Real or not real? escrita por letter


Capítulo 3
Capítulo 2 - Confidências




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/200437/chapter/3

O jantar foi servido pontualmente às sete e meia, logo depois de o trem se colocar novamente em movimento, após uma pequena parada no Distrito 11. Nenhum novo passageiro a bordo, segundo souberam, o prefeito do 11, o único do Distrito que iria para a Capital, foi acometido por uma séria crise alérgica e estava indisposto para ir. Haymitch não lamentou o empecilho.

Haymitch ficou tempo de mais apreciando a garrafa de whisky que tinha nas mãos e ocupado de mais agradecendo aos céus por conseguir uma daquelas, de forma que mal ouvia o papo furado de Peeta. A voz do garoto atingia seus ouvidos como um eco agudo chegando ao final, e Haymitch não estava se importando muito em discernir as palavras.

Virou um bom gole do whisky na boca e deixou-se sentir o calor que o líquido proporcionava ao descer sua garganta, ele poderia jurar que no mesmo momento até seu sangue esquentara, e só quando a sensação passou foi que Haymitch se permitiu escutar a ladainha sem fim de Peeta:

–... emocionante – foi a única palavra que conseguiu captar antes de Peeta terminar o que quer que fosse que estava dizendo.

Pela cara de Katniss e pelo modo como mexia sua comida sem ao menos fazer menção de que iria engolir o mínimo que fosse, Haymitch chegou a conclusão de que Katniss ainda estava mal-humorada com o relatório enviado por Paylor, e que nem as explicações de Haymitch que aquilo fora escrito a um bom tempo atrás, que Paylor já mandara outros relatórios contradizendo o que Katniss lera, e que não era para ela se deixar abalar por isso, foram o suficiente para apaziguar o espírito de Katniss.

– Devemos chegar ao Distrito 10 no meio da madrugada – murmurou Haymitch para quebrar o silêncio enquanto virava outro gole de whisky na boca.

– Sabe quem do 10 virá? – perguntou Katniss tirando os olhos do prato e os focando em Haymitch.

– Não faço ideia, mas não me importaria se esse também sofresse qualquer crise alérgica.

– Então devemos chegar ao 9 ao amanhecer, depois 8, e logo depois do almoço no 7 – supôs Peeta.

– Garoto esperto – disse Haymitch virando outro gole de whisky.

– Vai ser bom ver Johanna de novo – comentou o garoto levando outro pedaço de seu rosbife a boca.

– Diga por você – murmurou Haymitch – Johanna já não é a mesma.

– Ou talvez ela não vá – sugeriu Katniss – Paylor pode muito bem achar que ela tem um quadro clinico psicológico bastante duvidoso, e sua presença na Capital pode ser mal vista – Haymitch não se surpreendeu ao ver Katniss empurrar a cadeira com violência e sair a pesados passos da sala de jantar. Soltou um pesado suspiro e virou outro gole de whisky, ela continuava sendo tão previsível como sempre fora.

– Perdi algo? – perguntou Peeta desviando os olhos da porta por onde Katniss passara e os fixando em Haymitch.

– Sua namoradinha não gostou de saber que nossa querida presidenta não confia na sanidade dela – respondeu Haymitch virando outro gole de whisky.

– Certo... – Peeta olhou novamente para a porta e uma segunda vez se virou para Haymitch – E quando isso aconteceu?

– Ela achou uma carta escrita no meio das minhas coisas... – Haymitch deu de ombros como se não fosse nada de mais – Não adianta ir atrás dela – disse ele enquanto Peeta se levantava e seguia pela porta – Não é nada de mais, deixe ela viver o drama, passa.

– Não é tão simples – disse Peeta saindo da sala e seguindo o caminho que julgava que Katniss fizera.

Haymitch não lamentou o abandono, na verdade, ficou agradecido. Por um momento se perguntou se seria importante descobrir o que significava esse “não é tão simples”, mas logo o que quer que fosse isso passou, e Haymitch se lembrou que a única coisa importante em que poderia se focar agora, era os últimos goles que a pequena garrafa de whisky proporcionava, e a embriaguez que dava seus primeiros indícios de que logo iria surgir.




