A Esperança Dos Renegados escrita por Aldneo


Capítulo 38
CAPÍTULO XVI: Pesadelos de um dia de inverno




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/178257/chapter/38

Alan desperta, com a visão embaçada, ele não consegue distinguir as cercanias, embora estas se mostrassem bem iluminadas. Seu corpo levemente dolorido se depara com uma sensação que lhe é muito estranha: maciez.

Suas costas relaxam por sobre algo macio, e também há algo sedoso lhe recobrindo o corpo. A estranheza a estas sensações lhe faz despertar rapidamente, se pondo sentado por sobre o que estava, que se revela uma ampla cama de casal, com um confortável colchão e recoberta com uma suave fronha de coloração em um tom de laranja-rosado, com um macio edredom por sobre ele, o qual tinha a face interna na cor branca e a externa vermelha, ornamentado com bordados de formas abstratas. Ele olha ao derredor e se encontra em um amplo quarto, no qual a cama se encontrava centralizada, com a cabeceira encostada em uma das paredes; de seu lado direito, havia uma grande janela, através dos vidrais da qual se percebia o sol brilhando do lado de fora, mesmo a janela estando por detrás de uma bela cortina, de coloração escarlate com detalhes bordados em dourado. À frente do leito se via um largo guarda-roupas de mogno, de coloração marrom avermelhada, e de ambos os lados da cama se viam mesinhas de cabeceira, que pareciam formar um conjunto com o guarda-roupas. Tudo parecia se harmonizar com as paredes, pintadas com uma cor clara, em algum tom neutro entre o amarelo e o verde. E tudo naquele quarto estava estranhamente novo, limpo e brilhante (por falta de uma expressão melhor, tudo parecia, simplesmente, perfeito).

Alan percebe um cabideiro ao lado do guarda-roupas e, nele, o que pareciam ser suas roupas, bem, ao menos ele reconhecia o estilo do chapéu que estava no ponto mais alto do cabideiro. Ele se levanta, e percebe-se usando um conjunto de calça e camiseta branco, de tecidos leves, que continuavam a lhe dar a sensação de maciez e conforto, o que era realmente estranho a sua pele. Ele segue na direção do cabideiro e das roupas que pareciam ser suas, no caminho, ele passa na frente do espelho do guarda-roupas e chega a se assustar com o que vê. Era seu reflexo, porém não se parecia com o que estava acostumado. Estava com a barba bem feita, os cabelos bem cortados e penteados, os dentes e a pele limpos. Ele logo se põe a conferir e se percebe mais limpo do que já pensou ser possível estar, até mesmo as sujeiras de debaixo de suas unhas haviam desaparecido; e inclusive suas mãos e seus pés estavam estranhos, além de limpíssimos, não havia neles cortes, esfoliações ou calos, e as unhas estavam todas bem aparadas. Inclusive ele percebera que estava livre do odor de suor que geralmente lhe impregnava (e, de fato, impregnava a todos que ele já havia encontrado, o que seria uma mera consequência do estilo de vida que eram obrigados a ter). Após o se admirar com o que vira no espelho, ele se volta novamente para o cabideiro, chegando até ele e estendendo as mãos para apanhar, de início, o chapéu que estava sobre ele. Era exatamente idêntico ao que estava acostumado a usar, um típico chapéu borsalino, porém estava novo e limpo, cheirando bem e feito de um tecido de feltro muito macio. O chapéu se encaixava perfeitamente em sua cabeça, e lhe era tão confortável que lhe parecia até mesmo como um prazer proibido.

Enquanto ele, confusamente, se olhava no espelho, com o chapéu em sua cabeça, tentando entender o que lhe estava ocorrendo e a aquele local; a porta do quarto, que ficava à sua esquerda se abre e adentra ao quarto uma figura feminina trajando um vestido longo, de alta costura e de coloração branca; o conhecido rosto se ornamentava suavemente com uma leve maquiagem de tons bem claros e os cabelos lisos e loiros se mostravam em um penteado muito bem feito. - “Luize?!”, ele a reconhece surpreso. Ela, abre um amplo sorriso por entre as faces róseas, se aproxima dele, o abraça e o beija nos lábios. Ela o olha profundamente nos olhos, enquanto ainda abraçada com ele, e lhe diz, mantendo o belo e branco sorriso: - “Quem bom que já acordou querido.” Percebendo que Alan se mostrava confuso e se mantinha distante, ela o questiona, com ar de terna preocupação: - “Está estranho, o que houve? Voltou a ter pesadelos?” Ainda sem entender o que estava ocorrendo, e agora ainda mais confuso do que antes, ele apenas deixa escapar um “Acho que sim...” Ela lhe acaricia suavemente a face com uma das mãos e lhe dispensa o olhar mais terno que ele já recebera, lhe dizendo com a voz mais tranquilizadora que já ouvira em toda sua vida: - “Não se preocupe, está tudo bem, querido. Vista-se para tomarmos o desjejum, o estarei esperando à mesa.” Ela então o deixa e volta a sair do quarto, deixando a porta aberta, o que lhe permite acompanhá-la em seu caminho pelo corredor que se seguia, até uma escada que descia para o andar inferior da casa. Confuso e sem saber o que fazer, ele se volta para o cabideiro, apanha as roupas ali penduras, todas limpas, macias e confortáveis em um nível que ele sequer mensurava existir, e se põe a vesti-las.

