Changed escrita por Shiroyuki


Capítulo 2
Capítulo 2 - Você precisa de ajuda?


Notas iniciais do capítulo

Bem, de qualquer forma, eu vou te ajudar, não é?



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Utau via inúmeros motivos para reclamar do rumo que sua vida estava tomando, mas não podia negar que sua mãe estava se esforçando ao máximo. Na mesa posta para o jantar, estavam todos os seus pratos favoritos. Claro que Kukkai já havia atacado a maioria deles antes que ela pudesse terminar de dizer “Itadakimasu”, mas ainda assim ela se sentia estranhamente bem em saber que a Souko valorizava tanto assim a opinião dela.

— Parece delicioso, Mãe! – ela disse, começando a se servir. Percebeu o enorme sorriso de alívio que ela deixou escapar, enquanto trocava um olhar cúmplice com Tohru.

— Amanhã nós providenciaremos as matrículas de vocês na nova escola – Tohru começou a dizer, com sua voz grave – Logo que as férias de verão terminarem, vocês já estarão nas aulas.

— Ótimo. Em que série você está? – ela perguntou diretamente para Kukkai, tentando relevar a maneira primitiva que ele comia.

— Primeiro ano. Eu sou um colegial agora! – adicionou, com um toque de orgulho.

— Sério? – ela pareceu incrédula. Ainda sustentava internamente a ideia de que ele deveria ser mais novo do que ela – Hmm... Tohru-san – ela o chamou pela primeira vez, causando um suspiro de alegria na mãe – Há alguma chance de nós dois ficarmos em turmas separadas? – indagou, tentando ser o menos rude possível. Aquele garoto não era alguém que Utau pudesse aguentar todos os dias, de manhã, de tarde e de noite, sem que seu humor fosse seriamente alterado.

O jantar continuou a correr normalmente. Tohru passava a Utau a imagem de alguém seriamente controlado e de poucas palavras, mas logo ele já fazia brincadeiras com Kukkai e gargalhava estrondosamente, lembrando um trovão. Souko não conseguia parar de sorrir, mesmo quando mastigava a comida, e Kukkai parecia ter uma habilidade inata para fazer piadas sem graça a cada cinco minutos. Então eram assim os jantares em família? Esse pensamento era desconfortável, mas não parava de ocorrer à Utau que era assim que as famílias felizes se pareciam. Como seus pais estava sempre no trabalho, e Ikuto saia todo o tempo, ela realizava a maior parte das refeições sozinha. Aquele clima agradável e descontraído parecia pertencer à outra pessoa. Utau sentia-se um pouco desajustada, como uma intrusa.

— Ei, Utau-chan! – Ela surpreendeu-se com o tom natural que Tohru usou para chamá-la – Você vai comer esse tonkatsu?

— Anh? – ela se surpreendeu perdida em pensamentos – Não, eu já acabei.

Tohru se inclinou sobre a mesa e apanhou o pedaço de carne com os hashis. Souko sorriu satisfeita, acenando com a cabeça.

— Eeeeei, eu tava de olho no tonkatsu da Utau!! – Kukkai resmungou, tentando roubar a carne no ar. Tohru foi mais habilidoso, e jogou o pedaço de carne para cima, para salvá-la. Kukkai tentou recuperá-la, mas perdeu o equilíbrio ao ficar de pé e caiu, fazendo um grande estrondo. Quando ergueu a cabeça, de alguma forma, estava com o hashi enfiado no nariz. Utau não conseguiu segurar a risada por muito tempo, e gargalhou tão alto que prendeu a atenção de todos. Tohru e Souko se encararam, sorrindo satisfeitos, e Kukkai piscava atônito com os pauzinhos pendendo na frente da boca.

 — Nossa! Você sabe rir! – Kukkai exclamou verdadeiramente admirado. Utau mostrou a língua, cruzando os braços.

— É claro que sei. Só não vi motivo nenhum pra rir até agora.

— Mas eu até contei piadas!

— É exatamente o porquê de eu não ver motivos para rir. E também me fez concluir que você não te futuro como comediante.

— Sabe que o Kukkai queria ser comediante quando era criança? – Tohru contou, animadamente – Ele disse que seria o primeiro humorista a jogar futebol no espaço, por que queria ser jogador e astronauta também.

