Beastman escrita por Cicero Amaral


Capítulo 3
Capítulo 3




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Disclaimer: Não, Eu não possuo Teen Titans. Ou Duna.

 

 

            A manhã seguinte foi absolutamente normal. Robin lendo o jornal, Ravena tomando chá de ervas, Ciborgue e Mutano discutindo sobre suas preferências gastronômicas, e, por fim, Estelar derramando litros de mostarda em tudo o que comia.

            Somente na seção de treino semi-matinal que Robin forçava a equipe a participar (seriam diárias se não fosse pelas reclamações de Ciborgue e Mutano), é que algo indistinto surgiu nas fronteiras da mente da equipe. No início, não souberam o que poderia ser. Era uma sensação de que algo estivesse faltando. Somente após todo o alongamento terminar que perceberam o que estava errado. Era o silêncio. Em todos os treinos, o Titã mais novo reclamava e choramingava, e precisava ser praticamente forçado a participar da prática de combate. Em TODOS os treinos. Bem todos menos este. Surpreendentemente, o metamorfo não havia nem abrido a boca. E, quando os olhos da equipe se viraram na direção dele, o encontraram já ocupado com a pista de obstáculos. Os demais Titãs trocaram olhares incrédulos, mas logo voltaram a se concentrar no treinamento, o qual se passou sem maiores incidentes.

- Notou alguma coisa estranha com o verdinho? – Ciborgue cochichou perto de Robin, pouco depois do treino acabar.

- Não, o quê? Quer dizer, além dele treinar com a boca fechada?

- Mano, to falando do jeito como ele estava hoje. Ele parecia, sei lá. Sério.

- Não vi não. Quer dizer, vi, mas não prestei muita atenção. Ele estava se esforçando, e isso é o que importa. – Ciborgue suspirou ao ouvir isso. Seu líder ainda precisava trabalhar a empatia.

- Você não acha que ele ainda está zangado com a gente? – O homem metálico insistiu.

- Hmmm... – Robin refletiu por alguns momentos, lembrando-se do café-da-manhã do dia anterior. – Talvez... Você acha mesmo que ele está bravo?

- EU estaria se estivesse no lugar dele. Mas o que acho realmente estranho é que ele não parece nervoso.

- Então qual é o problema? – Robin queria saber aonde essa conversa iria parar.

- Não sei. – Confessou Ciborgue. – Acho que é porque nunca vi ele sem aquele sorriso besta, ou então choramingando como um bebezão. Sei lá, acho que ele parecia diferente. Talvez não seja nada importante.

- Você conhece o Mutano. Daqui a alguns dias ele volta ao normal. – Disse o garoto-prodígio, e, após um instante, encarou seu colega com um sorriso sarcástico. – talvez ele esteja preparando outra peça para você.

- Ou para você. De qualquer forma, está na hora do almoço. Vamos comer alguma coisa, que eu to morrendo de fome.

            E, com isso, ambos deixaram a sala de treinamento.

 

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            O almoço havia sido rápido. Mutano comera, lavara o prato (para a surpresa dos demais: Estelar chegou a perguntar se ele estava se sentindo bem), e deixara a Torre. Pela terceira vez em três dias, o metamorfo decidiu que precisava pensar. E isso era algo que o surpreendia.

            Voando na direção de um parque na cidade, podia sentir o corpo dolorido: afinal de contas, ele nunca havia treinado com afinco antes, e foi só por causa da promessa que havia feito a si mesmo que tinha dado seu melhor até o final. Mas naquele momento, estava amaldiçoando a si mesmo. Pretendia fazer exercício físico de manhã e de tarde, mas seu corpo já estava no limite. Por isso veio ao parque. Talvez as árvores, os passarinhos e os esquilos a ajudassem a relaxar. Ele pousou e logo reassumiu sua forma original.

            Ele tinha percebido uma certa preocupação em seus colegas. Muito embora fosse distraído demais em 99% dos casos, Mutano era capaz de entender muito da linguagem corporal de outras pessoas. Seus sentidos eram mais apurados do que os de um ser humano normal, sendo capazes de perceber detalhes na postura, respiração, e até mesmo odor, que seriam imperceptíveis para qualquer outro. Porém, como naquela manhã ele estava se concentrando no treinamento, não era capaz de dizer o que estava perturbando seus companheiros Titãs, mas tinha uma idéia. Afinal de contas, se ele tivesse visto a si mesmo dois dias atrás, também não iria acreditar em seus olhos.

