Highway To Hell escrita por Syrinx, HévilaChavez


Capítulo 4
Capítulo 3: O Pai da Sam


Notas iniciais do capítulo

Então, gente, particularmente eu achei esse capítulo mt trágico, mas enfim, fazer o q? Era uma parte da história da Sam que precisava ser abordada. Deu um trabaaaalho...^^
PS1: Enfim, como tinha gente meio em dúvida, vou esclarecer: essa fic vai ser, em sua maior parte, narrada pelo Freddie ,pq, como eu disse nos reviews, eu quero abordar o progresso da relação dele com a Sam, e ele se apaixonando por ela, a partir do ponto de vista dele, ok? Se tiver algum ponto de vista da Sam, é pq será estritamente necessário.
ENJOY! *-*



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"O coração de uma mulher é um oceano profundo, cheio de segredos" - Rose Dawson.




FREDDIE

–VIRA, VIRA, VIRA!– quatro adolescentes batiam na mesa em incentivo, enquanto Sam virava o quarto copo de vitamina extra grande seguido.

Ela bateu o copo na mesa, indicando que terminava mais um smoothie, e levantou-se, fazendo uma animada dancinha da vitória. Um segundo depois, levou a mão à cabeça, gritando desesperada:

Ai! Gelo no cérebro, gelo no cérebro! - ela cambaleou e se apoiou na mesa, arrancando de mim uma gargalhada ruidosa.

Josh, que sorria descontroladamente, conseguiu dizer em meio às gargalhadas:

–Ela é louca!

Tive de concordar:

–É isso que eu venho dizendo a ela há anos.

Sam nos fuzilou com o olhar, sentando-se novamente em sua cadeira. Depois virou-se para a garota baixinha, ruiva e de grandes olhos negros ao seu lado:

–Acho que você me deve dez pratas, Brenda. - sorriu triunfante.

Brenda xingou e olhou suplicante para a loira:

–Cinco copos ou nada feito! - negociou.

–Ah, não! - tive de intervir, antes que Sam aceitasse e explodisse de tanto comer - A Sam já comeu demais, antes de vir para cá, se não me engano, ela já tinha comido bastante durante o almoço, até para média dela. - a olhei sugestivamente.

A loira me devolveu um olhar raivoso e protestou:

–Eu, hein, Benson, desde quando você controla o que eu como? É a paranoia da sua mãe subindo à cabeça? - ela me provocou, sorrindo maldosamente.

–Talvez seja, sim. - rebati monotonamente - Mas se eu não acabar com isso agora, essa aposta não tem fim, e, além do mais, depois você vai ficar chorando pelos cantos, dizendo que está com dor de estômago.

–Eu sou um poço sem fundo, nub. A mamãe aqui aguenta mais outra. - virou-se, confiante para a ruiva a seu lado - Pode mandar descer mais uma.

Mas Brenda a devolveu um olhar pensativo:

–Ok, eu concordo com o Freddie, se essa aposta continuar aqui não vai acabr nunca, mesmo. - depois disse num tom de desafio, sorrindo diabolicamente - E se tranferíssemos essa aposta para outro lugar?

–O que quer dizer com isso? - perguntou Sam confusa, mas visivelmente interessada.

Brenda olhou cúmplice para Paul, que sorriu do mesmo modo diabólico que a ruiva. Ele e Josh era gêmeos, os cabelos extremamente escuros e lisos, jogados para o lado, e olhos azuis elétricos. Era incrível que fossem primos da garota ruiva e de olhos negros ali. Paul inclinou-se para nós, a expressão assumindo um semblante sombrio:

–Vocês conhecem a lenda das Bruxas de Salém, não conhecem? - ele disse misteriosamente.

Eu e Sam nos inclinamos automaticamente, curiosos. Mas somente eu me manifestei:

–Claro, mas isso aconteceu no povoado de Salém em Massashusetts. Estamos na Salém do Oregon. - observei, confuso.

