The Dawn of Evangelion escrita por Goldfield


Capítulo 6
Josué




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Nos conselhos de governo, devemos nos defender contra a aquisição de uma influência injustificável, seja solicitada ou não, pelo complexo industrial-militar.

O potencial para a desastrosa ascensão de um poder descolado existe e persistirá.

Nós devemos nunca deixar que o peso dessa combinação coloque em risco nossas liberdades ou processos democráticos.

Não devemos nada subestimar.

(Dwight D. Eisenhower, Discurso de Encerramento de Mandato como Presidente dos EUA, 17 de janeiro de 1961)

Josué

Berlim, Alemanha Oriental, 1963

Um extenso corredor, seu luxo remetendo a uma mansão ou no mínimo uma casa de requinte. Exóticas peças de tapeçaria cobriam o assoalho e as paredes; estas – erguidas em mármore e madeira – também decoradas com escudos, espadas, partes de armadura e outros artefatos medievais. Séculos de História aparentavam estar expostos ao longo daquele trajeto. A alusão era condizente com os proprietários daquele local. Igualmente com as atividades que ali realizavam, e seus antepassados antes deles...

         Dois indivíduos percorriam o caminho, andando sem muita pressa. O primeiro era um senhor beirando os oitenta anos de idade, gordo e com o corpo coberto por um antigo uniforme da SS nazista – tendo sido retiradas somente as insígnias. A face enrugada e papuda assumia aspecto um tanto preocupado, conforme trocava palavras com o outro homem a acompanhá-lo. Esse, por sua vez, devia ser quarenta anos mais novo, os cabelos loiros ganhando os primeiros fios grisalhos. O corpo era ainda alvo do zelo de um jovem: os músculos mostravam-se nítidos mesmo sob a camisa, e o porte alto fazia dele quase um armário. Tinha expressão mais tranqüila em comparação ao velho, embora o ar compenetrado revelasse que ouvia suas queixas com extrema atenção.

         - Esse problema, justo agora... – murmurou o idoso. – As coisas até então indo tão bem... Sempre tem de surgir algo para atrapalhar tudo...

         - E o que foi a trajetória do homem na Terra senão, desde o início, uma eterna superação de obstáculos, pai? – replicou sagaz o mais novo. – Faltam apenas mais alguns poucos pelo percurso. E removeremos esse, assim como todos os outros.

         - Confio em seu julgamento, filho. Fez um ótimo trabalho todos esses anos à frente de nossa divisão no Kremlin. Os demais membros do conselho sempre foram apenas elogios...

         - Depois da morte de Stalin, tememos que o Partido se recusasse a continuar seguindo nossas diretrizes, porém Kruschev tem se mostrado um fiel aliado. Apenas um pouco inconseqüente, é claro. Poderíamos não estar aqui conversando se ele não houvesse desistido de instalar aqueles mísseis em Cuba ano passado...

         - É certo que nosso plano depende da tensão constante entre as duas superpotências, mas é igualmente verdade que não se deve exagerar... – riu por um momento o velho, tossindo ao final. – Estou no fim da vida, Keel. Não viverei para testemunhar o sucesso do Projeto de Instrumentalidade Humana... Mas talvez você viva. E deve continuar pavimentando o caminho até lá. Junto com os outros membros do conselho.

         - Eu irei, pai. Eu irei.

         Ao final do corredor, a dupla se deteve diante de uma porta dupla de carvalho. Coube ao idoso girar uma das maçanetas douradas, movendo a divisória num rangido. Ele e o filho entraram.

         A sala era uma espécie de biblioteca, talvez uma das mais ricas do mundo – tanto em número de volumes quanto em exemplares raros. Dividida em dois andares, sendo que se encontravam no térreo, por todo o lugar havia estantes e mais estantes abarrotadas de livros, compondo fileiras que desapareciam de vista. Escadas esculpidas em madeira com belas figuras remetendo a criaturas mitológicas conduziam ao piso superior, ao longo do qual corria um parapeito que cercava a parte inferior do recinto. Andando pelo impecável piso xadrez, os dois recém-chegados dirigiram-se até uma mesa redonda no centro da sala, cercada por sete cadeiras – duas delas vagas. O local de reuniões estava situado sob a efígie de uma grande escultura de anjo, em estilo neoclássico, as extensas e imponentes asas abertas como se quem se sentasse ao móvel pudesse se igualar, em espírito, à perfeição daquele ser celestial. Perto dela, num nicho na parede, havia uma lareira acesa.