Após vestir-se, seguindo a orientação de Luize, Alan sai do quarto e desce pela escada. Toda a casa era bem iluminada, limpa e confortável, um ambiente em deveras agradável. O chão era recoberto com um macios tapetes, de belas cores e ornamentados por formas e padrões geométricos, e nas paredes se viam belos quadros, bem conservado, de belas paisagens em cores vivas. A brilhante luz do Sol adentrava pelas janelas, o que dava ao local um calor aconchegante, e bem ao fundo, vindo do exterior da casa, se ouvia um estranho som: pássaros cantavam. Ele caminha lentamente pela casa, maravilhado com tudo o que via e sentia, até que passara pela porta da cozinha, onde Luize, levando um par de pratos a mesa o chama. Ele segue até ela, “- Você fica tão charmoso quando se veste bem”, ela comenta ao olhá-lo da cabeça aos pés, ao que Alan apenas sorri timidamente. Eles se assentam a mesa, um de frente para o outro. Sobre a mesa havia uma singela refeição: pão, leite e frutas; mas tudo se mostrava fresco e com ótima aparência. Sem saber ao certo como se portar, Alan se resume a imitar o que a garota a sua frente fazia, pegando o que ela pegava, e comendo conforme ela comia. Seu paladar simplesmente era incapaz de reconhecer os sublimes gostos aos quais era submetido a cada bocado. Novamente, por falta de expressão melhor, tudo parecia perfeito.

Passado o colossal estarrecimento que aquela refeição lhe causaria (que apesar de simples, para um paladar acostumado com insalubres hifas de fungo e carne de artrópode, se mostrava a melhor que havia dito deste sempre), ele acaba voltando a si, e tomando coragem para perguntar:

— “O que aconteceu aqui?”

— “Como assim 'o que aconteceu'? - Luize lhe devolve a questão.

— Com esse lugar... aqui é o campo de Tzadik? E os infectados?...

Percebendo o desespero que Alan começava a demonstrar, Luize sorri e, com sua voz reconfortante, lhe responde: - “Tudo isso já acabou, querido. Voltou a ter aqueles pesadelos, não foi? Sabe que não precisa mais se preocupar com essas coisas.”

— “Mas... como?!” - ele insiste.

— “Não se preocupe, amor. Todas estas coisas já passaram, tudo agora é novo.”

Ele tenta continuar a conversa, mas ela o interrompe, dizendo: “Vamos ver como andam as coisas na cidade, creio que isto o acalmará.” O que o deixa sem reação, ao que ela se levanta da mesa, anda até ele, lhe dá um meio abraço, lhe beijando suavemente o rosto e insistindo: - “Vamos!”

Eles saem, a casa em que estavam realmente se mostrava imponente e majestosa vista do lado de fora, ainda mais do que quando vista por dentro. Alan se admira com a “cidade”, de fato, era o campo de Tzadik, porém estava limpo e bem cuidado, o clima estava ameno e agradável, jardins verdejantes e floridos eram cultivados por toda a parte, os velhos barracos haviam dado lugar a belas e bem projetadas casas de alvenaria, e as ruas de terra batida, vermelhas, ressecadas e poeirentas, estavam capeadas e limpas. Enquanto andavam, se deparavam com pessoas bem vestidas e de boa aparência, crianças saudáveis brincavam em frente a suas casas e grupos de amigos conversavam nas esquinas, todos pareciam se conhecer, e também conhecer a Alan e Luize, os quais eram constantemente, e cordialmente, cumprimentados por todos que encontravam pelo caminho.