- Acho melhor treinar em segredo. – Ele pensou enquanto passeava no parque. – Se eles se preocuparem, vão começar a fazer perguntas que eu não vou querer responder. Além do mais, por que não fazer uma surpresa? – concluiu, contente.

            Ele continuou a passear pelo parque, admirando a paisagem. Ocasionalmente precisava entreter um ou outro fã. Era algo que ele sentia prazer em fazer; os faz o faziam se sentir querido, e essa era uma das melhores sensações que mutano conhecia. Mas ele se preocupava com algo mais. Treinar suas habilidades em combate e malhar os músculos era simples. Bastava utilizar os recursos disponíveis na Torre e cedo ou tarde os resultados apareceriam. O que ele não tinha idéia de como conseguir eram as tais “autoconfiança e liderança”. “Conduzir a dama pela mão”, por assim dizer. Não era meramente uma questão de obter essas qualidades. Era conseguir com que elas se tornassem parte dele. Se não parecessem ter vindo naturalmente a ele, tudo iria parecer falso.

            Por mais que pensasse, não conseguia uma resposta para o enigma. E o fato de quase nunca usar o cérebro por mais de um minuto também não ajudava. Frequentemente se pegava pensando em um curso de ação já descartado de novo e de novo. E, às vezes, a resposta parecia estar batendo às portas de sua mente, mas quando ele tentava abrir, não encontrava nada lá.

            O Titã estava tão absorto que esbarrou com uma pessoa. Era um senhor de uns 50 ou 60 anos, não muito alto, cabelos cinza, e um sorriso que lhe fazia lembrar Bob, mas com uma diferença. Esta pessoa parecia entender tudo o que se passava à sua volta. O olhar tinha um brilho ativo, dando a impressão de uma infinita curiosidade.

- Opa! – Exclamou o homem mais velho.

- Desculpa! – disse Mutano. – Eu... estava distraído.

- Distraído, hein? – o homem parecia estar se divertindo. – E o que poderia fazer um jovem como você pensar tanto assim?

- Uns problemas lá em casa, estou tentando descobrir o que fazer... EI! Como você sabia que eu estava pensando em algo? – O adolescente verde perguntou, surpreso.

- Não sabia, mas você acabou de dizer. – o homem estava rindo. – E a garota, ela é tão bonita assim?

- Caaara, você não faz a menor idéia... Não! Não tem garota nenhuma! – ele tentou disfarçar, mas a expressão no rosto do velho o fez desistir. – Como você sabia? – Perguntou, derrotado.

- Eu já disse, você acabou de dizer. E você não tem a menor idéia do que fazer, certo? – O sujeito continuava sorrindo, e Mutano começava a se sentir irritado.

- Claro que sei o que fazer! – ele mentiu. – Olha para mim! Eu sou um Titã, um herói! Posso me transformar em qualquer animal! – Ele assumiu a forma de um cachorrinho, uma águia, e depois um raptor. – Salvo a Cidade toda a semana! Tenho até fãs! – disse apontando para duas universitárias sentadas em um banco próximo, a quem ele tinha dado autógrafos poucos minutos antes. – Claro que sei o que tenho que fazer. – Terminou ele, tentando convencer mais a si mesmo do que o homem na frente dele.

            O velho não falou nada. Ainda sorrindo, andou em direção a duas garotas que o metamorfo tinha acabado de apontar.

            Mutano simplesmente observou o homem, incrédulo. E em poucos instantes seus olhos foram crescendo até ficarem do tamanho de pratos. Seu queixo caiu até o chão e a língua se desenrolou como um tapete pela grama do parque. Ele já tinha viajado pelo espaço, lutado contra alienígenas, e visto literalmente o fim do mundo, mas o que se desenrolava diante de seus olhos desafiava tudo aquilo que ele entendia como realidade.

