Os Clichês de Rosemary escrita por Gabriel Campos


Capítulo 5
Ei, Rosemary...vá devagar, viu?


Notas iniciais do capítulo

ESSE É O ÚLTIMO CAPÍTULO DO ANO! Tirem seus lencinhos do bolso, pois só vamos nos ver ano que vem agora.
Quando drama! e.e
Gente, feliz ano novo pra vocês. Que 2015 seja melhor que 2014, pq né...

PS: Esse é, na minha opinião, o melhor capítulo até agora.



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Dona Solange deixou que eu dormisse um pouco mais tarde naquela noite, por se tratar do meu aniversário. Às nove e quinze da noite eu já estava indo para a cama, mas tive de virar o meu colchão, deixando a parte mijada para baixo, por ela estar (claro) podre a xixi.

Vou aproveitar a menção do fato de eu ter mijado na cama para lhe explicar que eu não fazia isso por sem-vergonhice ou por medo de ir ao banheiro de madrugada. Era por causa da minha mãe: ela odiava que eu perambulasse pela casa como uma alma penada durante a noite porque

1) ela tinha medo de espíritos e

2) ela poderia me bater, pois sabia que a programação da TV na calada da noite era uma maldição. Não que ela fosse algum tipo de religiosa fanática, mas ela dizia que toda a baboseira da televisão poderia acabar com o meu cérebro. Até que ela tinha um pouco de razão mesmo.

Mesmo assim, eu adorava assistir televisão. Mamãe ficava com o controle remoto e ficava passando os canais, selecionando tudo o que eu poderia assistir ou não; sempre que ela ficava zapeando pelos canais eu via, por um milésimo de segundo, um beijo, ou uma cena mais caliente, ou como o mundo era (ou deveria ser). Aquela caixinha era muito surreal, pena que eu não poderia fazer uso dela sem a “supervisão” de um adulto.

Por isso, eu corria o risco de levar uns tabefes de Dona Solange: Eu, Rosemary, sairia da minha cama para ir ao banheiro e, com certeza, não resistiria e ligaria a TV. Eu já havia feito isso algumas vezes, mas minha mãe parecia ter pálpebras foto... foto... fotossensíveis (acho que é isso) e sempre que a luz da TV iluminava a casa ela acordava e você já sabe o que acontecia.

Mamãe tinha um verdadeiro arsenal: ela guardava no armário um utensílio de tortura para cada nível de infração. Exemplo: a corda de nylon, por ser mais leve, era para quando ela mandava eu fazer alguma coisa, como um serviço doméstico e eu demorava um pouco para ir; o cinturão de couro, que o meu pai esqueceu de levar quando foi embora, era para quando eu tirava algumas notas baixas, o que já não mais acontecia; a colher de pau, por sua vez, era para quando eu lhe respondia com desrespeito ou não seguia a alguma de suas ordens, como assistir TV sem a sua permissão; já a velha bengala do meu falecido avô, só o Rubem já havia provado dela.

Ela servia para quem fugisse de casa.

Acordei de madrugada com o barulho do carro de Rubem do lado de fora de casa. Ele estava acabando de chegar. Aquela era a hora normal em que meu irmão costumava chegar do trabalho pois, após o expediente, sempre caía na gandaia. Normalmente, ele chegava em casa bêbado e ia trabalhar no dia seguinte de ressaca.

Dona Solange já não tinha mais como reclamar. Rubem era maior de idade, não vivia mais à custa dela, pois tinha um emprego – e ganhava relativamente bem como gerente de uma loja de roupas – e, como eu já dei a entender algumas vezes nessa história, ele já havia enfrentado nossa mãe o suficientemente bem para que ela o deixasse em paz. Por isso, eu tinha inveja dele: Rubem podia fazer o que bem entendesse e na hora que quisesse.

Ele era a ovelha negra da família.

E eu queria ser uma ovelhinha negra também.

Esperei alguns minutos até que saí da minha cama e corri até o quarto do meu irmão. Passei em frente ao quarto da minha mãe, que roncava esporadicamente. E, claro, eu sabia que se eu acendesse a luz ou ligasse a televisão ela acordaria.

Bati duas vezes na porta do quarto do meu irmão. Ele não respondeu, então decidi entrar. Ele estava a dormir de bruços, sua baba escorria pela boca e molhava o travesseiro. Pensei que ali poderia ser um ótimo momento para eu me vingar, se eu tivesse uma câmera e um instagram cheio de seguidores, como ele tinha.

Mas Rubem era minha chave para a liberdade. Uma chave que fedia à álcool. Ok, ele não poderia me levar daquele jeito para a casa do meu pai e eu pensei ser muita sorte ele ter chegado em casa são e salvo, já que veio dirigindo.

Falando em chaves, as do carro dele estavam pousadas em cima da sua mesinha de cabeceira.

Eu iria aprender a dirigir naquela noite.

Na marra.

👯♡ 👯♡ 👯

Vamos lá. Chave na ignição: confere. Cinto de segurança: confere. Todas as minhas tranqueiras, incluindo roupas que já saíram de moda, livros e outros materiais da escola, além de todos os meus desenhos de pseudoarquiteta: confere. Bilhetinho na mesinha de cabeceira do quarto do meu irmão avisando que eu peguei seu carro emprestado: confere. Saber dirigir... não confere.

Eu sabia a teoria. Minha mãe pilotava um velho fusca branco, o qual ela usava para ir me deixar e buscar na escola; sempre quando estávamos no caminho (minha escola ficava a pouco mais de meia hora da minha casa, pois era em outra cidade) eu a observava fazendo todo o processo. Tudo o que eu precisava era de calma e paciência.

