Contos Soltos escrita por MissBlackWolfie


Capítulo 8
As vezes não é suficiente




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Essa fila não anda, ela rasteja! Acho que ainda o mundo não acordou, de acordo com meu relógio de pulso são 6:30.

Contando que a maioria das pessoas sempre esta mais cansada do que deveria, até é aceitável nosso vicio em cafeína. Afinal algo deve ser feito contra a musica de ninar que nosso corpo exausto de trabalho ouve da nossa cama. Venha!, venha descansar.

Essa lanchonete é a prova de observação da necessidade do mercado. Meu bairro há muitos solteiros, meu prédio é composto por quitinetes, vários delas, que no máximo mora um casal. Lógico que vivem cansados pelo trabalho cada um possui como meio de sobreviver, pois é o preço da vida adulta e da liberdade da casa dos pais, o trabalho.

Enfim, esse estabelecimento, viu que eu e meus vizinhos necessitamos de cafeína em nossa corrente sanguínea, nossa gasolina aditivada, para despertar, que preferimos passar aqui e comprar inúmeras variações de receitas com cafeína, do que fazer uma misera xícara de café comem.

Teoricamente deveria o atendimento ser mais rápido, as portas abrem as seis da manhã, enquanto as concorrentes as oito, porém os donos não previam o sucesso, por isso essa fila grande.

Respiro fundo, não adianta me estressar. Sei que isso não é motivo, só é o começo do dia, ainda vou me estressar bastante no escritório. Familias digladiando por heranças.

E olhando ao longo da fila há cinco pessoas a minha frente, sendo cada uma demora um minuto e meio pra ser atendida, sete minutos e pouco estarei com meu copo com liquido sagrado. Olhando pros ponteiros do meu relógio... Dá tempo suficiente pra tomar meu café com leite e açúcar mascavo ainda comer um pão doce com geleia de amora. Por sinal aqui é divino. Seguir pra minha escravidão, ops, trabalho.

Saiu mais um da fila não aguentou esperar, deve ter acordado atrasado, outro da ponta já esta pagando, falta menos de cinco minutos para eu ser atendida. Esperar não é o mal da atualidade e sim a nossa presa para tudo. Sinto-me filosófica hoje de manhã.

Na fila do lado escuto três amigas jovens conversando, entraram já na lanchonete falando sobre problemas com relacionamento. Algo que já abandonei, traumas do ultimo.

Entre inúmeras reclamações sobre os defeitos que todas nós conhecemos masculinos, começa a lista de qualidades que deveriam os homens terem. Ai ouço algo que temo sempre alguns meses.

"-Gente, olha esse video! Isso é um cara romântico! Uma menina morena, que deve ter menos de 20 anos pelas roupas e feições, mostra o celular para as duas amigas, que pelas mochilas e livros devem estar na faculdade ainda. Sim, também há bastante gente de faculdade nas redondezas, afinal preferem alugar uma quitinete pra quatro pessoas. É necessário gastar menos possível, pois o dinheiro é escasso nesse período da vida adulta.

Essa frase dita pela garota pode referir a qualquer dos bilhões de vídeos na rede, mas eu sinto quando o perigo chega, minha lembrança ruim das duas semanas que vivi fazem meus pelos eriçarem.

– Como uma mulher pode abandonar um cara desse? comenta uma loira de cabelos lisos e sedosos, de arco na cabeça rosa. Mais estereótipo de Barbie impossível com a roupa em tons de rosa.

–Se isso não é amor, eu não sei de mais nada. - A voz carregada de animação da terceira me irrita mais um pouco, arrepiando-me por completo.

Então ouço a voz dele: A primeira vez que a vi Aperto minha mandíbula contra meu maxilar, faço pressão, isso para não bufar alto ou até xingar essas garotas pateticamente românticas. Respiro fundo, lembro-me do meu mantra:

Ninguém sabe o que você passou.