Peeta não só sabia, mas como via, dia após dia, Katniss se esforçando cada vez mais para dar o melhor de si de todas as maneiras possíveis. Se dedicava integralmente a melhor maneira de lidar com seus alunos, adquiria uma quase inesgotável fonte de paciência para ajudar Peeta quando ele dava indícios de confusão provocada pelo telesequestro, dera todo apoio ao Haymitch para conseguir se ingressar e manter seu cargo na equipe administrativa do Distrito 12, e até passara a ligar e se comunicar com doutor Aurelius e sua mãe.

Poderia parecer coisas simples, mas Peeta conhecia bem Katniss, e sabia que para ela não era fácil colocar de lado os fantasmas de seu passado e abrir um sorriso no rosto, levantando todos os dias na tentativa de ajudar a si e aos outros. Katniss estava se esforçando, se esforçando muito, e Peeta admirava-a cada vez mais por isso, não era a toa que a declaração de Paylor causasse o efeito que causara em Katniss.

Peeta a encontrara no quarto-vagão em que iriam passar a noite.

O quarto estava escuro, e uma bola encolhida se formava embaixo do cobertor.

– Katniss – chamou ele sentando na beirada da cama tirando o cobertor de cima dela – Quer conversar?

– Apenas... me deixe sozinha – murmurou ela virando o rosto.

– Não vai deixar isso te abalar, vai? – perguntou ele da forma mais branda possivel, tentando passar pelo tom de voz a compreensão que sentia.

– Mas é claro que Haymitch te contou – bufou ela balançando a cabaça e se levantando da cama.

– E porque eu não deveria saber mesmo? – Peeta continuou sentado olhando-a.

– É desconcertante – respondeu ela segurando os próprios braços como se abraçasse a si mesma.

– É natural Katniss – explicou ele – Não tem de se sentir assim, apenas releve, Paylor deve ter...

– Não – ela disse o interrompendo – Você não entende.

Katniss andou mais para o canto, e voltou para o lugar onde estava, do modo como agia parecia estar mesmo desconcertada.

– Então me ajude a entender – pediu ele.

– É que... Depois de tudo... – Katniss balançou a cabeça – Eu a coloquei no poder Peeta. Se Panem está como está hoje, é por minha causa. Eu comecei a revolução. Eu matei Coin, e graças a mim, Paylor é presidenta. Não peço nada em troca por tudo isso, nem um: “oh, muito obrigada, Katniss” eu peço. Eu perdi todo mundo que eu tinha para conseguir isso, e ela tem a capacidade de falar que minha presença é perigosa? Pior, escrever? Até Snow teve a coragem de vir pessoalmente falar o que queria e o que pensava de mim, porque ela não fez o mesmo? E de nós três, ela teme a minha presença? Haymitch é o bêbado e você é o telese... – Katniss parou de falar abruptamente, percebendo que falara o que não devia.

Olhou para Peeta, com os olhos arregalados, implorando para ele não tê-la ouvido, implorando por não ter atingido seu ponto fraco.

– Tudo bem – disse ele abrindo um meio sorriso – Eu sou o telesequestrado, programado pela antiga Capital – Peeta soltou um pesado suspiro – Pode falar isso Katniss.

– Não, me desculpe – disse ela andando a paços largos até alcançar a cama e se sentar – Eu não queria ter tido isso.

– Não se preocupe – falou ele – De verdade, não se preocupe. Entendi o que você quer dizer, mas, vamos analisar a visão de Paylor e de Panem? A última vez que esteve em frente à Paylor, a última vez que esteve ao vivo para toda a Panem, foi quando?

Katniss semicerrou os olhos, enquanto lembrava precisamente os detalhes que preferia esquecer.

– Quando flechei o coração de Coin – respondeu ela.

– Exatamente. E depois você passou dias confinada em um quarto, sendo monitorada enquanto a viam tentando se autodestruir.

Katniss crispou os lábios, se perguntando, a onde Peeta queria chegar.

