Madge's POV

Estava tudo queimando. Toda a cidade. Todo o Distrito 12 estava queimando. E eu estava ali, tossindo, tentando raciocinar se conseguiria sobreviver. Os aviões com bombas haviam ido.

Eu não via nada além de chamas num raio de dois quilômetros. Não havia como fugir. Eu estava beirando a inconsciência, mas eu continuava a andar. Usava meu vestido como um filtro para as chamas e fumaça densa, mas ainda sentia o cheio de bombas, corpos e todo o tipo de material queimado. Todos haviam ido. Eu não conseguia chorar mais, já estava praticamente sem água dentro do meu corpo. Eu não podia chorar por aqueles que perdi, pois poderia me perder também.

Papai... Mamãe... Todos eles. Todos do Distrito 12 se foram. Não há mais ninguém aqui. E minha última lágrima caiu, evaporando rapidamente pelo calor intenso. Meus olhos ardiam por diversas razões.

E eu me sentia queimando. É uma sensação horrorosa. Agora entendo o desespero de Katniss no seu primeiro Jogo. E também entendo o quanto ela deve odiar o apelido de “garota em chamas”. A Capital havia queimado nosso distrito e agora estou eu aqui, lutando para sobreviver. Será que havia alguém ainda aqui? Sobreviventes? Um último avião? Pacificadores? ... Alguém...

Olhei para o céu temerosa, mas não havia nada além de nuvens de fumaça e um céu azul-acizentado atrás. Eles não iriam voltar, tudo já havia caído.

Ninguém iria se importar com uma garota semimorta. A reviravolta havia começado. E Katniss a iniciou. Eu sorri, tinha orgulho dela, até. Minha querida amiga Katniss.

Corajosa, bonita, forte. Espero que ela consiga. Espero que ela e Peeta Mellark consigam. Eles precisam sobreviver, depois de tudo o que passaram. Não só eles...

– Gale... – Eu consegui sussurrar, me arrependendo depois, tossindo e tentando recuperar o oxigênio perdido.

Era bom falar o nome de Gale Hawthorne. Tinha uma sonoridade belíssima. Gale, que tanto vinha aqui para levar morangos para papai. Que estudava na mesma escola que eu. Que implicava comigo nas poucas vezes que nos falávamos. Que tinha um sobrenome que combinava tão perfeitamente comigo.

Eu gostava das implicâncias; Se era nosso único modo de comunicação, eu gostava delas. O modo como sua cara séria escondia uma brincadeira. Seus lábios sorridentes e orgulhosos ao ver Katniss voltar para casa.

Eu nunca pensei que pudesse ter Gale Hawthorne. Na verdade, a idéia soava impossível a cada vez que eu pensava. Mas o que impede uma jovem de sonhar? Eu não me importava que ele amasse Katniss, porque eu também amo Katniss. Afinal, ela é minha amiga. Mas desde os Jogos eu pensei no “se”.

Se a Capital caísse. Se Katniss se apaixonasse verdadeiramente por Peeta Mellark e tivessem uma vida juntos. Se eu sobrevivesse a esse momento horrível. Se eu conseguisse me aproximar de Gale. Se aos poucos eu roubasse seu coração. Se esse “se” desaparecesse e se transformasse em verdade.

Agora eu ando pelos escombros da praça. Estava tudo em chamas.

Enquanto o oxigênio escapava aos poucos e não voltava mais e a fumaça negra do fogo era a única coisa que eu conseguia extrair do ar eu percebi que não era o “se” que iria desaparecer. Era eu e a pequena, infantil e sonhadora possibilidade de sobrevivência.

Meu pulmão apertava, gritava e se socava dentro do meu corpo.

Antes de cair na inconsciência eterna eu senti o gosto de morangos. Mesmo que quase insípido no meio do grosso sabor de fumaça, carne queimada e sangue, eu pude sentir. Doce, maduro, vermelho e pequeno. Morangos silvestres da floresta do Distrito 12.

E me perguntei uma última vez se aqueles morangos eram do mesmo sabor que os lábios de Gale.