            O velho tinha se aproximado das meninas e começara a falar algo. O garoto verde, com sua audição superior, podia ouvir, mas nada fazia sentido para ele. O homem simplesmente falava e elas não desgrudavam os olhos dele, sorriam e pareciam hipnotizadas. Não, hipnotizadas é pouco: pareciam mariposas atraídas pela luz. Em momentos, o homem estava com uma garota embaixo de cada braço, e o olhar delas tinha apenas uma expressão: Adoração. O trio se levantou e começou a andar para longe. Mutano finalmente conseguiu quebrar seu torpor e gritou:

- PÁRA!! Cara! Vovô... Senhor! Pára! – Ele estava desesperado: o que, em nome de tudo o que é sagrado, ele tinha acabado de ver?

- Aham, meninas, se puderem me dar licença... – Ele disse, despedindo-se com mesuras e dirigindo-se na direção do estupefato jovem.

- Não, Sr. Smith, não vai ainda! – Pediu uma das garotas.

- Recita mais um pouco! – Implorou a outra.

            Mutano e o homem (Sr. Smith era o seu nome) voltaram até o ponto onde tinham se encontrado momentos antes. O homem mais velho continuava em silêncio, e por isso o metamorfo decidiu falar:

- CARA! Aquilo que você falou para aquelas garotas... e elas estavam babando... O QUE era??? – Perguntou, ainda sem acreditar nos próprios olhos.

- Se você tivesse prestado atenção nas aulas, teria reconhecido Shakespeare. – ele explicou calmamente. – Sem dívida, são as palavras mais românticas que a humanidade jamais ouviu.

- Mas, um sujeito como você... com aquelas gatas... – Mutano estava tão atônito que não percebia estar falando algo MUITO indelicado. O Sr. Smith era um sujeito de mais ou menos 60 anos como qualquer outro, enrugado, meio gordo, cabelos brancos, e um corpinho de bem, 60. Enquanto as universitárias tinham 20 ou 21 anos, e estavam no auge da beleza.

- Exatamente. – disse o Sr. Smith com seu costumeiro sorriso, cruzando as mãos atrás da cabeça. – Um pouco de cultura faz maravilhas, rapaz!

- Milagres. – Murmurou Mutano. Por sorte, o idoso não pareceu ouvir.

- Olhe, jovem (seu nome é Mutano, não é?). Aquelas adoráveis moças e a poesia foram uma forma simples de lhe dar uma lição. Mesmo que você seja capaz de derrotar todos os monstros, supervilões e armadas alienígenas do universo, não deve subestimar o bom e velho conhecimento. E não me refiro apenas a pegar gatinhas no parque. Você tem um potencial ilimitado: por que desperdiçá-lo? – ele tinha abandonado seu sorriso, e tinha uma expressão séria no rosto. – Sabe por que estou te dizendo isso?

- Não senhor. – Foi tudo o que Mutano foi capaz de dizer, olhando para os próprios pés. O homem parado diante dele tinha conquistado um respeito que não seria facilmente esquecido.

- É por causa do que você está fazendo neste parque. – o titã encarou o velho, completamente confuso. - Você estava pensando em uma garota, certo?

- NÃO!!! Digo, eu tava... – Mas o Sr. Smith o interrompeu.

- A verdade, Mutano.

            O garoto verde suspirou, derrotado. Era impossível mentir.

- Está bem, estava.

- E você não sabe o que você tem que fazer para chamar a atenção dela.

- É.

- Mas você, em vez de pegar simplesmente um atalho e usar a fama que tem como super-herói, preferiu fazer com que ela conheça a pessoa que está por detrás da pele verde, certo?

            Mutano sorriu. Pela primeira vez o Sr. Smith estava apenas parcialmente correto. Usar “fama de super-herói” para ganhar uma super-heroína era burrice, até mesmo para ele. Mas é claro que o Sr. Smith não sabia quem era a garota em questão. Mas mesmo assim, respondeu:

- Certo.

- Por isso que eu decidi te ajudar. Você não entendeu isso ainda, mas escolheu a maneira mais nobre de conquistar uma jovem dama. Eu posso ajudar, se você permitir.

- Você pode me ajudar?!? – o garoto verde exclamou, com os olhos brilhando. – Como?