–Ah, mas isso não importa. Todas as cidades de Salém do país criadas depois foram amaldiçoadas por causa da Salém original. E todas elas exibem estranhos históricos de acontecimentos estranhos, não só de bruxaria, mas de aparecimentos frequentes de fantasmas. - Brenda explicou, depois voltou a sorrir diabolicamente - A questão é: vamos visitar uma das mansões conhecidas por esses históricos bizarros hoje à noite e queremos que venham com a gente. Eu estou transferindo a aposta para mais tarde, isso se vieram conosco.

Sam deu de ombros e deu uma risadinha convencida, mas seus olhos, estranhamente, escureceram um pouco:

–É só isso a aposta de vocês? Vai ser moleza. A mamãe aqui aceita.

Porém, eu não estava muito empolgado com a ideia:

–Sam, eu não sei se...

Ela me cortou, dando um tapa no meu braço:

–Ah, deixa de medroso, nerd! Está na hora de crescer.

Rolei os olhos, mas acabei concordando. Era inútil dizer que não. Depois me virei para ela e a lembrei que, se quiséssemos ficar ali até a noite, teríamos que encontrar um hotel para pernoitar.

–Sabe, eu até ofereceria a minha casa para vocês passarem a noite, mas com os meninos lá, não tem espaço. - ela me olhou apologeticamente - Mas posso levar vocês até um hotal bem legal que eu conheço aqui na cidade.

Então pagamos os smoothies e seguimos em direção ao estacionamento. Brenda e os garotos entraram em uma picape prata e foram dirigindo na frente, nos levando até o hotel o qual Brenda tinha falado.

Sam e eu tínhamos saído cedo do hotel e dirigido por toda a manhã, passando por Portland durante o almoço, onde Sam comeu quase todo o restaurante, e enfim deixamos o estado de Columbia para trás. Dirigimos por mais algumas horas e paramos em Salém, onde decidimos que seria uma boa parada para pernoitar. Estávamos vasculhando a cidade, procurando um hotel decente, quando Sam avistou uma lanchonete de smoothies e me implorou para que parássemos para tomar uma vitamina, sob a desculpa de matar a saudade do Groove Smoothie. Lá encontramos os gêmeos Josh e Paul, de Nova Iorque, que tinham vindo até Salém visitar a prima, Brenda. Quando viram Sam tomando uma vitamina atrás da outra, a ruiva se aproximou da loira, e apostaram se Sam tomaria o número de copos que Brenda estipularia.

O hotel que Brenda não ficava muito longe de onde estávamos e, sem dúvida, era bem melhor que o outro. Tinha uns cinco andares, a pintura de um dourado vivo, a cobertura era luxuosa, e era extenso, sua área ocupando um quarteirão inteiro. Um grande letreiro em vermelho vivo dizia: Grand Hotel Salem.

Agradecemos e nos despedimos dos outros. Fizemos o check-in, e Sam, surpreendentemente, pediu uma suíte desta vez. Tomamos banho e trocamos de roupa, mas, quando meu celular tocou e Brenda nos avisou que os três nos esperavam no estacionamento do hotel, Sam ainda estava dentro do banheiro. Bati na porta uma vez e ela gritou um 'já estou indo' apressado, e finalmente saiu. Meu coração falhou uma batida. Ela vestia uma calça jeans preta agarrada ao seu corpo, o que evidenciava suas curvas, uma bata branca sem mangas, que ia até pouco depois da cintura e uma bota preta com salto. A jaqueta de couro que ela costumava usar, estava apoiada em seu braço direito. Percebendo que eu a analisava, ela deu de ombros, parecendo envorgonhada:

–Para o caso de fazer frio. - ela explicou, se referindo a jaqueta.

–Vamos? - perguntei, sem graça.

Ela acentiu timidamente e descemos em silêncio até nos encontrarmos com os outros já do lado de fora do hotel. Como mais cedo, a picape vermelha foi na frente, nos mostrando o caminho.

Depois de trinta minutos, finalmente chegamos até a misteriosa mansão. Ficava na saída de Salém, em um bairro isolado, em uma colina acima da cidade. O lugar em si já era sombrio: as ruas eram escuras, as casas esparsas e antigas, as árvores altas e negras, os galhos retorcidos e nus, por causa do inverno. A temperatura havia caído bastante durante a noite, e eu sabia que em breve nevaria.