         - Bem-vindos... – um dos anciãos ali acomodados, careca e barbado, saudou-os, no entanto sem muita vontade. – Heinrich Lorenz e seu filho, Keel.

         Ocuparam os assentos que lhes eram reservados. Diante de cada um dos sete, cravado na madeira da mesa, existia o desenho de um olho. E, ao centro do círculo, um globo ocular maior aparentava reger todos os demais, pequenas inscrições numa língua desconhecida preenchendo o interior da pupila.

         Keel era o único no conselho com menos de sessenta anos. Os seis outros homens ali sentados, incluindo seu pai, tinham cabelos brancos e físicos debilitados, dois deles até mesmo usando cadeiras de rodas. Apesar do aspecto decrépito reinante, o ar junto à mesa era de poder. De magnificência. Foi com uma voz cheia de reverência que o mesmo homem a anunciar a chegada dos últimos dois participantes exclamou, depois de fitar brevemente a face de cada um dos presentes:

         - Está iniciado o DLXIV Congresso da SEELE.

         Um momento de silêncio, como se todos eles meditassem. Cabeças abaixadas. Pouco depois, o mesmo indivíduo retomou a palavra:

         - Sob a luz de Deus que está no Céu, todo o direito aos seus filhos, que estão neste mundo.

         E os outros seis membros repetiram a frase, em profundo respeito.

         - Comecemos a reunião.

         Os corpos relaxaram, ao mesmo tempo em que as ansiosas mãos apanhavam pastas, papéis, livros, colocando-os sobre a mesa. Chegara a hora de tratar de assuntos temporais.

         - Como sabemos, a SEELE da América anda com problemas – falou o mesmo homem. – Enquanto a divisão soviética, sob a supervisão do honrado acólito Keel Lorenz, prospera a cada dia rumo à Instrumentalidade, a tormenta da hesitação se apoderou da Terra dos Puritanos. O que o responsável pela divisão, acólito Heinrich Lorenz, tem a dizer sobre isso ao conselho?

         - É sim uma tormenta, mas temporária, grão-mestre Gottschalk – respondeu o ex-nazista. – Mero problema administrativo. O atual presidente, John Kennedy, não está desejoso de colaborar como seus antecessores. Ele planeja fazer uso de sua posição para desmantelar o Majestic-12 e encerrar as pesquisas com Metatron e os manuscritos.

         - Pode a religião católica dele, talvez, contribuir para sua postura hostil diante da Verdade? – cogitou um outro membro.

         - Acredito que não – respondeu Heinrich. – Kennedy é apenas um herdeiro de Eisenhower. Este, apesar de ter chefiado e colaborado com o Majestic-12, já mostrava sua relutância diante do crescimento da indústria armamentista que desencadeamos nos EUA. Kennedy pode estar querendo interromper todo o projeto numa tentativa de frear esse avanço.

         - A política dele em querer limitar o envolvimento no Vietnã é emblemática disso – complementou Keel. – Kennedy é um pacifista. Prefere ignorar o que a profecia diz a armar ainda mais seu povo.

         - Os motivos do presidente não importam muito a este conselho, meus caros – o grão-mestre tornou a se manifestar. – O que precisa ser discutido é: como lidaremos com a questão?

         - Um escândalo, talvez – opinou um dos idosos incapazes de andar. – Tenho um plano pronto. Podemos forjar um suposto caso de Kennedy com Marylin Monroe.

         - Isso não bastaria para afastar a influência de Kennedy da política – discordou Gottschalk.

         - Então...

         Um instante sem falas, com uma aura sombria aparentando dominar a mesa e enevoando os rostos dos acólitos. O veredicto veio de Keel Lorenz:

         - Vamos matá-lo.

