Annabeth soprava sua franja toda vez que ela caía sobre seu rosto enquanto ela pegava mais uma caixa de dentro do caminhão.

- Sabe, eu preciso cortar o cabelo.

- Ou então pode prender a franja – falei, sorrindo. Ela me olhou, mordendo a bochecha e sorrindo levemente. – Seu cabelo está bonito assim, não precisa cortá-lo.

- Realmente, Percy, você não sabe nada sobre cabelo. Muito menos os femininos – ela disse, entrando dentro da casa que ela mesmo havia projetado para morarmos.

Havíamos terminado a faculdade, os dois. E algum tempo depois disso, meio que nos casamos. Nada muito chamativo, apenas uma breve comemoração em um sítio não muito longe de Nova York preparado por Thalia e Luke, nossos padrinhos, que até hoje ainda tem vontade de atropelar um ao outro de vez em quando.

Estávamos em Los Angeles.  Annabeth havia arrumado um bom emprego aqui como arquiteta, e eu estava trabalhando no zoológico marinho da cidade, como um dos biólogos. Resolvemos morar aqui depois de meses discutindo o assunto. Ela queria que eu fosse para San Francisco, e eu que ela ficasse comigo em Nova York. Depois de muita discussão – o que é algo que já se tornou bem comum em nossa relação – havíamos finalmente chegado a um acordo.

Los Angeles, que foi o começo de tudo para nós dois, era o lugar certo. Estávamos desempacotando as coisas das grandes caixas de papelão, finalmente. Os cômodos da parte de cima estavam inteiramente mobiliados, só faltavam os itens decorativos – ou seja, ou que estavam nas caixas que carregávamos.

Eu e Annabeth subimos para o nosso atual quarto. Nosso quarto. Quase tudo estava pronto. Annabeth pegava alguns de seus livros preferidos e os colocava em seu criado mudo. Ela sempre lia um pouco antes de dormir. Na maioria das vezes, eu pedia para que ela os lesse para mim.

Deixei ela com seus livros e comecei a desempacotar minhas coisas. Algumas roupas que seriam úteis no inverno, cadernos antigos, mas com anotações importantes, álbuns de fotos que ficariam perfeitos no fundo da minha gaveta... Fui colocando tudo em um espaço reservado no meu guarda-roupa, já que não ocupo muita coisa.

- Quer ajuda? – Annabeth ofereceu quando viu que eu ainda tinha uma caixa para desembrulhar.

- Claro – respondi, abrindo a caixa. Ela olhava alguns retratos meus de quando criança que minha mãe havia colocado no meio da minha mudança, e ria de forma divertida. Eram fotos incrivelmente engraçadas, cheias de caretas e algumas com participações especiais de Thalia e Nico, quando éramos pequenos, e algumas com Luke e eu fazendo bagunça.

Ela colocava tudo na gaveta, seguindo meus passos, e logo chegamos ao final. Havia mais uma caixa de sapato velha, era o último item a ser guardado. Em sua tampa, estava rabiscado com canetinha azul e com uma letra de criança de primeira série: ‘Propriedade de Percy Jackson, fique longe!’.

Uma onda de lembranças veio a minha cabeça quando abri a caixa para ver o que tinha dentro. Coleções de baralhos de Yu-Gi-Oh, tampinhas de Coca-cola, selos, iô-iô... Tudo havia feito parte da minha infância, eram coisas impossíveis de se esquecer.

- Olha isso – falei, sorrindo e passando alguns desenhos para Annabeth. Ela os analisava com atenção e depois olhava pra mim.

- Você daria um ótimo arquiteto – falou ela, rindo e mostrando um prédio azul todo infestado de ondas e peixes. É, acho que minha paixão por tudo relacionado ao oceano veio desde que nasci. Ela começou a mexer na minha caixa e pegou um pequeno papel. Uma foto. Sua expressão parecia assustada, e ela se sentou na cama – que estava lotada de plástico-bolha.

- O que é? – Indaguei, me sentando ao seu lado.

- Onde você conseguiu essa foto, Percy? – Ela perguntou, rindo como se não acreditasse em algo. Olhei bem e peguei a foto de suas mãos. Era uma garota loira com os olhos claros, não dava para distinguir por causa do desbotamento das cores. Ela sorria alegremente com o oceano ao fundo. Eu me lembrava bem daquela foto. E do dia em que a encontrei.

- Bem...

Flashback on

Era nada mais que um dia caloroso de verão. Meu pai e eu andávamos pela praia, sem ter muito o que fazer. Ele me ensina o nome de todos os peixes que conhecia e contava lendas sobre pescadores. Eu tinha cerca de 11 anos.