Estacionamos em frente a uma das maiores mansões ali e saímos do carro, receosos. Só naquele momento pude ter uma boa percepção da casa: os portões eram altos e negros, circundando toda a propridade, o gramado em frente era extenso e mal cuidado, crescendo alto em alguns pontos. Mas a visão da mansão em si, me intrigou e assustou ao mesmo tempo: tinha três andares e quatro chaminés, estas acima de duas fachadas que foram construídas projetando-se um pouco à frente da casa em si. Tinha vários janelões, que davam para inúmeras sacadas de mármore. No térreo, na escadaria que levava ao pórtico de vidro da entrada, havia duas estátuas também de mármore de mulheres gregas, segurando vasos grandes nos braços. A pintura, tirando algumas pilastras construídas ao longo do alpendre do térreo e as sacadas de mármore encardido, era de um cinza desbotado, mas estava negro por causa da penumbra do lugar.

Fechei a porta do carro, ainda admirando o lugar, enquanto Sam caminhava cautelosamente em direção aos outros, que estavam em frente ao portão, tentando arrombar o grosso cadeado que impedia nossa passagem:

–Droga. - Josh praguejou chutando o portão, sem conseguir abri-lo.

Sam soltou uma risadinha desdenhosa, sua respiração condensando-se por causa do frio. Depois sorriu convencida para o garoto e tomou o grampo de sua mão:

–Amador. - ela bufou. E com um clique, as grossas correntes que lacravam o portão caíam por terra.

Ele a olhou, impressionado:

–Como fez isso tão rápido?

Aproximei-me e esclareci, enfiando as mãos nos bolsos do moletom cinza:

–Sabe, Josh, ela não é só um poço sem fundo, mas também é uma deliquente de primeira.

A loira me fuzilou com o olhar, mas desistiu, sorrindo em minha direção.

–Devia colocar a jaqueta, Sam, está frio. - sugeri.

–Estou bem, nub. - ela rebateu, revirando os olhos.

Mas logo Paul, que tinha ido em direção ao carro, voltou com algo nas mãos, o sorriso sombrio:

Isso é um tabuleiro Ouija?! – perguntei horrorizado, me referindo ao quadrado de madeira escrito com as letras do alfabeto e os algarismos que ele levava nas mãos. Senti Sam ficando de repente tensa ao meu lado.

–Relaxa, cara, de quê adianta nós virmos ao parque de diversões e não brincarmos um pouco? - se referiu a mim, parecendo não notar a tensão nos olhos de Sam, que escureceram novamente, como mais cedo.

Se eu já achava a ideia do tabuleiro ruim, tudo ficou pior quando vi Brenda segurando quatro velas brancas e uma caixa de fósforos. Gemi internamente. Isso era uma péssima ideia.

–Não esquenta, gente. Ele só está com medo que a paranoica da mãezinha dele descubra que ele andou praticando magia negra. - Sam debochou.

–Que seja. - Brenda cortou, impaciente - Vamos entrar logo.

O interior da casa era muito mais fascinante. O salão da sala era repleto de cortinas brancas e longas, esvoaçando levemente, que cobriam os janelões, deixando apenas que uma fraca luminosidade da Lua adentrasse o lugar. Quadros enormes e encardidos de diversos temas estavam pendurados na parede, juntamente a tapetes diversos. A mobília era antiga e empoeirada, coberta com lençóis brancos. Havia um piano preto em um dos cantos da sala, intocado, mas coberto pela poeira, como o resto do local.

A escadaria de madeira polida, antiga e negra, levava a um segundo patamar, que dava acesso a dois corredores, um direito e outro esquerdo cheio de portas, da mesma madeira da escadaria.

Nos acomodamos em um tapete vermelho aos pés do que parecia ser um sofá. Josh posicionou o tabuleiro no tapete empoeirado e colocou o ponteiro do jogo, também de madeira, encima do tabuleiro. Brenda acendeu as quatro velas, fazendo um quadrado perfeito com elas ao redor de nós, o que deu ao salão um brilho agourento. Sam sentou-se ao meu lado e cruzou as pernas, colocando a jaqueta ao seu lado.

