ficou decepcionado quando eu ganhei a discussão, mas decidiu respeitar minha privacidade – por enquanto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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