         - Precisaríamos de uma excelente desculpa... – preocupou-se outro velho.

         - Kennedy está cheio de inimigos. Tentou invadir Cuba sem sucesso há dois anos. Tem uma oposição crescente dentro do próprio país. Não será difícil inventar algo.

         Heinrich sorriu orgulhoso. O futuro do filho mostrava-se mesmo promissor dentro daquele grupo.

         - Há alguém em mente que possa executar essa tarefa, sem contratempos ou imprevistos? – quis saber o grão-mestre.

         O coronel Lorenz tamborilou os dedos, agitado. Sim, havia. Já chegava a hora, por sinal, de ele finalmente apresentá-lo ao filho...

*  *  *

Ela cruzou a porta para fora do refeitório, andando lentamente. O burburinho junto às mesas e o tilintar dos talheres ficou pouco a pouco para trás. A hora do almoço costumava ser a melhor do dia – pena que durasse pouco. Era o período, porém, em que executava os movimentos mais vagarosos, tentando prolongá-lo. Quando voltasse ao trabalho, de qualquer modo, teria de correr – compensando o tempo perdido.

         Os últimos quase vinte anos da vida de Lianna haviam se resumido a permanecer naquele complexo subterrâneo, que as más bocas tinham apelidado, nos anos 50, como “Área 51”. Era certo que, naquele ínterim, obras de ampliação haviam sido feitas e o lugar mostrava-se muito mais funcional, talvez até mesmo confortável, à doutora – embora a si jamais se tornasse aconchegante. Ganhara de Lorenz autorização para subir à superfície quando bem entendesse, inclusive podendo visitar as cidades próximas de quando em quando; mas estar presa àquelas instalações ainda era muito frustrante.

         Seu maior objetivo, felizmente, se cumprira: pudera voltar a ver a filha Minna, costumando viajar para visitá-la ao menos quatro vezes ao ano, quando a pesquisa encontrava-se adiantada e acabavam esbarrando em mais algum ponto difícil de superar. Contrariando as expectativas do Majestic-12, ela torcia para que esses esbarros se tornassem freqüentes, pois assim poderia estar com sua querida num número maior de ocasiões. Prestes a completar vinte anos, a jovem estava para ingressar na universidade, ainda que o fato de Lianna freqüentemente fazê-la se mudar pudesse comprometer seus estudos – uma precaução tomada de tempos em tempos pela mãe para tentar afastá-la de Lorenz e seus lacaios, desejando evitar que a ameaçassem... No entanto sempre a encontravam, e os esforços da arqueóloga para libertar a filha daquela vida fracassavam.

         Seguindo distraída por um corredor, a doutora quase esbarrou em seu colega, Richard Langley, que vinha em sentido contrário lendo alguns papéis. O cientista desculpou-se com um gesto desajeitado e afastou-se, voltando a focar sua atenção no trabalho. Era bem mais interessado nisso do que ela, sem dúvida. Assim como Soryu, ele também envelhecera, porém sua personalidade entusiasmada e jovial aparentava ter se mantido a mesma. Acabara constituindo família: numa de suas corriqueiras escapulidas a Las Vegas, conhecera uma turista anos antes e com ela tivera um filho, vendo ambos com rara freqüência. Lianna sabia que moravam em São Francisco, parecendo não se incomodar muito com as prolongadas ausências do marido e pai naquele laboratório. O amor que nutriam devia ser maior que a distância. Tal pensamento fazia a alemã se sentir feliz.

         Pouco depois, a arqueóloga adentrou sua sala de trabalho. Os Manuscritos do Mar Morto, já lidos e relidos até a exaustão, davam lugar agora a vários mapas-múndi e livros sobre civilizações antigas. A doutora fora incumbida, há algum tempo, de traçar as rotas das equipes de arqueólogos que varriam o globo em busca de Anjos em hibernação. Embora raramente participasse diretamente das expedições, seus estudos procuravam identificar, tanto em vestígios físicos quanto nas mitologias dos diferentes povos humanos do passado, indícios que levassem a algum descendente de Adão confundido com um deus ou outra criatura lendária. Em 1955, por exemplo, Lorenz e o Majestic-12 haviam bancado uma grande viagem à Grécia à procura de um Anjo, que, segundo as interpretações de Lianna, poderia ser o titã Prometeu descrito nos mitos gregos. Nada encontraram, todavia. Em outra tentativa, sondas acabaram sendo enviadas ao fundo do mar em busca da famigerada Atlântida e o monstro marinho Leviatã, talvez igualmente um Anjo. Sem frutos.