Talvez para Brenda, Josh e Paul, a tensão da loira não estivesse tão evidente, mas, para mim, que aconhecia há anos, estava claro que ela estava mais nervosa do que estava lá fora. Seus olhos perscrutavam a sala, seu olhar voando discretamente em cada canto do salão. A respiração estava mais lenta e profunda, prova de que estava tentando controlá-la.

–Então, podemos começar? - perguntou Paul, seu olhar macabro à luz das velas.

Josh e Brenda acentiram, Sam apenas fez um barulho estranho com a boca, e ele tomou como um incentivo. Apenas dei de ombros.

–Ok, para isso funcionar, temos que todos tocar no ponteiro e deixar as mãos leves, de modo que, o que quer que tenha aqui dentro, possa conduzir o ponteiro. - ele orientou, tocando com o indicador o objeto de madeira.

Fizemos o mesmo, e Brenda tomou as rédeas. Fechou os olhos e começou a invocar o que quer que seja com uma expressão concentrada:

–Ok, nós sabemos que tem alguém aqui. - ela afirmou confiante - Quero que se mostre, ou ao menos mexa o ponteiro nos dizendo que está aqui e algo a seu respeito. Pode fazer isso? - ela abriu os olhos e espiamos em volta. Nada aconteceu.

Parecendo frustrada, ela repetiu, em um tom diferente, mais firme:

–Eu disse: pode fazer isso?!– ela ordenou severamente.

As velas começaram a tremular fortemente e as cortinas a esvoaçarem mais rápido. Foi com horror que pude sentir o ponteiro se mexendo, voando rapiramente em direção às letras, formando uma frase:

V...Ã...O... E...M...B...O...R...A.

Depois o objeto começou a riscar algo na própria madeira, e depois pegou fogo, mostrando o contorno dos riscos:

S...A...M

Ela gritou e levantou-se rapidamente, balançando a cabeça em choque, pegando a jaqueta no chão e afastando-se.

Mas não tive tanto tempo para pensar no que aquilo significava, porque o fogo do tabuleiro e das velas apagou-se repentinamente, e o jogo foi jogado longe, batendo na parede, em virtude da ventania que assolava a casa. Correntes de ar tão fortes que barulhos de metal ecoavam por toda a mansão, os trincos enferrujados arrebentando-se e permitindo que as portas e os janelões batessem com estrondo. Era impossível falar ou escutar algo em virtude do barulho ensurdecedor. O vento frio arrancando cortinas, levando lençóis, levantando a poeira acumulada de anos e com alguma sorte, ameaçando nos levar com ele.

Pus as mãos nos ouvidos, me impedindo de ficar surdo, e escutei os gêmeos e Brenda, com alguma dificuldade, conseguirem correr para fora da casa, gritando por nós. Me segurando no que podia, cambaleei até o pórtico de vidro, que dava para o gramado. Mas parei assim que me dei conta de que não sabia onde Sam estava. Não a tinha visto sair com os outros e nem tampouco a escutava gritar. Fosse o que fosse que estivesse causando aquilo, tinha a ver com ela. E isso não era nada bom.

Foi com horror que a vi. Ao invés de estar cambaleando em direção à saída daquele lugar como eu fazia, Sam subia a escadaria. Sua jaqueta de couro, jazia na base da escada, largada ali por ela. A bata longa e branca que ela usava esvoaçava ao redor de seu corpo com um brilho fantasmagórico à luz da Lua, que penetrava pelas janelas totalmente abertas. Parecia totalmente alheia a confusão no salão. Na verdade, a julgar por seu andar mecânico e por seu rosto, totalmente sem expressão e os olhos arregalados, ela parecia em transe.

Sam!– gritei, correndo com dificuldade em direção às escadas, pegando sua jaqueta e subindo de dois em dois degraus.

Parou no topo da escada e virou-se em direção ao corredor direito, dando alguns passos a mais. Contudo, nem pareceu notar minha presença ali. Tive de me segurar no corrimão para impedir que o vento me levasse. Sua cabeça pendeu para o lado, o vento bagunçando seus cabelos dourados, admirando algo a sua frente. A respiração ficou ofegante e ela estendeu a mão, tocando o nada:

Papai...– ela sussurrou hipnotizada.

