Ano Novo. escrita por AnaBonagamba


Capítulo 4
Obeshchanie.




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Era o terceiro dia dentro do Grande Imperador. Terceiro dia para quem já estava perdido no tempo, sem saber o ano que estava vivendo. Ninguém subia, todos desciam e comemoravam. Comemoravam o que? Ah, sim, o novo ano que chegava, e que chegaria esta noite, se não estivesse totalmente enganado. Meu relógio não me desmentia.

- Passaremos o ano novo aqui, mamãe?

- Não, Tom, chegaremos ao nosso destino a tempo. - disse ela aparentando calma, apesar de ter devorado as unhas. - Sei que você gostará da minha surpresa.

Todos já se cumprimentavam e batiam suas taças de vodka umas nas outras, sorridentes, gritalhões. Pareciam felizes, ou era apenas efeito da bebida, o que os olhos não escondiam muito bem. Beijos eram dados, mãos apertadas. Uma família.

Andando sem rumo pelo navio, minha mente começou a recriar minha vida se eu tivesse um irmão, ou uma irmã. É claro que isso jamais aconteceria, uma vez que minha mãe tornou-se incapaz de gerar filhos, mas... e então? Como será minha vida neste novo ano? Pedirei Cecília em casamento? Mandarei minhas pinturas para a Academia de Artes em Paris? O que eu faria?

Entre os beijos e os apertos de mão as pessoas trocavam seus sonhos, alguns objetivos que conquistaram e outros que deixaram para o ano que se aproximava. Papéis, laços, fitas, amuletos... tudo tão ridicularizado que comecei a gargalhar de leve, vendo quão interessante era a capacidade do ser humano de se apegar ao imaterial.

Quanto mais o tempo passava, mais promessas iam fazendo. Eu deveria? Pudera, era criança... ali, com minha mãe, não havia nada que eu desejasse que ela não pudesse realizar. Pintaria um quadro com fibras de ouro, se eu pedisse. Não hesitava em atender meus suspiros, nem minhas demências. Ela era mãe, mesmo recatada e fina, não deixava afetar-me a sociedade em que vivia. Criou-me num épico e rústico ninho, típico de seu elo maternal, onde a cultura e a proeza eram dádivas que Deus não escolhia, mas ela determinava.

Sabia eu que a vida me separaria dela, e aquele momento era próspero para que eu não a deixasse partir nunca mais. Ela tinha a capacidade de separar-se de meu pai numa data de suma importância, mas mesmo sabendo que isso o desagradaria levou-me consigo, seu único filho. Voltei ao quarto e tomei suas gélidas mãos nas minhas, com um terno sorriso que apenas ela podia ver. Retribuiu-me com gosto, encostando sua cabeça em meu ombro, como fizera assim que ficamos juntos no convés, no primeiro dia de viagem. Ali, descansou até que os tripulantes avisaram nossa chegada ao tão ansiado destino.

Se eu tinha de fazer uma promessa para o ano novo, que fosse a mais singela e comum de todas, a que muitos pedem e poucos alcançam: que se eu tivesse de morrer, que morresse por ela, ou com ela; que nossas mãos sempre se aqueçam juntas, e que possamos dançar sem cessar ou ridicularizar nossas virtudes tão bem colocadas, sempre admiradas com gosto e requinte. Que eu pudesse estar com ela todos os dias como se este fosse o último.


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Notas finais do capítulo

obeshchanie - promessa.



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