A Estranha Samwoor escrita por Batatisa


Capítulo 1
Capítulo 1 - Embarque


Notas iniciais do capítulo

Primeira história que faço que não tem como tema principal dor, sofrimento, causas grandes de mais para a capacidade do personagem... Em fim, fugiu um pouco meu estilo, mas ainda vai falar bastante de saudade e medo por entes queridos. Espero que gostem.




// Atualizado 16/02/2014 //

Pois é, juntei o capítulo 1 e 2 e ainda fiz algumas alterações. Por quê? Para dar o efeito que eu quero no último capítulo, não posso falar mais sem dar spoiler.
Melhorou? Piorou? Adoraria saber, fiz meu melhor.



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Era sexta-feira, ultimo dia eletivo. As nuvens encobriam o céu como um lenço cinza-desbotado, rasgos azuis aqui e ali demonstrando seu desgaste. As aulas haviam acabado fazia menos de um quarto de hora e o sol buscava espaço entre as mínimas fendas, indicando que o dia já atingia sua metade. Eu estava caminhando com Yanca, uma colega de classe qualquer, planejando um encontro com a turma nesse fim de semana. Morávamos todas em Rolegard, uma pequena cidade no extremo-sul do continente. Era um lugar lindo, mas extremamente repetitivo: Todas as casas eram cópias idênticas, estilo colonial, pintadas de branco e prata e com até a mesmíssima neve acumulada nas cercas e entradas. Copiavam até as flores artificiais (plantas reais não resistiam ao frio da região)! Violetas e samambaias espalhadas em jarros e vasos aqui e ali. Tudo era impecavelmente limpo, e o mais interessante a se fazer era ficar andando pelo largo onde a rua desembocava. Andávamos inconscientemente a caminho de lá, já viciadas em tal percurso, quando senti uma fincada forte no peito, que passou tão repentinamente quanto chegou.

— Ai... – Murmurei, um tremor involuntário perpassando meu corpo.

— Tudo bem aí, Lize?

— Sim, foi só uma dorzinha.

A outra franziu as sobrancelhas, pouco convencida de minhas palavras. Tão neurótica... E nem sequer conseguia esconder isso! Uma lástima. Não que fosse má pessoa, longe disso, havia muito piores por aí, mas nem defeitos anulam qualidades, nem qualidades anulam defeitos.

— Certeza? Talvez seja melhor voltar para casa, já não é a primeira vez que isso acontece.

— Pois bem, então é normal.

— Se você insiste... – Continuamos o caminho.

Bem, talvez toda essa preocupação tivesse certa base (afinal, todo mito tem um fundo de verdade): Fazia alguns dias eu estava tendo tais sensações, como se alguém me espetasse com uma agulha de tempos em tempos, cada vez mais forte, mas ignorava. Desde pequena sentia isso certas épocas da vida, aprendera a associar a dúvida e rancor. Não entendia, porém, o que causava agora as dores, já que não havia nada a me preocupar. Ops, bem colocado, havia. Thiago acabara de entrar na avenida silenciosa. Fechei os olhos, uma tentativa de juntar paciência para a inevitável discussão que viria a seguir, e senti a brisa gélida jogar meus cabelos para longe antes de finalmente abri-los e encarar aquele rosto de rato.

— Ora, ora... Se não é a anã rechonchuda e sua fiel cadelinha... – Exclamou para a rua inteira. Algo inútil, já que estava vazia.

— E se não é o vara-pau que não sabe a raiz de um. – Retrucou uma excessivamente corada Yanca.

Suspirei, não aguentava mais aqueles dois e suas intrigas. Era óbvio que gostavam um do outro, e mais ainda que se recusavam terminantemente a admitir isso, logo ficavam nessa troca de rosas. As “carícias” continuaram por mais dois quarteirões antes de eu decidir que era hora de intervir (ou seja, de Yanca parecer prestes a tornar a contenda um pouco mais física)

— Vamos, Yanca, não perde tempo.

— A conversa já chegou na favela?

— Começou nela, meu bem.

—Dá para pararem?! Já não chega agüentar vocês na sala de... - Outra fincada, dessa vez na barriga. Estendi a mão até lá e pressionei, estava demorando a passar.

— Heloize? Tudo bem?

— Owwn... A cadelinha machucou a pata?

— Cala a boca, imbecil. Além de não saber xingar não vê que ela está passando mal?