Meu pai se encontrou com um conhecido e os dois ficaram conversando, e ele disse que eu poderia andar pela praia, mas nada de ir muito longe. Acabei correndo, cai algumas vezes, brincava com os peixes que vinham com as ondas... porém, quando uma onda se aproximou, eu vi uma foto. Havia uma garotinha loira nela, sorrindo maliciosamente, mas era realmente uma graça.

Decidi que aquela seria o meu primeiro amor. Com o tempo eu comecei a realmente a acreditar que aquela garotinha era o meu primeiro amor. Eu realmente sentia algo bom vendo a foto... Comecei a procurá-la durante as tarde tediosas em L.A., e foi ai que conheci Luke. Ele estava passando as férias ali também com seu pai, e coincidentemente também morava em Nova York, e acho que aquilo foi tudo para que nos tornássemos melhores amigos.

Enfim, Luke me ajudou a procurar a tal menina. Rodamos o nosso bairro todo e até mesmo o vizinho, perguntando para as pessoas da rua, mas todos não tinham noção de quem ela era. Com o tempo, acabei desistindo. Tive que voltar pra Nova York e acabei deixando essa foto no meio das minhas coleções de criança.

Flashback off

Assim que terminei de falar para Annabeth, ela sorriu.

- E você nunca descobriu quem era essa garotinha? – Ela arqueou uma sobrancelha e eu dei de ombros. – Percy, como você é lerdo.

- Ah, obrigado – falei, revirando os olhos e ela riu.

- Essa garotinha, na foto, sou eu. Eu estava com minha mãe na praia e olhávamos alguns retratos que havíamos tirado naquele verão e a foto voou, mas não conseguimos pegá-la. Foi nesse mesmo verão que conheci Thalia, se bem me recordo.

- Espera... Você é a garotinha da foto? – perguntei, indignado. Peguei a foto e a analisei bem. O sorriso de Annabeth era igual ao da garotinha, só que agora era mais maduro. Era a coisa mais louca que já havia acontecido na minha vida.

- Sabe, essa garotinha... Ela foi meu primeiro amor – falei, e as bochechas de Annabeth queimaram. – E sempre será o meu primeiro amor.

E eu a beijei. A sensação sempre era a mesma, como se o mundo não existisse mais, éramos apenas nós dois. Soltei a foto e passei a mão pelo pescoço de Annabeth, e ela se inclinava e afagava meus cabelos. Puxei-a para mais perto e ela ficou basicamente colada em mim, e então nós fomos nos deitando vagarosamente na cama.

- Wow, mal chegaram e já querem aproveitar a cama – uma voz disse na porta. Eu e Annabeth nos separamos rapidamente e nos sentamos, e senti meu rosto pegar fogo. Thalia nos encarava com um sorriso malicioso enquanto Luke ria atrás dela.

- Vocês deveriam pelo menos fechar a porta de entrada, sabem – Luke disse, entrando no quarto. – Assim ninguém atrapalha vocês.

- Idiota – falei, enquanto ele pegava um plástico-bolha e começava a estourar com a boca. Luke ainda tinha sérios problemas mentais.

- Bom, que bom que vocês finalmente se mudaram pra cá. Essa cidade estava desanimada sem vocês – Thalia disse, se sentando ao nosso lado.

- Hey, porque vocês já não deviam ter comprado as coisas de bebê? – Luke perguntou e eu o encarei, sério. Thalia arregalou os olhos e Annabeth enterrou o rosto nas mãos.

- Do que você está falando? – Perguntei.

- Você sabe, o bebê que Annabeth está espe... Ah, droga, você não sabia – ele disse, e eu fiquei paralisado. Annabeth... Annabeth estava grávida? E ainda não havia me contado? Olhei para ela, boquiaberto. Eu não sabia se queria gritar pro mundo que eu iria ter um filho, se eu deveria beijar Annabeth, se eu deveria bater em Luke...

- Luke, seu idiota – Thalia falou, tacando uma caixa de papelão vazia nele. Como eu disse: um belo casal, mas se matariam na primeira oportunidade.

- Desculpe... Eu ia fazer uma surpresa – ela disse, forçando um sorriso.

- Eu... eu vou ser pai?

- Surpresa...? – Annabeth falou, mordendo o lábio.

- Eu vou ser pai. Isso é...

- Isso é falta de camisinha, colega – disse Luke, colocando a mão no meu ombro e eu o olhei furiosamente.

- Acho que isso é um momento para os dois, venha Luke – Thalia o puxou do quarto e eles foram para o corredor. - Será que você não pode calar a boca? – ouvi ela murmurando.

- Venha calar – ele disse, e eu ouvi o estalo do beijo deles.

- Annabeth...

- Olha, me desculpe por não ter contado antes, é que eu... – ela começou, mas eu a abracei. Aquilo era maravilhoso. Ela me abraçou fortemente e ficamos ali um tempo.  

Estaríamos começando a construir uma família de verdade.