Não precisava ver qual o video passava naquela tela, ainda lembro da voz dele, como também sei o conteúdo inteiro. Havia meses que não ouvia nada a respeito, mas na semana que foi lançado. Minha vida virou um inferno,

Por mais de 15 dias ouvi ecoar as palavras dele num stand up em celulares e notes alheios. Impressionante o poder de virilização de um vídeo na internet, milhões de pessoas veem um conteúdo, e repassam com uma rapidez imensa. Maldito Facebook, com seus compartilhamentos.

E o mais chocante ainda é como as pessoas que assistem, julgam, sem saber de toda a verdade, o outro com uma rapidez quase equivalente dos segundos assistidos.

Esquecem que são pessoas reais que aparecem ou são citadas, sentimentos estão envolvidos, não são personagens de um filme ou de uma novela ali. É a vida real.

Por fim as criticas cuspidas nos teclados e postadas, até vídeos são feitos opinando sobre aquele vídeo da garota tal, podem magoar. E no meu caso quase me fizeram entrar em depressão, tudo por causa desse maldito vídeo.

Ao longo dos segundos onde meu ex fala o quanto ele deixou de lado o Transtorno obsessivo para ficar comigo, vem os suspiros e em seguida os comentários sobre como eu era burra. Sim, eu era a mulher citada por aquele "apaixonado compulsivo". Poucas pessoas sabem da minha ligação com aquele relato dele. Graças a Deus!

–Adoro esse final! - Suspirou a morena divulgadora da filmagem do relato dele sobre a falta que sente de mim. Ela chega a falar a frase final junto com ele. Aff! Só posso revirar os olhos. Ela não sabe de nada, como a maioria das pessoas.

–Como existe pessoas sem coração no mundo né? - A Terceira amiga deve ter me ouvido bufar, escapou entre meus dentes, pelo o olhar atravessado que me deu, suas amigas concordaram me julgando, olhar recriminatório estava ali condenando sem pena.

Nem respondi nada, só peguei meu café, as ignorando completamente. Nem peguei meu pão, perdi a fome.

Não! Não precisava daquilo, já tinha lido comentários suficientes para duas vidas seguintes sobre como era maldade minha abandonar meu ex com transtorno obsessivo. Até video fizeram sobre quão insensível eu sou. Não havia como meu humor melhorar, que anda pessimo desde do dia que vi esse maldito 2:53.

Tudo bem que foi bem dificil o nosso termino, afinal como ele mesmo disse para o mundo, eu era seu novo objeto de obsessão. Não, não foi romântico quanto ele pareceu ser.

Quando o conheci notei que ele era especial, afinal ninguém te pede pra sair, literalmente, seis vezes seguidas numa frase, em trinta segundos. Lembro-me de ter sorrido daquilo, mesmo ter aceitado o convite na terceira vez, mesmo assim veio os outros três pedidos.

Nosso primeiro encontro foi interessante ver a preocupação dele, agonizante se não realizada, em organizar a comida em cores do que conversar comigo. Fiquei impressionada o quanto aquilo era importante para ele, quanto não conseguir controlar esse impulso o deixou sem graça, ele havia mostrado quem ele era para mim, sem disfarce, era ele ali com sua limitação.

O começo do nosso relacionamento foi de descoberta, foi de ver o homem incrível que ele era, que ia alem da doença. Havia uma delicadeza em seu olhar, havia um amor ali que nunca senti alguém ter por mim. E eu o amei com todos os seus toques. Mas contos de fada não existem.

Recordo quando ele disse que eu acalmava a frenética mente dele, eu trazia o silencio que ele não recordava mais ter. Aquilo me envaideceu. Quem não quer sentir importante para outro. Vaidade? Talvez. Mas era mais do que isso, eu o amei de verdade.

No começo, onde ainda não havia a rotina, andar pela calçada desviando das rachaduras, era quase um jogo, me fazia rir, não me importava demorar dobro pra chegar em casa com ele. Estávamos juntos e isso importava.