–Sam...?! - a chamei indeciso - Não tem nada aí, loira, vamos embora. - observei, suplicante.

Meus olhos procuraram por todo lugar, tentando ver o que ela via. Era o espírito de seu pai que estava ali a chamando?

Então ela abaixou a cabeça por um minuto, e começou a chorar, levantando o olhar novamente para algum ponto a sua frente:

–Desculpe-me papai, se eu soubesse o que ia acontecer com você, eu poderia ter impedido, poderia ter feito algo para salvar você. Eu fui covarde demais... - ela soluçou, grossas lágrimas prateadas descendo por seu rosto alvo à luz da Lua.

Seus olhos fecharam-se por um segundo, como se alguém a tocasse no rosto:

–Eu sei, mas mesmo assim eu poderia ter feito alguma coisa... - ela choramingou em resposta algo que lhe diziam.

Corri até ela e a tomei nos braços, sacudindo-a uma vez:

–Sam não tem nada aí, fica comigo, por favor! - a implorei, tentando tirá-la do estado de hipnose em que ela se encontrava. Ela estava gelada.

Seus olhos arregalaram-se, e ela pareceu voltar à realidade, e ela me encarou, confusa, tirando uma mecha de cabelo do rosto:

–Freddie. - ela surrurrou, parecendo me notar ali pela primeira vez.

Mas seus olhos não permaneceram nos meus por muito tempo, ela virou o rosto mais uma vez, na direção em que olhava antes, e seu olhos perderam o brilho, e ela gritou em desespero, tentando desvenciliar-se me mim:

Não!– ela se debateu nos meus braços, ainda olhando na direção no corredor - Não vai, você não pode me deixar de novo. Eu te amo também, pai, fica, por favor! - ela libertou-se de meu aperto e correu em direção ao primeiro quarto do corredor, as mãos estendidas, suplicantes. Parou abruptamente na janela do cômodo e olhou com pesar por ela, sussurrando por fim:

–Tudo bem, vou dizer a ela, eu prometo.

A ventania cessou e tudo voltou ao normal. As portas e janelas fecharam com um último estrondo.

Sam fechou os olhos, e baixou a cabeça, respirando fundo por alguns segundos, recompondo-se e limpando as lágrimas com as costas da mão. Pus a mão em seu ombro, tentando confortá-la, mas ela a retirou com violência. Virou-se com um olhar duro e, evitando me encarar, desceu as escadas silenciosamente.


Nos despedimos dos outros, e eles nos pediram desculpas pelo que aconteceu. A viagem de volta até o hotel foi silenciosa. Sam estava perdida em pensamentos, seus olhos sem vida. Ela parecia vazia, e aposto que estava pior do que aparentava estar.

Assim que entramos no quarto, ela pegou sua necèssaire, um pijama qualquer e trancou-se no banheiro. Passou longos minutos ali. Sentei-me na cama e levei as mãos à cabeça, exausto, tentando organizar os pensamentos. Então, eu tinha descoberto o motivo pelo qual ela estava tão tensa assim que chegamos à mansão. Ou mesmo mais cedo, quando estávamos tomando as vitaminas. Sam sabia que havia a possibilidade de ver seu pai. E ela estava certa. Tinha motivos para se preocupar. Mas quem era ele, e por quê Sam pedia desculpas a ele por sua morte? Por que tinha morrido, deixando mulher e filhas para trás?

Minutos depois Sam, saiu do banheiro, batendo a porta. Jogou a necèssaire em qualquer lugar e, ainda em silêncio e sem me olhar, rumou em direção à sacada, olhando o céu.

Levantei-me e peguei minhas coisas, indo em direção ao banheiro. Quando terminei de me trocar, Sam estava deitada na cama, de costas para mim, ainda olhando o céu pela sacada ao lado da cama. Estava agarrada a um travesseiro. Com um suspiro, caminhei em sua direção e ajoelhei-me ao seu lado:

–Sam, não fica assim. Já passou. - ela não se mexeu, apenas piscou uma vez, sem me olhar, os olhos duros, negros na penumbra no quarto. A única luz, assim como na mansão, era proveniente da Lua.