— Não fala dessas coisas! – Kukkai pediu desesperado, mas era tarde demais. Ele já havia começado a falar. E logo pegaria o álbum de fotos, com toda a certeza.

— Utau sempre quis ser cantora – Souko disse, nostalgicamente – Lembra quando você cantava com a escova de cabelos na frente do espelho? O Ikuto filmou uma vez, e você ameaçou quebrar o violino dele se ele não apagasse o vídeo.

— Ah! Você já era violenta nessa época? – Kukkai comentou, como se falasse do tempo.

— Idiota! Eu nunca fui violenta com você. – Utau argumentou, tentando parecer calma.

— O senso comum considera palavras como “idiota” um tipo de violência moral. Você é instável e potencialmente perigosa, apenas admita.

—Eu não sou violenta! – Utau ficou de pé, com as mãos postas sobre a mesa, e os olhos em chamas cravados em Kukkai – Se você não calar essa boca eu juro que vou ‘potencialmente’ enfiar esses hashis em um buraco que não é o nariz, e vai ser bem moral!

Tohru deu novamente sua gargalhada de trovão, que fez Utau recuperar a razão, e voltar a sentar.

— Ah, vai ser bom para esse garoto ter você por perto, Utau-chan – ele disse, para a surpresa de Utau – Kukkai precisa mesmo de alguém com pulso firme e maturidade, que ameace sua vida vez por outra, para não passar dos limites. Se você não se importar, por favor, cuide bem dele.

Utau acenou com a cabeça, sorrindo presunçosamente para Kukkai logo depois, como se dissesse “eu sou a pessoa madura que vai cuidar de você de agora em diante”. Ele apenas bufou, colocando arroz na boca ferozmente.

Sim, aquele era um verdadeiro jantar em família. A sua família.

— É melhor vocês crianças irem logo para a cama. Amanhã nós temos que acordar cedo. – Souko disse, começando a arrumar a mesa, juntando a louça suja.

— Acordar cedo? – Kukkai indagou, terminando rapidamente com a sua comida – Mas nós estamos de férias.

— O resto da mudança chega amanhã, e ela não vai se colocar no lugar sozinha.

Kukkai ainda resmungou alguns minutos, antes de se levantar e ir em direção à escada. Utau já ia à sua frente. Subiram os degraus, ouvindo o seu ranger habitual, que já havia se tornado parte da sinfonia caseira.

— Ah, tudo o que falta agora é um bom banho! – Kukkai suspirou, espreguiçando-se.

— Eu vou ir primeiro – Utau se apressou em dizer, acelerando o passo até chegar ao topo da escada.

— Não! Você demora demais! – Kukkai gritou quando ela virou no corredor e entrou no quarto, batendo a porta.  – Droga, me deixa entrar – ele bateu o punho fechado na madeira – Logo Utau saiu, com roupa e toalha em mãos, mais dezenas de cremes e shampoos diferentes e um secador de cabelos, atravessou o corredor na velocidade da luz, pulando para dentro do banheiro e trancando a porta.

Kukkai continuou parado no corredor, com a face pasma. Deveria ter entrado no banheiro quando teve a chance.

— Você não vai demorar, certo? – ele perguntou do outro lado da porta, temendo a resposta.

— Claro que não, eu nunca demoro – ela respondeu, com a voz abafada pela porta e uma gargalhada mal disfarçada como fundo.

Depois de pouco mais de uma hora, Kukkai conseguiu seu banho. Ao retornar ao quarto, com a calça verde-escura do pijama pendendo para um lado, e o cabelo pingando no peito sem camisa, Utau já dormia. Ele jogou a toalha que estava no ombro para longe, e parou no espaço entre as duas camas repentinamente. Sem que soubesse exatamente o motivo, olhou para baixo, na direção da garota que ressonava. Ela parecia muito mais tranquila daquele jeito, ele pode observar. Com a face livre de expressões de tédio ou irritação, Kukkai quase podia… admirá-la. Os cabelos dourados, pela primeira vez soltos, espalhavam-se em toda a extensão do travesseiro em suaves ondas e seu rosto refletia a luz da lua que passava pela janela, fazendo com que ela reluzisse de maneira etérea, azulada. Teve vontade de tocar sua bochecha, apenas para verificar que era real.

— Que cara de idiota é essa? – a voz ríspida soou ainda mais ameaçadora no escuro. Kukkai sobressaltou-se, caindo sentado na própria cama, que ficava apenas a poucos passos de distância.