E quando uma pessoa está prestes a fugir de casa e roubar um carro, a última coisa que ela vai ter é calma e paciência.

Vou reproduzir mais ou menos aqui a minha primeira experiência como motorista/fugitiva/ladra de automóveis. Não liga, se você não entender, pode pular essa parte, pois se trata de uma discussão comigo mesma. Quando eu tô nervosa, nem minha consciência fica lúcida:

Ok, vamos lá, Rosemary, você consegue. Você é foda, você é inteligente. Hoje é o seu dia, que dia mais feliz! Girando a chave... vruuuuum!!! Droga! Eles vão acordar! Os faróis estão acesos e iluminando a rua toda! Quem meus vizinhos poderiam achar que estivesse dirigindo àquela hora da madrugada?! A Rosemary de pijama! Ai, Deus! Eu tenho que dar o fora daqui o mais rápido possível, ou pode ser tarde demais.

Calma, Rosemary. Foco.

Hum... Temos dois pedais aqui. (De repente, eu esqueci qual era o que servia para acelerar e o que servia para frear) Bom, está escuro, eu acho que são mesmo dois pedais. Vou tentar esse aqui. (O carro deu um solavanco pra frente. Acho que aquele pedal servia para acelerar.) Puta merda, o carro do Rubem é mil vezes mais diferente que o da minha mãe. Dane-se, eu vou conseguir. Porra, eu tô pensando muito palavrão. (Eram palavrões aleatórios). Ah, que se foda, a culpa não é minha! Porra, Rosemary que mente suja!

Respira, Rosemary! Olhe pra trás, você conseguiu que o carro andasse um metro! Beleza, ele continua parado, mas pisa nesse troço de novo! (Então eu olhei pro outro troço que ficava do lado do banco do motorista. Era a marcha. Subi-a duas vezes e pisei no pedal, com força. O carro começou a andar, mas não parou, como da outra vez. Ele estava indo na direção da casa que ficava em frente à minha quando, na verdade, ele deveria virar para a esquerda e depois virar a esquina, para a direita, pegando a avenida principal da cidade; daí eu manobrei o carro com o volante de borracha rosa purpurinado do meu irmão e eu me achei a pessoa mais foda do mundo porque consegui dobrar aquela máquina mortífera para a esquerda e, em seguida, para a direita, como eu havia planejado).

Então eu deixei a minha consciência descansar um pouco e pude respirar aliviada. Eu sabia que era só seguir em frente naquela avenida e que em quarenta e cinco minutos eu estaria na casa do meu pai. Não seria tão difícil encontra-la pois, como sua nova esposa, Marjorie gostava de ostentar o dinheiro do papai, sua casa era a maior e mais bonita dentre todas as casas daquela avenida.

Enquanto não chegava, até arrisquei colocar uma musiquinha no toca CD do carro do meu irmão. Como não houve nenhum sinal vermelho nos dez primeiros minutos enquanto eu pilotava, arrisquei a sorte de mexer nos CDs de Rubem ainda com o carro em movimento. Então a caixa de sapatos onde estavam os CDs caiu e espalhou tudo pelo chão do carro e eu me abaixei (já disse que o carro ainda estava em movimento, né?), apalpando pelo chão e mexendo o volante com a ponta do dedão do pé, até encontrar um CD aleatório. Recompus-me, coloquei o CD no player e as mãos de volta no volante. Achei que poderia ganhar um prêmio de contorcionista e sortuda do ano. Então a música começou a entrar pelos meus ouvidos e logo eu estava extasiada com a voz da cantora Lorde, cantando junto com ela, enquanto eu sacolejava em cima do banco do carro como se eu fosse ela própria em um de seus shows (eu já havia assistido a uma apresentação dela pela TV, mas minha mãe mandou desligar porque achou que ela estava baixando um santo ou algo do tipo).

“Call all the ladies out
They’re in their finery
A hundred jewels on throats
A hundred jewels between teeth
Now bring my boys in
Their skin in craters like the moon
The moon, we love like a brother
While he glows through the room”

Quando finalmente avistei a fachada de uma casa, dois andares, as paredes todas em azulejo branco, um jardim enorme na frente, com um portão de grades pretas e uma piscina enorme, me veio à cabeça: é ali. Eu já havia estado ali algumas vezes, mas há muito tempo e o meu pai não era tão rico; se minha mãe visse aquele casarão, exigiria que papai aumentasse a pensão. Eu já disse que a piscina era enorme?!

Bom, eu ainda estava dentro do carro, só faltava parar. Era só manobrar em direção à casa e, para frear, pisar no segundo troço. Vamos lá, Rosemary: 1, 2, 3, estacionar! Então eu acabei pisando sem querer no troço que servia para acelerar e acabei indo com tudo em cima de uma árvore que ficava em frente à casa do meu pai. O airbag abriu e me salvou.

E, bom, pelo menos o carro parou.

Minutos depois, vi meu pai e sua esposa Marjorie louquinhos da silva se aproximando. Abri a porta do veículo do meu irmão (que estava pra lá de amassado) e saí. Olhei para o meu pai e disse:

— Cheguei, pai.

Então, no calor do momento, eu desmaiei.


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Notas finais do capítulo

A música que a doidinha tava cantando é "Team", da Lorde.
https://www.youtube.com/watch?v=4g03b4U_aPk

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