–Eu sei que provavelmente vai me socar por te pedir isso, mas eu preciso saber, loira. O que aconteceu lá? - insisti.

Ela apertou os lábios e mexeu-se, desconfortável. Sentou-se na cama, evitando-me. Acomodei-me ao seu lado e segurei seu queixo, obrigando-a a olhar para mim:

–Deixe-me ajudar. Ficar remoendo isso dentro de você não vai te fazer bem. E eu só posso ajudar se eu souber do que se trata. Por favor.– acrescentei, num tom que eu sabia que a faria mudar de ideia.

Seus ombros caíram e ela suspirou, desistindo:

–Tudo bem, chega para lá que eu conto. - ela suspirou mais uma vez, enquanto eu a dirigia um olhar atento - Você provavelmente já sabe, mas lá quem estava lá na mansão era meu pai. Você nunca ouviu falar dele antes dessa viagem, porque odeio tocar nesse assunto. - ela franziu o cenho - Ele morreu quando eu tinha cinco anos. Um ano antes de eu me mudar para a minha atual casa e conhecer a Carly. Nós morávamos no subúrbio de Seattle, bem mais distante de onde eu moro agora. Apesar de não termos muita grana e nem muita harmonia dentro de casa, nós nos amávamos. Ele amava a mim e a Melanie e era louco por Pam. Seu único defeito era a bebida e o jogo. Apesar de chegar em casa quase toda noite bêbado e endividado, ele nunca encostou um dedo na minha mãe. Até aguentava calado quando ela o chamava da boca para fora de imprestável. Mesmo com todos esses pequenos problemas, ela era meu heroi. - ela sorriu tristemente, lembrando-se - Como eu disse, minha mãe me obrigou desde cedo a participar desses concursos de beleza, e foi lá que eu aprendi a tocar piano, dançar, essas besteiras. Era ele quem me levava às aulas e me incentivava sempre. - seu rosto endureceu e seus olhos ficaram distantes - Um dia nós estávamos voltando da aula de piano. O concurso seria dali a uma semana, e eu queria que tudo ficasse perfeito. Por isso, tínhamos nos demorado mais no ensaio naquela noite. Voltávamos sempre a pé dos ensaios. Era perto de casa, não tinha necessidade de outro meio de transporte. Vínhamos conversando alegremente no caminho, minha pasta de partituras em um dos braços e minha mão na dele, segurando firmemente. Apesar da conversa animada que estávamos tendo, até uma garota de cinco anos como eu, poderia ter percebido a leve tensão em seu semblante, em sua voz. Analisando isso anos mais tarde, eu percebi que ele sabia. Ele sabia que ia morrer naquela noite, só tinha me levado ao ensaio e tentava conversar alegremente comigo para não levantar suspeitas e me assustar.

Ela suspirou fundo e estremeceu uma vez, então eu sabia que a parte difícil estava chegando. Toquei sua mão, a encorajando. Ela continuou:

–Estávamos passando por uma viela entre alguns prédios. As escadas de incêndio deles quase encontando-se e varais de roupas entrelaçando-se acima de nós amarrados entre dois e dois prédios. A única luz vinha era de duas lâmpadas postas ao longo da viela. Ao longe, vi vultos atrás de nós. Meu pai xingou baixinho ao meu lado e conteu um tremor. Me disse para apressar o passo. Mas as sombras negras aproximavam-se rápido demais de nós, não daria tempo de cruzar toda a viela. Ele parou abruptamente e ajoelhou-se ao meu lado, disse que nos amava e que sentia muito. Pediu perdão à Pam. E avisou para que eu corresse o mais rápido que eu conseguisse e dissesse à minha mãe que ele estava ali. Então, fiz o que ele disse, eu corri. Abracei a partitura com força no meu peito e corri. Mas não para casa. O instinto me impediu de deixá-lo. Em vez disso, me escondi em uma fenda que havia em um dos prédios, grande o suficiente para que eu cabesse ali. E fiquei ali, escondida, vendo tudo. - ela soluçou - Eu vi quando chegaram por trás dele e o espancaram até que ele ficasse ensanguentado e sem forças, eu vi quando o imobibizaram e o xingaram, rindo dele. Disseram que tinham avisado que, se ele não pagasse a dívida de jogo, aquilo aconteria com ele. Depois sacaram uma arma e deram três tiros. - ela engoliu em seco, mas continuou - Eu levei a mão à boca, me impedindo de gritar, os olhos arregalados em choque. Não conseguia me mover, por mais que eu tentasse. Talvez fosse o instinto colaborando comigo, fazendo com que eu não chamasse atenção para mim, porque, por algum milagre, eles não tinham me visto ali. Deus sabe o que poderiam ter feito comigo se tivessem me encontrado. Quando eles foram embora, meus músculos aos pouco foram relaxando, e eu consegui reunir forças para sair da fenda e cambalear até ele, chorando alto. Os tiros e os meus gritos chamaram a atenção dos que moravam no prédio, que chamaram a polícia. Nunca prenderam os assassinos. - ela me olhou, respondendo à minha pergunta mental.