— Você está acordada? – Ele balbuciou, em choque, se acomodando em baixo dos lençóis rapidamente.

— Não, eu tô só tirando uma com a tua cara. Na verdade isso é um sonho. Quer que eu te belisque?

— Você nasceu amarga ou aperfeiçoou com o tempo?

— Idiota – Utau reclamou baixinho, virando para o outro lado. Kukkai sorriu para si mesmo, constatando que os xingamentos vinham quando ela não tinha mais comentários ácidos disponíveis – E você deveria arrumar uma roupa. Não é educado andar nu quando divide o quarto com uma dama.

Kukkai cobriu-se rapidamente, como se temesse que Utau o atacasse naquele momento.

— Eu não tô pelado – defendeu-se – E esse é o meu quarto também, vai ter que se acostumar. Ou será que você pretende tirar a minha virtude?

— Vai se ferrar – Utau quase gritou, segurando o travesseiro com as unhas até ele rasgar. Como aquele pirralho se atrevia...

— Ei, você não sente falta? – Kukkai disse repentinamente, deixando o lençol de lado e colocando as mãos atrás da cabeça, enquanto fixava seus olhos no teto.

— Falta do que? – Utau respondeu rudemente, ainda remoendo o que ele havia dito antes.

— De Tokio… de tudo!  - ele disse, ilustrando com as mãos a extensão de suas palavras – Eu sinto. Sei que faz só um dia, mas eu já sei que vou sentir saudade das ruas cheias de gente que eu não conheço, daquelas lojas de conveniência que ficam abertas de madrugada, de faltar aula pra ir ao fliperama do shopping, de jogar baseball fim de semana no ginásio com todo mundo… e você, não vai sentir falta das suas amigas?

— Eu não tinha amigas – ela murmurou, puxando o edredon até acima do nariz, segurando-o com força.

— Aah... – Kukkai murchou aos poucos, sentindo o peso do clima se intensificar. Esteve prestes a dizer “como eu esperava”, mas tinha tato suficiente para perceber que não havia motivos para piadas – Bem, de qualquer forma, eu vou te ajudar, não é?

— Ajudar…?

— É! – ele se animou, erguendo um pouco a voz – Eu vou te ajudar a fazer amigos aqui!

Utau corou, encolhendo-se ainda mais embaixo dos cobertores. Aquele garoto era um idiota, se pensava que podia fazê-la sentir-se desconfortável apenas com frases de efeito.

— Não há necessidade da sua preocupação – ela resmungou, fechando os olhos com força – Eu pretendo ir embora assim que for possível.

— É mesmo? – havia uma nota de decepção no tom de voz que ele utilizou.

— Sim. Logo meu pai virá me buscar, e eu vou morar com ele em Tokio – Utau bradou, com uma confiança que ela desconhecia – Eu não vou ficar muito tempo por aqui.

— Isso é uma pena – Kukkai disse por fim, fazendo Utau arregalar seus olhos e cobrir o restante da cabeça – Eu imaginei que nós pudéssemos nos dar bem com o tempo, sabe, como irmãos.

— Presumo que não vá ser possível – ela sussurrou, encerrando a conversa. Ouviu o ruído de madeira estralando, quando Kukkai se acomodou na cama, e logo o silêncio se tornou predominante no escuro, cortado apenas pelo chiado monótono das cigarras.

-

— Certo, agora sorria naturalmente – Kukkai disse, com cuidado.

Eles estavam na varanda da casa, sentados no degrau que dava acesso aos fundos. Utau usava uma camiseta larga roxa, que deixava seus ombros de fora, e um calção jeans curto, roupas que ela jamais ousaria vestir em Tokio. Com esforço sobre-humano, ela inclinou os cantos da boca para cima, até mostrar todos os dentes.

— Eu disse para sorrir naturalmente, e você parece um serial killer. Você quer fazer amigos, não vítimas!

A expressão de Utau murchou, como um balão em fim de festa.

— Eu não consigo sorrir porque o brilho maldito dessa sua bijuteria está me cegando – ela disse irritada, fazendo referência ao pequeno brinco que Kukkai tinha na orelha.

— As garotas nunca reclamaram! – ele argumentou, piscando o olho – e você quer ou não ser mais amigável?

