Capítulo Seis

– O que está acontecendo aqui?! – Perguntou Natalya nervosa, correndo em nossa direção.

– Nada – disse Meredith com o olhar angelical.

Não sei como ainda me surpreendo com o cinismo dessa garota.

– Nada?! Você jogou cerveja em mim! – Exclamei revoltada, controlando-me para não gritar.

– Desculpe, foi sem querer Leana – disse ela de modo debochado, com um sorrisinho torto como se estivesse envergonhada.

Ah, é pior que uma víbora!

– Leana, vá trocar essa roupa molhada. Deve ter uma extra dentro do seu armário. Disso, pode deixar que eu cuido – disse Natalya de modo firme, estendendo a mão e me ajudando a levantar.

Somente assenti, seguindo de cabeça baixa e sem proferir uma única palavra de volta a cozinha.

Por cima do ombro, vi Meredith lançar-me um olhar presunçoso.

Segurei-me para não voltar lá e fazer algo que eu tenho certeza que me faria ser demitida.

– Bem, já vou indo Natalya. Tenho uma longa caminhada pela frente – disse com uma risadinha sem graça.

– O Cameron não vai te buscar hoje? – Indagou ela, arqueando as sobrancelhas.

– Digamos que eu acho que não.

Ela me deu um olhar compadecido, sorrindo de canto.

– Então vai lá e se acerta com ele. A relação que vocês têm é rara, não a deixe morrer por algo bobo.

Sorri.

– Obrigada. – Então fui em direção às portas de vidro da entrada, ajeitado a minha bolsa no ombro enquanto passava por essas.

Caminhei pela calçada apenas alguns instantes até que uma chuva fina começou a cair.

– Obrigada! Mais uma coisa para melhorar meu dia! – Disse raivosamente para o nada.

Não havia se passado nem trinta segundos quando um carro preto e lustroso parou ao meu lado.

Apenas por um instante pensei se algum conhecido meu teria um carro assim, mas cheguei rapidamente à conclusão que não.

A porta do passageiro se abriu.

Arrisquei olhar para dentro do carro e me surpreendi ao ver meu professor da faculdade.

– Você está indo em direção à faculdade, certo? – Ele perguntou e eu somente assenti. – Entra, eu te levo até lá. Ou você prefere ir a pé e chegar encharcada? – Acrescentou ao ver e minha expressão duvidosa.

Com um menear de cabeça, aceitei a carona.

O carro voltou a andar. E com o silêncio que se instalou pude ouvir claramente a melodia de Yesterday, The Beatles.

– Então, o que está achando das aulas? – Perguntou ele, quebrando o silêncio pesado que se instalara.

– Melhores do que eu esperava quando enviei minha carta de admissão sorrateiramente – respondi normalmente.

– Acho que isso foi um elogio às minhas aulas.

– Foi. As aulas são interessantes, bem planejadas. Fora que elas prendem a atenção de todos justamente porque é algo que os alunos querem fazer, não só mais matérias que na nossa cabeça, não têm serventia alguma.

Ele me olhou impressionado, provavelmente não esperando uma resposta tão clara e objetiva.

– Bom, é bom saber que pelo menos um de meus alunos gostam da aula. – Ele fez uma pausa. – Você disse que enviou sorrateiramente a sua carta de admissão para essa faculdade. Por quê?

– Digamos que meus pais não aceitam minha escolha de ir para a faculdade de artes, principalmente meu pai que acha que serei apenas uma “reles artista de quinta”. Eles queriam que eu fizesse advocacia, mas não é pra mim. – Dei de ombros.

– Vivi uma situação parecida há alguns anos atrás quando quis fiz faculdade de artes plásticas. Acho que sei como se sente em relação a isso.

– O que seus pais disseram?

– Minha mãe nada, mas meu pai... Ele me chamou de gay – disse ele com a voz divertida, como se achasse graça.

Comprimi meus lábios em uma linha reta, impedindo-me de rir.

– Pode rir. Não tem problema.

Ri, não pude evitar, e só consegui me controlar segundos depois, quando já estávamos no campus.

– Você mora em alguma Irmandade ou só veio fazer alguma coisa na Universidade?

– Moro em uma Irmandade.

– Qual delas?

– Não lembro o nome, mas é uma casa branca com o telhado cinza chumbo, com um pessegueiro plantado perto da entrada...

– Sei onde fica.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, até que o carro parou em frente à Irmandade que morava.

– Bem, obrigada pela carona – disse com um sorrisinho grato antes de sair.

– Não há de quê. – E sem dizer mais nada, ele partiu com o carro.

Corri até a entrada, cobrindo minha cabeça com os braços para não me molhar.

– Olá Lea – disse Lucy assim que entrei.

– Olá Lucy... E Thomaz – falei em um tom confuso, em seguida ri ao entender o que os dois estavam fazendo olhando filme de terror.

Lucy ficou vermelha e Thomaz um pouco desconcertado.

– Hãm... Leana, tem alguém esperando no quarto pra falar com você – falou Lucy, tentando inutilmente não parecer tão envergonhada.

– Tudo bem, vou deixar os dois pombinhos a sós – disse rindo.

Lucy ficou ainda mais vermelha, se isso é possível, e Thomaz passou a mão pelos cabelos em um ato nervoso, esboçando um sorrisinho sem graça.

Realmente, os dois ficavam bonitinhos juntos.

Fui em direção às escadas, subindo-as rapidamente e quando abri a porta do meu quarto ainda rindo, avistei a figura à minha frente, esticada em minha cama lendo um de meus livros favoritos. Nesse exato momento, estaquei, sem reação.

Okay, eu sabia que teria que conversar com ele uma hora ou outra sobre o desagradável incidente na lanchonete, porém eu não esperava que fosse agora.

– Oi, Cameron.

Ele me olhou com os olhos duros, sem expressar reação.

– Leana... Poderia me dizer o que foi aquilo na hora do almoço? – Perguntou sem rodeios, olhando-me nos olhos de modo tão intenso que fiquei sem reação por um segundo.

Definitivamente, a conversa seria longa. E bem provavelmente, desagradável.