–Pam ficou arrasada, e nossa família se desestrututrou depois disso. Ela nunca soube lidar bem comido depois da morte dele. Eu tinha ficado traumatizada nos meses seguintes. Também pudera, eu tinha cinco anos. Tinha pesadelos, acordava gritando, e nunca falava com ninguém. Nos mudamos de escola e de casa nesse meio tempo, acho que foi uma tentativa desesperada da minha mãe para tentar esquecer tudo. Novo ambiente, nova vida. Mas ela estava enganada. Nunca conseguiu esquecer meu pai. Todos os namorados que ela arranjou todos esse anos são inúmeras tentativas frustradas de compensar a falta que ele faz. De nós duas, ela viu Melanie como a que teria um futuro promissor. Por isso a mandou para o exterior, tentando preservar ao menos uma de nós do passado que tivemos e de um futuro difícil. Enquanto, eu, a descolada, a estranha, a traumatizada, Pam me deixou crescendo sozinha, enquanto lidava com a própria dor. Então, prometi a mim mesma que seria forte, que nunca mais iria seria a vítima da história. Decidi conquistar as coisas pela força, como tinham me tirado meu pai. Aprendi que provocar medo era o jeito mais fácil para se viver no meu mundo.

Abaixei a cabeça, envergonhado. Me sentia mal por todas as vezes que a havia criticado pelo jeito dela de ser. Eu não tinha esse direito, não sabia as razões dela. Ao mesmo tempo uma pergunta surgiu na minha mente:

–A Carly sabe disso?

–Sabe, sabe sim. E foi uma amigona, como toda vez. Ela sempre acordava assustada quando eu tinha pesadelos com aquela noite. Me deu vários conselhos e ficava a noite toda acordada comigo, quando eu tinha medo de dormir. - ela riu tristemente - Até me indicou alguns terapeutas, mas eu nunca realmente fui. Acho que posso lidar com meus problemas sozinha.

–Por que nunca me contou?

Ela me olhou como se eu fosse doido:

–E admitir minha fraqueza para o meu pior inimigo? Não, obrigada.

–Sam, eu sinto muito, de verdade. Se eu soubesse... - disse, me inclinando na direção dela, pondo minha mão em sua bochecha e acariciando de leve.

–Não teria feito diferença, não é? - ela completou por mim, o olhar magoado, tirando minha mão de seu rosto rudemente - Olha, deixa esse assunto para lá, já passou. - me cortou irritada, deitando-se de costas para mim na cama de casal, dando o assunto como encerrado.

Fiquei encarando o teto nos minutos que se passaram, perdido em pensamentos. Sam revirou-se na cama irritada, e por fim gruniu, sentando-se:

Eu não acredito nisso. - ela sussurrou baixinho, apertando os olhos com força.

–Sam? - a chamei.

Ela cruzou os braços e me olhou ainda irritada:

–Estou com medo de pegar no sono. - ela confessou.

Sorri docemente para ela, sabendo exatamente o que fazer para acalmá-la:

–Acho que é hora de cumprir uma promessa.