— Até parece...

Como é que eles podiam discutir até quando alguém chorava, as lágrimas queimando a face como labaredas? Agora a dor espalhava-se, atingindo cada vez maior área – não eram mais alfinetes, e sim punhais incandescentes. Incandescentes não, congelados, mas que diferença fazia? O frio era tão abrasivo quanto o fogo. Um arrepio perpassou minhas costas, uma gélida corrente de ar jogando os cabelos nos olhos, e então senti o chão sob minha face.

— Ize, Ize? Você tá bem? – Ouvi o rapaz perguntar.

— É c-claro que não! Olha só a cara dela! Está... Está tendo conv-convulsões. – Soluçava Yanca, tão desesperada que parecia ser ela a ter um ataque, e não eu.

— Liz! Consegue me ouvir?! – Gritou, porém não pude responder, era como se houvesse uma barreira invisível entre meu corpo e minha mente, e cada centímetro desta estava ocupada de mais processando a dor para formar palavras. Tinham arrancado a força minha pele? Jogaram-me num fosso repleto de puro ácido? Tudo o que desejava era que a tortura parasse, não importava como. Contorcia-me, desesperada, mas aos poucos senti o controle de meus membros rarear. Num ultimo esforço desesperado comecei a gaguejar.

— M-me... Ma... Me... M-ma... ma...

— Ela tá tentando dizer algo!

— Que foi? Que foi?! – E essa foi a ultima frase que ouvi de minha amiga.

— MEMATE! – Berrei, invadida por um estranho e assombroso ódio, que agora consumia minha alma. Logo ele passou, sendo substituído por inexplicável alegria, que pouco depois deu lugar a uma tristeza horrenda, mas essa também foi breve, em sua posição surgindo um arrependimento intenso.

Senti o mundo dar um ultimo giro a minha volta. Fechei os olhos com força, esperando a dor passar – não passou. Foi apenas incrementada pela enorme quantidade de sentimentos que ebuliam em meu peito, todos ao mesmo tempo, bloqueando meus sentidos. Quando eu pensava que iria explodir de tanta pressão tudo parou. Creio que desmaiei, não tenho certeza, minha memória falha neste ponto, só sei que parei de ouvir, sentir, existir...

...

De repente senti-me em queda, a escuridão úmida estendendo-se ao meu redor. Ouvi o vento assobiar em meus ouvidos, senti o coração acelerar, até finalmente cair com um baque suave numa superfície gélida e macia. Cada milímetro de meu corpo ardia em brasa, ou ao menos assim parecia. Fiquei algum tempo desse jeito, parada, apenas esperando a dor passar. Não passou.

— Onde estou? - Perguntei, rouca. Minha cabeça latejava fortemente e meu corpo tremia, convulsivo. Abri os olhos, atordoada, constatando uma realidade surreal: Pensara ter caído em uma superfície fria e acolchoada, engano meu: Não havia chão, apenas uma estranha névoa prata. Olhei ao redor, notando que o atípico vapor não se restringia ao que devia ser o piso, estava por todos os lados. Tentei tocá-lo, sentir sua textura, mas minha mão atravessou-o.

Parei por um momento, os olhos rondando todo o entorno, eu tinha a desconfortável sensação de estar sendo observada.

— Eu sei onde você está – Respondeu uma vós melodiosa às minhas costas, nem fina nem grossa. Virei-me repentinamente, mas lá só havia mais neblina. – Está na terra do céu, na utópica realidade, na mentirosa verdade, na horrível beleza. Entre o sim e o não, entre a vida e a morte, entre a luz e a escuridão, está num lugar que detesta amar.

— Quem é você? – Disse, intrigada, olhando para os lados sem nada ver.

— Sou o bem e o mal, sou a paz e a guerra, sou o amor e o ódio, sou a glória e a destruição.

Virei-me para traz, sobressaltada, encarando algo como uma anja sorridente. Seus cabelos eram alvos, cortados em chanel, os olhos dourados (reluzindo como ouro) e as asas brancas emitiam um estranho brilho perolado. Não devia ter mais que doze anos, e suas feições eram doces.

— Ahn... – Silêncio. Não sabia o que dizer, acabei proferindo o óbvio. – Você não está dizendo coisa com coisa.

— Não estou? – Perguntou, curiosa, tocando os lábios com o indicador.