- Em primeiro lugar, quando a garota olhar para você, tem que gostar do que vai ver. Não leve a mal, garoto, mas você precisa puxar um ferro. E muito. – O Sr. Smith estava avaliando a forma física do metamorfo, e não estava nada entusiasmado.

- Já estou fazendo isso! – o adolescente se defendeu, ofendido. – Eu, huh, comecei hoje.

- Hoje, hein? Muito bem, uma coisa a menos para se preocupar. – novamente, o Sr. Smith estava sorrindo daquele jeito peculiar. – Agora que a dama finalmente viu você, ela tem que gostar da sua companhia. E é aí que reside o problema.

- Como assim? O que acontece então? – Mutano estava concentrado. Talvez ele nunca tivesse prestado tanta atenção em alguém antes.

- O problema, jovem, é a alma feminina. – disse o velho, suspirando. – O que uma mulher acha ou não agradável é algo que ninguém jamais conseguiu entender. Ninguém.

- Nem mesmo Shakespeare? – o adolescente ainda estava impressionado com o que vira minutos antes.

- Hah. A alma das mulheres é um dos grandes mistérios do universo, rapaz. Ninguém pode compreendê-la completamente. Shakespeare entendia melhor do que eu e você, mas é só isso. Fazer uma mulher gostar da nossa companhia é uma tarefa que todo homem tem que completar sozinho.

- Mas a tal da “cultura” ajuda?

- Você está aprendendo, Mutano. - O Sr. Smith parecia satisfeito.

- E como eu consigo mais cultura então? – o adolescente verde estava ansioso.

- Eu mostrarei. Mas há mais uma coisa que deve saber antes. Toda garota é diferente da outra, mas TODAS têm uma coisa em comum. Elas querem que seus homens as façam se sentir seguras. – O homem mais velho respondeu calmamente.

- Como seu eu fosse um cavaleiro em armadura brilhante ou coisa assim? – Perguntou Mutano.

- Eu não usaria estes termos... Mas é algo mais ou menos assim. – O Sr. Smith parou um momento, avaliando a expressão confusa do garoto a seu lado. – Elas querem que você tenha iniciativa, que faça o primeiro movimento. Que seja audaz. Essa é uma característica de líderes. E elas querem que você seja capaz. E demonstre isso. É preciso autoconfiança, mas não a de quem pode enfrentar quaisquer perigos. É a serenidade de alguém que capaz de protegê-la de qualquer mal, sem temor ou hesitação. A serenidade de alguém que, mas do que sente, SABE que nada poderá fazer mal à sua amada.

            Ao ouvir isso, uma compreensão atingiu Mutano: Então ESSE era o truque do Malquior! Ele a sentia se fazer segura! Então eu preciso ser confiante, audaz e mostrar que estou do lado da Rae, não importa o que aconteça!

- Entendi, Sr. Smith – O jovem falou, aguardando o que mais o homem à sua frente iria dizer.

- Eu já disse tudo o que podia. O resto do esforço vai ser todo seu. Não vai ser fácil, longe disso. Talvez seja melhor você encarar como um treinamento. Siga-me.

            Mutano seguiu o homem na direção à saída do parque. Na sua cabeça estavam imagens de algo parecido com uma sociedade secreta, em que figuras de manto recitavam poesia antiga. Mas foi tirado de seu devaneio quando percebeu para onde estavam se dirigindo.

- Biblioteca Municipal de Jump City?!? Era ISSO o que você tinha em mente?? – Ele gritou ao vislumbrar o prédio. Mutano odiava estudar, ou ler.

- Exatamente! Estamos diante de todo o conhecimento acumulado pela humanidade, em 10 mil anos de história! – Respondeu o Sr. Smith, empolgado.

            Mas o metamorfo tinha lá suas dúvidas. Para ele, biblioteca era o lugar onde se armazenavam livros velhos, gente velha, e nerds que pareciam ter nascido velhos. Definitivamente não era um lugar para ele. De fato, a única coisa que o mantinha seguindo o Sr. Smith era a demonstração dos poderes da “cultura” que ele tinha visto. Ambos entraram na biblioteca, e o homem idoso escolheu uma sala de estudos à prova de som. Ele deixou Mutano lá dentro um instante, e logo retornou com um livro, que colocou diante do rapaz.