E me levantei da cama, ainda em direção à minha bagagem, retirando meu violão da capa. Sentei-me novamente na cama e Sam aconchegou-se no travesseiro ao meu lado, me encarando curiosa, mas seu rosto ainda tinha aquele leve toque de tristeza. Afinei o violão, enquanto pensava em uma música para tocar. Lançando um meio sorriso à ela, dedilhei:

Trilha(Wonderwall):http://www.youtube.com/watch?v=G7X1W5ogb7w

"Today is gonna be the day/ That they're gonna throw it back to you/ By now you should've somehow/ Realized what you gotta do/ I don't believe that anybody/ Feels the way I do/ About you now/

Backbeat the word is on the street/ That the fire in your heart is out/ I'm sure you've heard it all before/ But you never really had a doubt/ I don't believe that anybody/ Feels the way I do/ About you now

And all the roads we have to walk are winding/ And all the lights that lead us there are blinding/ There are many things that I'd/ Like to say to you/ But I don't know how/ Because maybe/ You're gonna be the one that saves me/ And after all/ You're my wonderwall

Today was gonna be the day/ But they'll never throw it back to you/ By now you should've somehow/ Realized what you're not to do/ I don't believe that anybody/ Feels the way I do/ About you now

And all the roads that lead you there were winding/ And all the lights that light the way are blinding/ There are many things that I'd like to say to you/ But I don't know how/ I said maybe/ You're gonna be the one that saves me/ And after all/ You're my wonderwall/ I said maybe (I said maybe)/ You're gonna be the one that saves me/ And after all/ You're my wonderwall/ I said maybe (I said maybe)/ You're gonna be the one that saves me (that saves me)3x"

"Hoje vai ser o dia/ Que eles vão devolver isso para você/ Neste momento você devia, de algum modo,/ Ter percebido o que tem de fazer./ Eu não acredito que alguém/ Se sinta do modo como me sinto/ A seu respeito neste momento.

A conversa que corre na rua é/ Que o fogo no seu coração se apagou/ Tenho certeza que você ouviu isso tudo antes,/ Mas você nunca realmente teve uma dúvida./ Eu não creio que alguém sinta-se/ Do modo como eu me sinto/ Sobre você agora

E todas as estradas pelas quais temos de caminhar são sinuosas/ E todas as luzes que nos conduzem até lá estão nos cegando./ Existem muitas coisas que eu/ Gostaria de dizer para você,/ Mas eu não sei como.../ Porque talvez/ Você vai ser aquela que me salva.../ E no final das contas,/ Você é minha protetora

Hoje iria ser o dia,/ Mas eles nunca devolverão isso para você./ E neste momento você devia, de algum modo,/ Ter percebido o que não deve fazer./ Eu não acredito que alguém/ Se sinta do modo como me sinto/ A seu respeito neste momento.

E todas as estradas que conduzem até você eram sinuosas,/ E todas as luzes que iluminam o caminho estão cegando./ Existem muitas coisas que eu gostaria de dizer para você,/ Mas eu não sei como.../ Eu disse que talvez/ Você seja aquela que me salvará.../ E no final das contas,/ Você é minha protetora/ Eu disse que talvez (eu disse que talvez)/ Você vai ser aquela que me salvará.../ E no final das contas/ Você é minha protetora/ Eu disse que talvez (Eu disse que talvez)/ Você seja aquela que me salvará... (que me salvará) [3x]"

Sam, que estava deitada nos travesseiros ao meu lado, suspirou um vez e sorriu de leve para mim. Era o seu jeito de dizer obrigado. Depois virou-se e acomodou-se melhor na cama, de costas para mim. Deixei o violão de lado e, por instinto, passei meus braços por sua cintura e a puxei para mim, deitando-a com cuidado no meu peito. Surpreendentemente, ela não protestou nem me repeliu como fez das outras vezes, ao invés, aninhou-se melhor em mim, totalmente à vontade. Com um sorriso no rosto, beijei o alto de sua cabeça e adormeci em um sono sem sonhos.



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Notas finais do capítulo

Não consegui achar música melhor para esse capítulo a nao ser Wonderwall...
Enfim, mt reviews, ok?
Mereço, né?