Sempre arrancava de mim um sorriso quando ele tinha que me beijar no rosto inúmeras vezes, pois se não fizesse coisas terríveis aconteceriam. Eu era importante para ele, lógico ele era para mim.

Quando decidimos para cama para nos deitar, ele levantava dezenas de vezes para fechar a porta, os retornar não vinha direto para meus braços ficava acendendo e apagando a luz, eu ria daquilo e ele não se incomodava com aquilo, gostava do som da minha risada. Sempre fechava os olhos e pensava o quanto aquilo parecia dia e a noite se revessando em nosso quarto. Aquele era ele, aquele era o homem que eu amava.

O que destruiu essa magia? A rotina de se morar junto, de não estar realmente preparada para viver com uma pessoa que merece cuidados que vão além do amor. A realidade não é bonita como a ficção.

Estávamos tão apaixonados um pelo outro quando decidimos morar juntos foi algo extasiante para ambos. Ficaríamos juntos o tempo que quiséssemos. Porém o dia a dia com uma pessoa com esse tipo de transtorno requer uma carga de energia que eu não possuo.

Comecei me atrasar no trabalho porque ele tinha que fazer o ritual de me beijar num determinado numero de vezes, porque não podia pisar nas rachaduras das calçadas quando insistia em me acompanhar. As vezes estava no escritório no meio de torres de papeis, em meio a palavras do meio jurídicos, quase uma outra língua, quando ele requeria minha atenção ao telefone, falando inúmeras vezes que estava com saudade. Ou as vezes que tive que sair correndo porque ele estava em meio uma crise, onde sentia que havia germes pelo seu corpo, só eu poderia tira-los dali.

Ao chegar exaurida do trabalho eu queria ter uma noite tranquila, não ficar a luz acendendo e apagando enquanto eu tentava dormir.

Além de todo o comportamento obsessivo com os objetos que deveriam seguir uma lógica da sua mente, que ordenava uma determinada sequencia. A casa não era minha, era dele, as regras ditas pelo seu transtorno. Aflição que ele sentia quando não fazia o que era mandado, o afligia tanto que me tocava, porém eu não compreendia o significado real daquela inquietação, não havia lógica para mim. Eu queria ter direito sobre minha casa, a nossa vida também, não ficar refém do que a doença pede.

Não queria ficar pulando as rachaduras, eu queria seguir, e comecei a deixa-lo para trás. Não conseguia mais sorrir quando ele me dizia que me amava. Eu estava cansada. Eu precisava ser cuidada. O transtorno me consumiu, quanto o nosso relacionamento.

Tentei como em qualquer relacionamento conversar sobre meu cansaço, sobre o desgaste que ele também sentia entre nós. Percebi o quanto ele havia se apegado a mim, eu era nova obsessão dele, isso me assustou. Eu não queria ser tudo para uma pessoa, eu queria ser esse tudo junto.

Ainda o amo, mas esse amor não é suficiente para eu estar com ele.

Enganasse quem acredita que o amor tudo pode, que possui uma visão que o amor é um super poder indestrutível. O amor é sim um sentimento poderoso, mas até ele tem limites, o meu por ele esbarrou com o meu próprio.

Só quem vive com pessoa que possuem determinadas características, que diferem da maioria, sabe o quanto é difícil dia após dia, o quanto há uma dedicação quase devota para essa pessoa. Não posso ser julgada por não consegui, eu quis, eu tentei, porém não consegui.

Relacionamento não são fáceis, não existem formulas. Existem pessoas. Sendo cada uma possui uma composição única (uma vida, uma historia, uma personalidade, um físico), como na química, cada elemento interage de uma determinada maneira com outro elemento. Sem duvida deve haver alguém perfeita para ele, mas infelizmente não sou eu. E assim não posso ser condenada por não ser o elemento perfeito.


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