- Ah, quantas páginas tem esse livro? – O garoto verde perguntou, com o livro na mão. Era pesado, e muito, mas muito grosso. E as letras dentro dele eram miúdas. A capa dizia: DUNA.

- 1253. – Esta resposta foi o bastante para fazer o Titã entrar em pânico:

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH!!!! – Mutano estava correndo em volta da mesa da sala de estudos, ainda segurando o livro à sua frente, com as duas mãos, mantendo-o à distância como se fosse uma coisa venenosa.

            O Sr. Smith apenas sorriu, divertido. Quem bom que tinha escolhido uma sala à prova de som.

- AAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!

- Mutano, acalme-se. – O Sr. Smith falou, sem mudar o tom de voz.

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!

            Percebendo que palavras seriam inúteis, o homem mais velho decidiu agir. Esticou um pé na sala, e instantes depois Mutano tropeçou, caindo de cara no vidro à prova de som (e aparentemente, à prova de impactos também), ficando grudado ali por alguns segundos antes de deslizar de volta para o chão. Mas pelo menos parou de gritar. O Sr. Smith ajoelhou-se perto dele, e, olhando diretamente nos olhos do jovem, perguntou:

- Já quer desistir? – E, nesse momento, Mutano pensou: “QUERO!”, mas, antes que pudesse transformar pensamento em palavra, o Sr. Smith perguntou novamente:

- E a garota?

            O metamorfo baixou as orelhas, envergonhado; sem falar mais uma só palavra, abriu o livro, sentou-se e começou a ler.

- Muito bem. – Foi a última palavra dita naquela sala, naquela tarde.

 

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- Azarath, Metrion, Zinthos.

            Ravena estava em posição de lótus, meditando.

- Azarath, Metrion, Zinthos.

            Seu centro já havia sido encontrado, e as emoções, suprimidas.

- Azarath, Metrion, Zinthos.

            Ela repetiu o mantra pela última vez e terminou a meditação. Ela havia meditado a tarde toda, sem distração alguma. Mas tinha uma coisa que lhe chamou a atenção, sem que ela soubesse realmente o porquê.

- Que estranho, o Mutano não veio aqui hoje. – ela falou consigo mesma. – Ele sempre aparece aqui pelo menos uma vez por dia, para contar aquelas piadas horríveis.

            Ela olhou para a porta por alguns instantes, e logo concluiu que não valia a pena pensar muito a respeito. Afinal, ela conhecia aquele ditado sobre cavalo dado. Agarrando sua capa, deixou o quarto e se dirigiu para a cozinha. Já estava quase na hora do jantar.

 

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            Já era noite quando Mutano deixou a biblioteca.

            Se, apenas 5 horas atrás, alguém tivesse lhe dito que ler podia ser cansativo, ele teria achado engraçado. Mas agora, no entanto, ele estava além de cansado: estava exausto. Gastara pelo menos 4 horas lendo aquele livro gigante, sem figuras, e com palavras que talvez nem Ravena conhecesse. E cada vez que ele dormia ou se distraía, o Sr. Smith o cutucava com uma vara, que tinha recebido o nome de Disciplina. O esforço que ele tinha feito parecia ter inchado seu cérebro. Mutano tinha a impressão de que sua cabeça podia explodir a qualquer momento, e nem sentia fome: só queria chegar à Torre, tomar um banho, e dormir.

 

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            Os quatro titãs estavam jantando. Todos estavam famintos, e assim demorou um pouco até perceberem a ausência de seu quinto integrante.

- Cadê o Mutano? Ele nunca perde a hora do jantar. – Indagou Robin, olhando à sua volta.

- Amigo Mutano saiu hoje de tarde. Mas não sei onde ele foi. – Respondeu a princesa alienígena.

- Já está escuro... vocês acham que pode ter acontecido alguma coisa? – Perguntou mais uma vez o líder dos Titãs, um pouco apreensivo.

- Sem problemas, cara. – assegurou Ciborgue. – Logo logo ele sente o cheiro da janta e aparece.