         Os principais esforços dos Estados Unidos e da misteriosa organização de Heinrich, porém, não se concentravam na Terra. Dezesseis anos antes, a doutora deduzira por acidente existir um Anjo, chamado Abuzohar, enterrado na lua. A única localização de que tinham certeza. Desde então, a pesquisa aeroespacial norte-americana se direcionara quase unicamente à chegada do homem ao satélite natural do planeta. Até mesmo uma agência governamental fora criada somente para essa meta, chamada NASA. Estavam realmente decididos a pisar no astro e trazer o possível fóssil do Anjo para a Terra – fosse lá como imaginassem fazer isso. O mais curioso era que os soviéticos mostravam-se igualmente empenhados, e por que não dizer adiantados, em relação à mesma empreitada. Em 1957, haviam lançado ao espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik. No mesmo ano, o primeiro ser vivo, a cadela Laika. Em 1961, fora a vez do primeiro ser humano: Yuri Gagarin. Sem contar as várias fotografias que vinham tirando da lua, como se também procurassem nela alguma coisa. Será que poderiam saber da profecia? Estariam interessados na viagem ao espaço pelos mesmos motivos? Tudo isso intrigava e muito Lianna, mas ela evitava que tais questionamentos atrapalhassem sua pesquisa. Sem se preocupar com eventuais conspirações ou os trunfos da espionagem russa, ela já possuía problemas demais...

         - Olá.

         É, talvez eles ainda estivessem apenas começando...

         Mary Morgan – ou melhor, Metatron – a aguardava de pé do outro lado da mesa, sem que a houvesse percebido até se sentar e apanhar um livro. O Anjo, em sua forma humana, não envelhecera um dia desde que fora encontrado em Roswell. Vinha sendo mantido na base para pesquisas, seu direito de ir e vir preservado – Langley e seus pesquisadores já tendo enfiado tantas agulhas no corpo da menina que Soryu se surpreendia por ela manter seu caráter sereno e dócil. O progresso nessas análises era lento, já que acompanhava o desenvolvimento da engenharia genética com o decorrer dos anos. A descoberta da estrutura do DNA – o código genético dos seres vivos – ocorrera na década anterior. Talvez ainda levasse um bom tempo até que eles pudessem determinar o que Metatron era exatamente – assim como as respostas para como não fazia aquele corpo envelhecer e de que modo se apoderara dele.

         - A senhora continua trabalhando bastante... – observou a garota, fitando-a fixamente.

         - Sempre – Lianna procurou não encará-la, olhos voltados para o livro. – Talvez eu pudesse ter mais folgas se sua boa vontade permitisse, revelando os segredos que restam nos manuscritos...

         Metatron soltou um gracejo, circulando ao redor da mesa por alguns instantes. Pela primeira vez em anos, a doutora percebia algo de cruel na menina... algo de sádico. Sentiu medo. Continuou evitando contemplá-la, até que ouviu a pergunta em tom irônico:

         - Qual acha ser a real intenção de Lorenz com isto tudo?

         Soryu estremeceu. Tinha em mente apenas responder logo, para livrar-se da perturbadora companhia:

         - Garantir a sobrevivência da humanidade, combatendo os Anjos quando eles retornarem – e, com sua voz trêmula, a própria Lianna notou que se esforçava para acreditar naquilo.

         Mary balançou a cabeça em sinal negativo, replicando, ao mesmo tempo em que deixava a sala:

         - Doutora, doutora... por quanto tempo continuará vivendo de sombras?

*  *  *

Por que você mata pessoas?