— Se contradiz, como quer que eu entenda? Mas agora, falando sério, onde é que estou?

— Já respondi.

— Mas eu não entendi.

— Você é estranha...

— Não mais que você! – Exclamei, indignada e surpresa pelo quão forte emergiam meus sentimentos. O que estava acontecendo? Eu não era disso! E quem era aquela louca?

— A vida é estranha! – Filosofou, sonhadora, dando uma cambalhota no ar e pondo-se a planar. – Você reclama de mim, mas também diz coisas sem sentido.

— Como... Como assim?

— Você acabou de falar que sou e não sou estranha. Não nego que isso seja verdade, se olhar de outro ângulo.

— Quê?! Eu só disse que...

— Eu sei o que você disse. – Cortou, com um leve tom de impaciência na voz. – Ah, já ia me esquecendo! Você não sabe... – Ela estava... Rindo?

— O que eu não sei? – Perguntei, levantando-me. Que brincadeira era essa?

— Vem, vou te contar.

Lançando-me um olhar penetrante pousou ao meu lado. Fez um gesto para que eu a acompanhasse e, sem escolhas e sedenta por respostas, obedeci.

— Há muitos anos éramos doze, hoje somos apenas três. Não me interrompa. – Repreendeu quando fiz menção de falar. – Éramos doze e vivíamos em paz, até que o amor discordou da razão, e viramos seis. Éramos seis, hoje somos três. Éramos seis e vivíamos em paz, até que o ódio discordou do perdão, e viramos três. Éramos três e ainda somos, três que viviam em paz, mas agora há uma nova decisão: Unir, separar... Eis a questão.

— Tá, tá, foi tudo muito bonito, mas dá para condensar?

— Eu sou você. – Concluiu, e soltei uma gargalhada um tanto histérica, novamente constatando o quão estava emocionalmente frágil e estranhando o fato. Nunca tive problemas em guardar o que sentia para mim mesma, por que mudara agora?

— Ah, fala sério! Cadê as câmeras escondidas?

— Estou falando.

— Você não pode ser eu.

— Por que não?

— Hum... Porque eu sou eu. Creio que saberia se tivesse um, sei lá, persona.

— Pois está errada. Nós duas somos você. Antes éramos doze, mas separamo-nos em se...

— Mas por que nos separaríamos? – Hesitante, decidi entrar no jogo daquela insana, talvez assim conseguisse extrair alguma informação.

— Ah, conflitos da vida! Um dia talvez uniremo-nos, e voltaremos a ser um todo que se equilibra. Quem sabe? Nada nos impede de ter esperança

— Se esses doze "eus" sempre existiram, por que nunca percebi? – Apesar de minhas palavras eu ainda me mantinha descrente, e confesso que demoraria a mudar esse estado.

— Ah, sim. Já percebeu.

— Como, se não sabia até hoje de sua existência?

— Ah, vamos! Nunca entrou em conflito porque tinha duas opiniões distintas sobre uma coisa só, lutando internamente para decidir a correta? – Calei-me. Isso era verdade. Ela riu de meu silêncio.

— Pois bem, já que a piada acabou, pode me mostrar como voltar para casa? Mamãe me espera para o almoço. – Uma mentirinha não fazia mal, não é mesmo?

— É... Você não entendeu.

— Dá para parar?! Já está chato!

— Parar com o quê? Não pediu a verdade?

— Não nasci ontem, sabia?! - Com um suspiro, a anja tirou um pequeno cordão de prata que guardava sob a blusa, algo como uma esfera de vidro pendendo da mesma.

_O que é isso? Mais uma brincadeira de mau gosto?

_Terá uma vida inteira para constatar a verdade... Bem, até logo. - O pingente luziu intensamente, hipnotizando-me. O brilho foi aumentando em estrondosa velocidade, em pouco me cegando. De novo a inconsciência abraçou-me como uma velha amiga.


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Notas finais do capítulo

Well, eu já sou cara-de-pau mesmo, então não tem problemas pedir reviews, não é?
Espero que tenham gostado, capítulo dois ainda hoje, acho.




// Atualizado 16/02/2014 //

Tentei tirar algumas gírias das falas de Lize, mesmo no desequilíbrio em que se encontra não usaria tantas. Corrigi uma coisa ou outra nos diálogos e acrescentei alguns trechos necessários para o fechamento da trama, espero não ter atrapalhado.



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