— Não! Eu não quero! – ela levantou subitamente, apontando o dedo de modo acusador para ele – foi você quem começou a falar esse monte de baboseiras que tira dos programas de autoajuda da TV!

— Eu só quis ajudar, mas parece que você tem água oxigenada demais no cérebro pra perceber isso!

— Isso é algum tipo de piada de mau gosto? – ela sibilou, com os olhos em chamas – Qual é o problema com você, hein? Eu não preciso de ajuda! Não tem nada de errado comigo! NADA!

— Então por que você está gritando feito uma louca? É por isso que ninguém quer se aproximar de você!

Utau vacilou com essas palavras, perdendo a linha por alguns segundos. Depois rosnou, parecendo estar prestes a pular no pescoço de Kukkai. Ele tremeu, lendo as intenções assassinas explicitas nos olhos dela, mas sustentou a pose o máximo que pode.

– EU NÃO VOU AGUENTAR PASSAR AS FÉRIAS INTEIRAS COM VOCÊ NESSA CASA! – ela berrou, entrando na casa como um furacão em plena atividade.

Subiu as escadas pisando com força, fazendo os degraus gemerem em protesto, e avançou contra o quarto, batendo a porta com toda a força que conseguiu reunir, produzindo um estrondo capaz de fazer as paredes tremerem. Pulou em cima da cama, torcendo intimamente para que ela não desabasse, o que só deixaria a cena mais patética.

— Hmm... – ela ouviu a voz hesitante de Kukkai vinda da porta – Você tá braba?

— Claro que não, não consegue perceber a minha radiante felicidade? Eu quase poderia flutuar! – ela gritou segurando as lágrimas, que contrastavam com suas palavras.

— Me desculpe, Utau. – ele disse, olhando para o chão. Sentou na beira da cama dela, segurando uma mão na outra. Parecia perdido, sem saber ao certo por onde começar – Eu não devia ter dito aquilo, foi covardia usar o que você me contou pra ferir você.

— Tudo bem – ela sussurrou, sentando na cama e secando as lágrimas. Não importa o quanto, ela detestava parecer vulnerável, e isso foi a única coisa que ela havia feito até agora.

 — Você vai me desculpar? – ele indagou novamente, com os olhos de foca brilhando intensamente.

— Vou. Tá perdoado. Pronto. – Utau disse, incapaz de não ceder a esse pedido. Até mesmo alguém como ela tinha seus pontos fracos.

— Reconheça que a culpa foi todinha sua. – Kukkai arriscou, em tom divertido – Você saber ser muito irritante quando quer. Utau riu baixinho, surpreendendo o garoto.

— Só com quem merece – ela disse, sorrindo, enquanto sentava ao lado dele na cama – Onii-san? – terminou, com uma careta.

— Aah… acho que nós temos que definir quem é o mais velho.

— Que dia você faz aniversário?

— Dia 17 de agosto – Kukkai disse, estufando o peito.

— Não falta muito... – Utau observou – Vai fazer quantos anos?

— Quinze.

— Ahá! – Utau bradou, apontando o dedo para Kukkai como se ele fosse culpado de um crime – Eu faço 16, dia 9 de novembro! Sou a sua Onee-chan! Está resolvido.

— Tanto faz – Kukkai resmungou, cruzando os braços e olhando para o lado. Ele queria ter sido o mais velho.

— Ah, você parece uma criança fazendo biquinho desse jeito – Utau disse, inclinando-se para frente com as mãos nas costas. Kukkai corou, tanto pelo comentário quando pela proximidade que Utau impunha nesse momento entre eles.

— Eu não pareço criança! E não faço biquinhos... – murmurou por fim, tentando manter o controle sobre os lábios.

Quando Utau estava prestes a rebater essa afirmação, ouviram ruídos do andar debaixo.

— A mudança chegou! – a voz de Souko ecoou nitidamente pelas paredes – Venham ajudar vocês dois!

Kukkai levantou como um raio.

— Aposto que não chega lá antes de mim, velha! – ele gritou saindo pela porta.

— Claro que chego, criança! – Utau saiu em disparada também – Ei! Não vale, você saiu primeiro!


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Notas finais do capítulo

Só para constar, eu sei que o Kukkai é três anos mais novo que a Utau, mas eu queria eles na mesma série, então diminuí a diferença...!
Espero pelos reviews!!! o/