         Porque é necessário. Os obstáculos rumo à Instrumentalidade devem ser removidos a qualquer custo. Ainda que pessoas morram agora, um pleno e feliz futuro à humanidade estará garantido.

Você realmente acredita nisso?

Sim. Sozinhos, os seres humanos são fracos, limitados. Com as almas humanas unindo-se numa só, todas as carências e transtornos da existência serão suprimidos. Todos serão um. E os homens serão Deus.

Você acredita em Deus?

Em nenhuma divindade imaginada até agora pelo homem. Porém acredito no Deus que estamos tentando criar.

Certa vez, você foi preso por se recusar a matar inocentes. Agora, você mata inocentes para Lorenz. Isso não é contraditório?

Não. Antes, forçaram-me a aniquilar inocentes apenas pela crença da supremacia de um povo sobre outro. Vãos sentimentos de nacionalismo. Ainda que alguns inocentes morram agora, há uma causa maior envolvida. A felicidade do homem depende disso.

Então você jamais foi feliz até hoje?

Não. E espero que, mesmo violando o que acho correto nessa estrada, eu finalmente possa encontrar a felicidade quando terminar. Lorenz me prometeu isso.

Você busca a felicidade de todo o gênero humano, ou apenas a sua felicidade?

...

Takeo acordou assustado, a luz do sol entrando pela janela do modesto hotel nos arredores de Dallas. Seu corpo sem camisa virou para os dois lados da cama, agarrado ao travesseiro, mas o sono não voltaria. Sentou-se e esfregou os olhos. Mais uma vez, tivera sonhos estranhos com uma voz desconhecida falando dentro de seus pensamentos. Seria sua consciência tentando perturbá-lo? Esperava que não. Teria de permanecer surdo a ela, ao menos até que tudo aquilo acabasse...

         O som dos carros na rua ajudou a despertá-lo. Esticando uma mão, procurou sem olhar as botas que deixara junto ao leito. Não podia demorar muito, afinal. Tinha um trabalho a fazer aquele dia...

*  *  *

Rokubungi considerava o tato, ao invés da visão, o sentido mais importante em suas missões. Era através dele que podia tocar a arma, sentir sua textura, detectar dos visíveis detalhes às mais discretas imperfeições... era como se pudesse entrar em contato com a alma do artefato. Ainda que esse termo não se mostrasse o mais adequado para descrever a espécie de essência que imaginava existir dentro de qualquer armamento, era com ela que sempre dialogava antes de utilizar algum. Nessa conversa silenciosa, faziam um acordo: se o instrumento colaborasse, junto com a habilidade do japonês, para que o alvo fosse atingido, Takeo prometia dar toda a glória à arma. Não conheceriam o atirador, apenas a infalível ferramenta que utilizara. Como, desde quando embarcara naquela vida, jamais fora descoberto, o esquema vinha funcionando perfeitamente bem.

         Até mesmo na ocasião em que pela primeira vez empunhara um armamento, apontando sua pistola para o superior que lhe ordenara massacrar civis, a premissa se mostrara verdadeira: ninguém após o acontecimento falara no “traidor Takeo Rokubungi, que ameaçara disparar contra o major”, mas sim no “traidor asqueroso que apontara sua Nambu para o major”. Ao insubordinado, ficara a impressão de que poucos, ao longo do tempo, se preocupariam com sua identidade. E isso, felizmente, favorecia seu pacto com as armas...

         Munir-se daquela em particular, agora, era no mínimo interessante. Um rifle Springfield M1903, arma com a qual os norte-americanos haviam aniquilado muitos de seus compatriotas japoneses durante a guerra. O inverso, então, se dava: um representante do antigo inimigo o utilizaria contra um morador dos EUA. Talvez o mais ilustre de todos...

         O fuzil era perfeito, embora antigo. Aproximadamente quatro quilos, alcance efetivo de seiscentos metros e total de mais de um quilômetro. Capaz de disparar até quinze projéteis por minuto. Com a precisão daquela gracinha, mesmo sem uma mira telescópica, e um atirador rápido o suficiente – algo que Takeo se considerava – jamais se precisaria de uma metralhadora ou qualquer outra arma automática. Homens sem brilho as utilizavam. Não ele.