            Mal ele havia pronunciado essas palavras e a porta se abriu, revelando um Mutano muito diferente. Ele estava exausto, olhando para baixo, movendo-se lentamente. O rosto estava sem expressão, e, enquanto seus pés se arrastavam, um atrás do outro, seus amigos só conseguiram olhar, estupefatos.

            Ravena foi a primeira a falar:

- Que beleza. Parece que aqueles videogames finalmente queimaram seu cérebro de uma vez por todas. – Ela falou com seu colega verde. Ciborgue segurou uma risadinha. Ele sabia que sue amigo nunca podia resistir a um pouco de provocação.

- É... – Mutano respondeu como se estivesse dormindo. Isso pareceu satisfazer três dos adolescentes: eles já tinham visto o metamorfo em estado similar antes, após umas poucas maratonas de games com Ciborgue. O jovem metálico, no entanto, não gostou:

- Espera aí! Você passou a tarde no fliperama se divertindo... E NÃO ME CHAMOU?

- Foi mal, cara. – Mentiu mutano, contente por seus colegas não saberem o que eles andava fazendo. Se soubessem, a surpresa estaria arruinada.

            Ciborgue estava devorando sua janta, irritado. Como é que seu melhor amigo podia esquecer dele desse jeito?!? Ele continuou perdido em pensamentos, até que sentiu algo cutucando suas costas. Ao virar-se, percebeu seu amigo verde tentando enfiar uma fatia de pão nele, diante dos olhares indagadores dos outros.

- O que é que você pensa que está fazendo, verdinho? – Ele perguntou.

- Desculpa, cara. – Mutano parecia estar acordando de um sonho. – Confundi você com a torradeira.

            A sala de jantar explodiu em risadas. Robin, Estelar, e até o próprio Ciborgue riam como se não houvesse amanhã. E até Ravena se permitiu um sorriso no canto do rosto. De fato, ela mal podia acreditar que o garoto verde realmente tivesse dito algo engraçado.

- Acho que ele só consegue ser engraçado quando não está realmente tentando. – Raciocinou a empata, percebendo que o metamorfo não ria, talvez cansado demais para achar graça nas coisas.

 

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            Após o jantar e um banho bem gelado, Mutano sentia a mente mais clara. Estava sentado no sofá da sala comum, junto com os demais, avaliando os acontecimentos do dia.

            A tarde na biblioteca tinha sido difícil. O Titã verde não gostava de ler, mas não iria parar: tinha testemunhado a demonstração do Sr. Smith, e estava decidido a ter aquele poder. E, embora não quisesse, tinha que admitir que a história do livro era interessante. Falava a respeito de lutas de poder entre casas nobres de um império interplanetário, pelo controle de uma substância especial, capaz de prolongar a vida e dar poderes às pessoas. Se ao menos o livro não tivesse palavras tão difíceis...

            Agora, Mutano estava examinando o próprio braço, desapontado com a ausência de musculatura. Mesmo depois de todo esse tempo com a equipe, e os treinos de combate impostos por Robin, ele continuava baixinho e magrelo como no primeiro dia. É verdade que o metamorfo, até agora, nunca havia se esforçado. Mas mesmo assim, depois de todo esse tempo, seu corpo deveria ter se desenvolvido pelo menos um pouco.

- Talvez treino de combate seja só treino de combate, afinal. Acho que vou precisar fazer musculação. – pensou o titã verde. - Mas a que hora?

            Por mais estranho que pareça, Mutano estava tão concentrado em seus pensamentos que nem percebia o que estava à sua volta. Ele, juntamente com Ciborgue, Estelar e Robin (Ravena provavelmente estava em seu quarto, lendo ou meditando), estavam no sofá da sala comum, assistindo TV. E o relógio de parede indicava que eram 20h30min. Foi aí que, subitamente alerta, Mutano teve uma idéia: ele precisava de um horário para musculação, um horário em que ninguém fosse notar sua ausência, e acabara de conseguir. Ele riu mentalmente, lembrando-se que Ravena costumava dizer que televisão não servia para nada, ao mesmo tempo em que se dirigia para a sala de treino.

            De agora em diante, à noite, enquanto a televisão se encarregaria de distrair seus colegas, ele se encarregaria de malhar.


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