"Boa noite, "querido" diário. Eu sei que essa não é a melhor forma de começá-lo. Mas eu não ligo. Já devo ter caminhado uns três quilômetros depois que sai do cemitério. Eu me sinto... diferente. Posso dizer que eu não me lembrava mais dessa sensação há uns três anos, desde... bem. Eu preciso chegar o mais rápido possível naquela maldita escola de novo. Eu mal me lembro do nome, mas ainda me lembro do nome deles, e é claro, dela..."

 Sara parou por um instante para admirar a paisagem. O cheiro das flores pareciam fasciná-la. Ninguém liga para coisas pequenas como essa, mas naquele momento, mais do que nunca era a única coisa que Sara já havia desejado sentir.

 "Eu gastei muito tempo da minha... se é que se pode chamar aquilo de vida, pensando em quê eles fizeram e como viveram depois que eu morri. Ninguém chora para sempre, mas quando se vai para o céu, você fica pensando em quantas pessoas realmente sentiram a sua falta ou se você foi substituído pelo primeiro alguém melhor que possa ter aparecido. Ainda posso sentir minhas asas mesmo que elas não estejam mais aqui; você demora um tempo pra se acostumar com essas sensações depois que você já conheceu o outro lado da vida. Eu sei que parece idiota, mas o céu não é como dizem. É entediante lá, as pessoas não costumam se divertir, além de ser muito calmo. Lembro-me de quando estava sentada na nuvem mais baixa que temos permissão para chegar, eu tentava de todos os jeitos olhar para baixo para observar quem ainda tem a chance de viver, é claro que eu sentia inveja dessas pessoas, pois eu fui cruelmente assassinada. Senti o vento e logo percebi que se tratava das asas de um anjo, me endireitei e o olhei. Era uma mulher, eu já a havia visto antes. Tinha cabelos ondulados lindos e loiros, suas asas eram fascinantes, quase três vezes maiores que as minhas, não se leva grande vantagem no céu quando se é assassinada.

- Sara, não é? - sorriu - Belo nome.

- Eu me lembro de voc.. - disse confusa

- Pode me chamar de Dora. - interrompeu - Eu vim lhe fazer uma proposta, Sara.

- Proposta? Eu não estou entendendo.

- Eu sei que te assassinaram, sei também que você não gosta daqui e que daria tudo para voltar e se vingar.

- Mas isso é possível? Eu achei que...

- Eu posso fazer com que volte pra Terra. Mas você tem que me dar uma coisa em troca.

- E o que você quer? - disse interessada.

- Se aceitar minha proposta terá uma semana para se vingar, mas no oitavo dia, ao invés de voltar para o céu, você vai para o inferno.

 Digamos que a ideia de fogo infinito assustou-me um pouco no início, afinal, a quem não assustaria? Mas eu daria tudo para me vingar daqueles malditos, e quem sabe abraçar meus pais. Eu pensei em recusar a proposta, mas me pareceu tão tentadora, eu me lembrei do dia em que morri e a raiva voltou a tomar conta da minha alma como naquele dia, no momento em que percebi que não estava mais ligada ao meu corpo e que subia lentamente até aqui, sem poder fazer nada, sem ter controle. A lembrança disso ainda me causa arrepios.

 Ela olhava para mim como se houvesse largado uma bomba e esperasse que ela explodisse. Ela queria uma resposta e eu pensei em apenas uma e agora estou aqui, caminhando em uma estrada qualquer da Flórida indo em direção a minha destruição, é."

- Eu tenho certeza que me lembro de você, Dora. - pensou Sara enquanto puxava uma foto do bolso da calça.

 A foto mostrava a imagem de uma classe de alunos, entre eles Adam, Enid, Brian, Thomas e Kate que tinham seus rostos circulados com uma caneta vermelha.

- Onde vocês estão três anos depois? - se perguntava.

 Sara não tinha dinheiro, mas conseguiu chegar até a Florida Atlantic University, sua antiga universidade com uma carona, ela não fazia ideia do que fazer a seguir, mas resolveu entrar e perguntar, talvez assim descobrisse alguma coisa qualquer.

- Bom dia, deseja fazer a sua matrícula? - perguntou a moça forçando um sorriso simpático.

- Não, na verdade... - pensou por um momento. - Eu quero saber se eles ainda estudam aqui? - falou mostrando a foto.

- Ah! Deixe-me ver, Enid e Brian desistiram da escola há uns três anos atrás, dizem que Enid se matou depois que uma garota daqui morreu, outros dizem que se mudou pra NY com o seu pai. - falou com ar de tristeza - Mas os outros três terminam os estudos esse ano.

- Brian! Ele ainda está na cidade? - perguntou esperançosa.

- Sim, ele serve cafés na lancheria da esquina. - terminou.

 Sara agradeceu e andou até a lancheria Going's, e pelo vidro pode reconhecer os cabelos loiros e curtos de Brian, e lembrou-se de seus olhos verdes a olhando enquanto ela morria. Isso fez com que uma lágrima escorresse de seus olhos, que ela limpou o mais rápido que pode com a manga do moletom preto. Eram oito horas da noite quando finalmente Brian saiu do trabalho. Ela o seguiu por algumas quadras a distância, até que finalmente ele chegou em casa. Sara se aproximou da porta, pôs o capuz por cima da cabeça e bateu na porta. Brian a abriu:

- Surpresa!  - falou Sara com um sorriso no rosto.