         A sombra da frondosa árvore o mantinha refrescado. Não que não pudesse concentrar-se sob o sol, mas não reclamava. Diante de si, descendo a rua, a imponente fachada do prédio onde o tal Oswald, bode expiatório contratado pela SEELE, já devia estar igualmente posicionado numa das janelas dos andares superiores. De acordo com as instruções, o disparo inicial do maluco seria a deixa para que Takeo terminasse o trabalho. Sim, maluco, pois, segundo os relatórios, o sujeito não possuía consciência muito sã. Alguém perfeito como peão naquele plano, a ser descartado logo que a poeira abaixasse e antes que pudesse abrir a boca.

         Só era irônico o edifício em questão ser um depósito de livros escolares... Seriam manchados, agora, pela infâmia daquele ato.

         Uma orquestra de sons invadiu as cercanias. Gritos, buzinas, motores. A comitiva se aproximava em seu passeio por Dallas. Logo surgiu na esquina mais próxima, o carro presidencial acompanhado de motocicletas e outros veículos, bandeiras nacionais tremulando e a população acorrendo para saudar o querido visitante. Rokubungi apontou o rifle. Sabia que Oswald não conseguiria eliminar o alvo com somente um disparo, porém torcia para que ele ao menos o atingisse...

         A carreata passou bem diante do prédio, e um disparo ecoou pela área. Foi por certo confundido com um rojão, já que poucos demonstraram se alarmar com o fato. Errara, todos no automóvel a salvo. Takeo mordeu os lábios. Já se preparava para agir, quando algo novamente trovejou...

         A comitiva não parara, porém agora o presidente levava os braços desesperadamente ao pescoço, como se algo houvesse lhe atravessado a garganta. A primeira-dama amparou-o, tentando compreender o que se passava. Todos ao redor igualmente aparentavam não entender o que viam. No assento à frente do alvo no carro, o governador do Texas curvou-se, uma expressão de dor em sua face. A bala atravessara o corpo do presidente, ferindo-lhe também no tronco.

         O maldito Oswald acertara bem até demais... O alvo em si, no entanto, ainda vivia.

         Pouco a pouco o pânico se apoderou da praça junto ao encontro das ruas. Pessoas corriam, berros se propagavam. Mas os veículos continuavam. Takeo acompanhou o trajeto do carro oficial com a mira do fuzil. Ele descia pelo terreno, e a primeira-dama quase se colocava na frente da linha de tiro...

Porém tinha de conseguir...

         Vamos lá, amigo Spring, lembre-se de minha promessa...

         Aguardou mais um quarto de segundo... e apertou o gatilho.

         No automóvel, a cabeça do presidente praticamente explodiu, jorros vermelhos sendo lançados sobre tudo e todos ao redor. Sua mulher, num gesto causado por suposto reflexo, engatinhou dos bancos para a traseira do veículo, tentando abandoná-lo ou talvez querendo apanhar parte do crânio do marido, que para lá voara...

         Estava terminado. John F. Kennedy fora morto.

         Discretamente Rokubungi guardou o rifle e, caminhando despreocupado por entre a população em polvorosa, afastou-se dali.

Do alto de um outro edifício a alguma distância dali, dois homens, de pé, haviam observado tudo através de binóculos. Confundidos com empolgados moradores de Dallas desejosos de acompanhar a carreata do presidente de longe, viam-se acima de qualquer suspeita...

         Um deles abaixou o instrumento, sorriso satisfeito no rosto. O outro em seguida fez o mesmo, expressão impressionada.

         - Ele é mesmo bom, pai – afirmou este último. – Esplêndido.

         - É bom que conheça o senhor Rokubungi, Keel... – o primeiro, de cabelos grisalhos, comentou. – Será seu maior aliado depois que eu partir... Juntos, poderão dar continuidade ao meu trabalho neste país. Guiar o Majestic-12 de acordo com as determinações da SEELE.

         Sim. Eles de fato poderiam...


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