A caminhada chega até uma esquina, onde se via o que parecia ser uma pequena, porém bem organizada, loja. Eles adentram, e ouve-se um pequeno sino, acoplado a porta, tilintar, avisando a entrada de clientes. - “Já estou indo.”, ouve-se uma conhecida e amigável voz dentro do local responder ao som emitido pela porta. Logo se aproxima um homem em uma cadeira de rodas nova e elegante, usando um terno, com a barba bem aparata e o cabelos penteados. Era o velho Esquyeu, com a boa aparência que Alan jamais poderia imaginar que ele poderia ter. Os dois se saúdam como os velhos e bons amigos que são. - “Hei, já fazem alguns dias que meu casal favorito não dá o ar de sua graça em minha humilde lojinha!”, ele comenta, buscando demonstrar toda sua cordialidade e amabilidade aos dois. O velho logo lhes oferece cadeiras para se assentarem e chá para beberem, eles aceitam e os três se põem a conversar por algumas horas.

Após deixarem a loja com uma calorosa despedida, já próximos do meio-dia, eles seguem pela bela vila, por um caminho que os levaria ao topo de uma pequena colina, ao lado da cidadezinha, onde se via uma bela construção. - “O templo dos Justos”, Alan rapidamente reconhece o local, “mas ele havia sido destruído...”, ao que Luize lhe completa: - “Sim, mas foi reconstruído. E graças a você.” Eles seguem até o local. Sendo recebidos com alegria pelos monges que serviam como atalaias, próximos a entrada. Logo que atravessam as altas e amplas portas do monastério, eles se vem de frente ao pátio, onde monges pareciam treinar e ensinar aos prosélitos. E logo, o patriarca do templo vem pessoalmente saudá-los, demonstrando também grande alegria em vê-los. Ele lhes diz: - “É sempre bom ver nossos maiores benfeitores nos visitando. E Alan, creio que desejas ver como nossos jovens tem se desenvolvido exemplarmente. Nossas classes estão todas cheias e, em breve, toda uma nova leva de monges e monjas estará se formando. E devemos agradecer a Divindade e a você por tudo isso.” Constrangido por tais palavras, Alan simplesmente responde: - “Creio que estás exagerando, não posso ter feito nada tão grande...”, ao que o patriarca, com um sorriso, lhe diz amavelmente: - “A humildade é a mais bela coroa que qualquer ser humano pode usar. Por que não ficam para os serviços da tarde? A todos aqui lhes será agradável vossas companhias.” Eles aceitam o convite, e Alan passa a se maravilhar com o local, as classes onde crianças e neófitos aprendiam os básicos da fé, da moral e da filosofia, além de diversas ciências e história, os pátios onde prosélitos eram treinados, os áditos onde os monges e monjas buscavam se aprimorar e o salão principal, onde se realizavam os serviços do templo. Sem perceber, ambos passaram o restante do dia em tal lugar.

Ao entardecer, uma agradável caminhada os leva de volta a sua casa, uma agradável ceia; constituída de arroz, carne grelhada e salada, e completada com um doce bolo de mel na sobremesa; termina o dia. Os dois sobem ao quarto, põem suas roupas mais leves de dormir e acostam-se à cama. Deitam-se lado a lado, porém Luize se reclina por sobre o peito de Alan, e sorrindo lhe diz: - “Você parece bem mais feliz agora.”, ao que ele lhe responde:

— “E por que não estaria? Tudo aqui está simplesmente perfeito...”

— “Hum, perfeito é?! E eu também sou perfeita?”

— “Você é o que torna tudo aqui perfeito.”

— “Oh... Eu te amo sabia?”

Diante da declaração, Alan se pasma por alguns segundos antes de responder: - “Eu também te amo.” O que faz Luize se voltar e deitar por sobre ele, lhe beijando na boca e perguntando: - “Me ama mesmo é?”, ao que a resposta é instantânea: - “E como não amaria?” Eles se beijam novamente, e ela se levanta parcialmente, ficando sentada por sobre sua cintura e de frente para ele, tira a blusa que estava usava, despindo-se na parte superior do corpo, estende os braços por sobre os braços de Alan, deslizando suas mãos até as mãos dele e lhe diz, convidativamente: - “Então vem me mostrar esse seu amor...” Ele se levanta parcialmente e a abraça, beijando sua boca calorosamente. Eles se viram, ainda se beijando, ele a faz deitar na cama e deita-se por cima dela, passando a lhe das beijos no pescoço, lhe acariciando os seios com uma das mãos enquanto mergulha em meio a seus suspiros para uma amorosa noite.

Voltando-se a caverna onde ele havia desmaiado, de seu interior surge um infectado. Andando de forma desengonçada e usando os braços anormalmente longos para se apoiar nas paredes e estalagmites do local. A negra criatura avança rumo a saída da caverna, próximo a qual jazia o corpo inconsciente de Alan. Percebendo-o, o infectado se abaixa em sua direção, escancarando as desproporcionais mandíbulas, com seus dentes grandes, afiados e amarelos, pelos quais escorria e respingava sua asquerosa saliva, enquanto emitia um sibilar agudo e perturbador.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Esperança Dos Renegados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.