– Ninguém a viu depois disso, você voltou para o 12, e essa foi à última lembrança que tiveram de você – Peeta ficou em silêncio por alguns segundos, esperando que Katniss digerisse e analisasse o que ele estava tentando dizer – Quanto a mim, deixei a Capital me despedindo ao vivo para toda a Panem, ao lado de Paylor, em um de seus discursos. Foram a ultima lembrança que tiveram de mim.

Katniss viu que fazia mais sentido do que ela gostaria, e se perguntava como não viu isso antes. Ela deixou a Capital parecendo estar completamente insana, enquanto Peeta deixara sua imagem para toda a Panem como quem estava curado e satisfeito. Feliz com aquilo tudo e disposto a seguir em frente.

– O quão idiota estou parecendo? – perguntou ela, envergonhada de si própria pelas coisas que pensara, e a forma como agira.

– Bom, não está parecendo... Muito – disse Peeta abrindo aquele seu sorriso que amolecia o coração de Katniss só de olhar – É brincadeira – murmurou nos ouvidos de Katniss enquanto a envolvia em um de seus apertados e reconfortantes abraços.




Entorpecido pelo pesadelo daquela noite, Peeta vagueava a esmo pelos vagões do trem. Não reclamava dos pesadelos, a intensidade não diminuía, mas com o passar do tempo, eles foram ficando menos nítidos, assim ele próprio conseguia discernir o verdadeiro do falso, mas apesar disso ainda era melhor ficar fora do alcance da presença das pessoas para conseguir melhor colocar a cabeça no lugar.

O trem estava quase vazio, antes Peeta tinha lembranças de haver nas outras viagens de trem, empregados da Capital por todos os lados, limpando vagões, cozinhando todas as refeições, fazendo a manutenção diária e revendo o que faltava nos estoques, além de enviar notícias para própria Capital, mas agora, mal se via um empregado por ali. Peeta contara dois, o motorista e o cozinheiro.

Realmente Paylor mudara as coisas na Capital.

– Olha se não é o nosso garoto do pão – disse uma conhecida voz ás costas de Peeta, fazendo-o se virar.

– Johanna – cumprimentou ele alegre a pegando de surpresa em um abraço – Como é bom te ver.

– Infelizmente admito que também é bom te ver – Johanna estava com uma aparência bem mais saudável do que estivera da ultima vez que Peeta a vira, os cabelos haviam crescidos até os ombros, e estavam repicados de forma a não tirar o ar rebelde que a vitoriosa trazia em si. Mas ainda havia fortes roxos em volta de seus olhos claros, as famosas olheiras que indicavam que nem tudo estava bem – E onde esta o tordo?

– Dormindo. Pensei que não te veria até amanhã.

– Já é amanhã – respondeu ela com um sorriso irônico.

– Quem veio dos outros distritos? – perguntou Peeta tentando se lembrar se dormira tanto que não vira a parada que fizeram nos distritos 10, 9 e 8 para pegar novos passageiros.

– Apenas o Dalton do 10. Parece que quem viria do 9 pegou uma alergia – bufou Johanna.

Peeta pensou por um momento.

– Seria coincidência o prefeito do 11 estar com alergia também? – perguntou Peeta em um tom sério.

– Quem sabe? Admito que fiquei surpresa quando vi Haymitch no vagão de entrada caído ao chão com algumas garrafas em volta, murmurando qualquer coisa. E agora você, imaginei que Paylor se esforçaria para manter seus pupilos do 12, no 12. E ela se esforçou tanto para me manter no 7. Até me mandou um alerta de insanidade... Quadro psicológico qualquer coisa, não lembro, mas que seja, disse que não acha que seria seguro me ver na Capital – Johanna soltou uma gargalhada – A insistência para eu não ir é tanta que eu estava contando os dias para pegar esse trem.

Peeta repassou o que acabara de ouvir diversas vezes, julgando que ouvira realmente isso.

– Então eu acho que não seria coincidência Paylor alegar a mesma coisa de Katniss – murmurou ele.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu fiquei meia insegura com esse capitulo, porque tentei pegar pontos de vista aleatórios, mas eu espero ter conseguido pegar o verdadeiro espirito de cada um, de verdade, espero que tenham gostado :)) Deixem suas criticas, elogios e sugestões por favor *-* até o proximo, :**