O Primeiro Massacre Quaternário escrita por AnaCarol


Capítulo 32
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Narração - John Turnit



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Estou me agarrando à poeira e ao ar abafado vindo do chão. Lágrimas escorrem fortemente de meus olhos, cada seguida de outra. Meus dedos tentam perfurar o piso, mas tudo o que consigo fazer é dobrar os dedos e tocar suas pontas na madeira fria.

Quanto tempo faz desde aquela tarde? Dois; talvez três dias?

Meu rosto dói e minha bochecha está vermelhíssima, mas não sei o que aconteceu.

Estou gritando. Gritando como nunca gritei, gritando como se minha vida dependesse disso. Mas minha vida está arruinada.

–John! – Uma voz desconhecida me chama, atrás de mim. – John!

Eu me contorço e me sento, abraçando meus joelhos. Uma menina loira está se aproximando. Ela veste um vestido vermelho vivo e sapatos da mesma cor. Sua pele é pálida e seus olhos verdes parecem ofuscados pelo ar parado de onde estamos. Eu me arrasto para longe dela.

Ela deve ser uma deles. Deve estar aqui para me procurar. Eu fui capturado, afinal? Onde estou? Quem é ela?

Minhas costas batem na parede com um barulho eu arregalo os olhos e jogo meu sapato na mulher.

–O que é você? – Eu pergunto. Ela me olha com piedade e lágrimas nos olhos, mas não me responde. – O que é você?!

Ela tenta novamente se aproximar e estende a mão para tocar meu rosto, mas eu me desvio de seu toque e mando-a ir embora, correndo até a parede oposta e socando-a. Meu punho reclama. Eu bato minha testa contra ela com força, ainda gritando. Gritando e chorando.

–Vá embora! – Eu grito. – Me deixe em paz!

Paz.

Aí está uma coisa que não sinto faz muito tempo. Ou pouco tempo. Minha cabeça dói e a visão da realidade se confunde com fotos dela. Nem que a mulher me deixasse sozinho, ou que todos do mundo inteiro saíssem de perto de mim, eu não teria paz. Por causa dela.

–Qual é a cor de seus olhos? – Ela me perguntara.

–Qual é a cor dos meus olhos? – Eu me viro para a mulher, mas em seu lugar ela repousa.

Sentada com cada braço apoiado em cada joelho, ela sorri desdenhosamente. Quase posso ouvir sua voz me chamando pelo sobrenome. Daquele jeito que só ela consegue.

–Eles são verde-água. – Minha própria voz retumba em minha mente.

–John... – Ela se esvai como areia sendo levada pelo vento e novamente a mulher loira se aproxima de mim.

–Eu disse vá! – Esbravejo, caindo de joelhos não chão. A mulher deixa escapar uma lágrima e novamente sussurra meu nome.

Ficamos nisso por algum tempo. Não tenho certeza de quanto. Até que finalmente a mulher consegue encostar seu dedo em minha face e em seguida me abraçar.

Eu entro em choque. Fotos horríveis se intercalam com visões de uma vida aparentemente normal, e eu me remexo e escapo de seus braços. Minhas mãos seguram minha cabeça como se a qualquer momento ela fosse despencar de meu pescoço, assim como uma cabeça fez em uma das fotos que passou. Minha mente lateja como se levasse marteladas e eu grito.

–Por que fez isso?! - Eu reclamo com a mulher, que ainda me observa, pesarosa.

–John...

Eu paro de espernear e me encolho, sentado em cima de minhas mãos. Inclino a cabeça, levemente reconhecendo a mulher em minha frente. Ela novamente se aproxima e eu a deixo se sentar ao meu lado. Para minha surpresa ela se senta exatamente igual a ela.

Sua cabeça repousa na minha e sinto o cheiro da praia em seus cabelos sedosos, que coçam minha face.

–Está melhor? – Ela pergunta. Eu não respondo, mas balanço levemente a cabeça.

–Há quanto tempo ela se foi? – Eu murmuro incrédulo. Sua visão parece tão real e tão recente, mas a sensação é de que estou esperando há anos e anos para vê-la novamente. Quero tocá-la, senti-la, ouvi-la cantar mais uma única vez.

Em resposta a mulher suspira.

–Alguns, – Depois de pensar por alguns minutos ela me responde. – Pai.

Pai?

Eu me levanto, e ela parece acostumada com minha reação. Como se já a tivesse visto várias vezes. Olho para minhas mãos. Algumas cicatrizes recentes se espalham por elas, que cresceram, mas não estão enrugadas.

Ela me abraça.

–Fica calmo, fica calmo. – Ela sussurra em meu ouvido.

–Sua voz se parece tanto com a dela, Laureen – Eu digo.

–Não, pai. – Minha filha responde. – É só sua mente fazendo isso.

Subitamente sua voz volta ao normal. Não tem nada a ver com a dela.

–Você está certa. – Eu assinto, me afastando. – Eu só sinto tanto a falta dela.

–Quer vê-la?

Eu balanço a cabeça, voltando a gemer e chorar. Eu não quero vê-la sangrando até morrer. Eu faço isso todas as noites, em meus pesadelos.

–Não é em vídeo, pai. – Laureen estende sua mão para mim, segurando uma foto antiga, amarelada.

É ela. E ela sorri como se houvesse amanhã. Como se ela nunca tivesse ido embora, ou sofrido tudo o que sofreu. Uma letra que eu reconheço de algum lugar, solta e perfeitamente desleixada, descreve a foto em seu verso.

Não graças à Capital.

Leio a frase algumas três vezes até me lembrar de que eu já fiz isso mais vezes ainda. Ela a escreveu, caracterizando todo o ódio que sentia pela Capital. Todo o ódio que estou sentindo agora. Eu caio de novo no chão e Laureen me deixa sozinho. Percebo que não adianta o quanto eu grite, eu não vou recuperá-la. Eu não posso desenhar um caminho de volta e desfazer o corte em sua barriga. Eu não posso mudar o passado... Ela se foi.

Ela se foi pra sempre.



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