She was Innocent. escrita por Cibelly H


Capítulo 7
O filho de Carl Allen


Notas iniciais do capítulo

É impressão minha ou meus leitores sumiram?
A história ficou tão ruim assim ? '-'



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O silêncio caiu sobre sobre a biblioteca. Eu ouvia minha respiração, acelerada e afetada pela presença de lágrimas que não tardei em limpar. Eu não queria falar por que sabia que minha voz sairia embargada. Até minha respiração era barulhenta e fungada. Ouvi um barulho de outra respiração ao meu lado e me deparei com Marvel, com um sorriso reprimido. E sempre que ele reprimia um sorriso ficava com uma careta horrível, parecida com a que gente que aposta quanto tempo sem respirar fica depois de um minuto.

— O objetivo era entreter, sabe? Mais parece que até piada sobre pum faz mais sucesso do que meus relatos. — ele suspirou — Minha carreira está acabada. Provavelmente eu consiga uma vaga na Starbucks ou no Burguer King.

Eu dei um olhar sério para ele. Outra remessa de lágrimas caiu e eu comecei a fungar e quando dei por mim estava em um abraço. Marvel dava tapinhas nas minhas costas e eu dava soluços e risos.

— Eu não conhecia esse seu lado sensível. E ele é chato. Você pode ativar seu modo motoqueira durona? Obrigado. — ele murmurou no meu ouvido e se desfez do abraço. Cedo demais.

— Desculpa. Podem continuar. — falei, já recuperada

— Ainda bem. Achei que teria que providenciar lenços. — falou minha mãe. Ela gostava de bancar a rainha do gelo, mas era uma boa pessoa. Se você tentar ignorar que ela é o tipo de pessoa que gasta o dinheiro suficiente para manter uma família por um ano em uma bolsa.

— Certo, já nos emocionamos com a história do garoto. Agora vamos aos negócios. — falou Afrodite, me lembrando que ela estava aqui. É impressionante o quão fácil eu esqueço da presença de alguém tão bonito.

— Eu entendi toda a parte sobre o "emprego" a qual minha filha foi encarregada, e não vejo por que discordar. Mas eu tenho uma condição. — Mamãe disse.

Nós assentimos, um pouco desconfiados do que viria a seguir.

— Ela não poderá fazer nada que a afete diretamente. — disse minha mãe, com um olhar significativo para Afrodite.

Afrodite e Apolo começaram a falar ao mesmo tempo. Marvel suspirou e murmurou algo ininteligível.

E eu não compreendi o significado daquela declaração.

— Parem! Estão parecendo duas crianças! — minha mãe falou em seu tom autoritário. Apolo e Afrodite pareceram estar confusos por receberem ordens da minha mãe, mas depois resolveram parar.

— O que exatamente você quer dizer com "afete diretamente" ? — perguntei.

— Vou ser mais clara. Você não pode fazer nada que seja por puro interesse. Nada que a beneficie. — ela disse.

— Em resumo, não pode fazer ninguém se apaixonar por você. — Afrodite simplificou.

Respirei fundo e avaliei se essa era a minha intenção ao me tornar o cupido. Não. Eu não havia pensado sequer uma vez naquilo. E, honestamente, que diferença faria? Não amar parecia mais sinônimo de não sofrer para mim mais do que nunca.

Afrodite e Apolo já estavam começando a combater essa proposta com unhas e dentes, mas eu detive os dois, me levantando.

— Tudo bem. — falei, e soube que era a minha deixa, não aguentaria mais nem um segundo. Estava a ponto de desabar.Desci as escadas com toda a velocidade possível em direção a garagem. As chaves da minha velha e enfurrujada picape estavam fervendo no meu bolso, pedindo para que o motor voltasse a vida.

Eu acelerei e dirigi sem rumo, mal conseguindo conter a chuva de lágrimas.

***


Abri os olhos com dificuldade. Eles pareciam quase grudados com a quantidade de neve que ainda caía. Tremi e apertei meus braços contra o meu corpo, agradecendo por não ter tirado o casaco. Poderia ser pior. Nuvens se formavam quando eu respirava.

Eu contemplei o céu escuro com admiração. Um céu com estrelas. Tantas e incontáveis estrelas, formando lindas constelações. Uma que eu nunca notara antes parecia uma garota segurando um arco. Havia algo nessa que parecia tão vivo, tão dançante. Uma espécie de vida que nenhuma constelação tinha. Fiz círculos na neve gelada com meus dedos. Não era fofa nem espeça, então me lembrei que estava na encosta do lago onde eu e Meena constumávamos patinar. Agora ela tinha as estaduais e eu os constantes jogos de hóquei. Eu era capitã da equipe de hóquei feminino da escola, e, mesmo estando de férias, a temporada de jogos só iria acabar uma semana depois do início do novo ano letivo.

Início do ano letivo.

Início de setembro.

Rapidamente olhei o meu relógio. Hoje seria meu segundo dia de aula. Honestamente, importava também? Minhas notas eram as piores que já vi. Eu não consigo entender nenhuma palavra que os professores dizem. Minha mente parece se fixar em coisas importantes — uma bola de papel que caiu próximo da lixeira. As garotas bonitas e populares recebendo mensagens românticas de admiradores secretos em seus celulares. Um grão de poeira. Meus únicos resultados satisfatórios eram as vitórias seguidas no hóquei — que não era exatamente uma paixão, mas eu me atinha a qualquer coisa que fizesse com destreza. E posso garantir que matemática não estava aí.

Zoe ganhara prêmios em olimpíadas internacionais de física e matemática, além de ser a representante do último ano. Kate fora aceita nas melhores faculdades do país e embora tivesse rejeitado todas elas, guardara as cartas de aceitação. Todos na família tinham um histórico escolar impecável. Eu era June, a problemática. A sem sal. A disléxica.

A semi-deusa. Ironizei. A palavra parecia ser sinônimo para problemas. Me definia completamente.

Pulei quando ouvi um barulho estranho. Parecia alguém sendo esfaqueado. Aterrorizada, segurei as chaves da minha Chevy com toda a força possível. Se chaves podiam ser instrumentos mortais, essa era a hora de descobrir.Um vulto surgiu das sombras e eu estava pronta para atacar quando uma luz me atingiu e quase me cegou.

O que deveria se tratar de um serial Killer impiedoso era na verdade um garoto com uma lanterna apontada para mim.

— Acho que fiquei cega. — murmurei.

Ele desligou a lanterna.

— Julie? — ele perguntou.

Na escuridão da noite era um pouco difícil de enxergar, mas depois de avaliar o moço por algum tempo conclui que ele deveria me conhecer, mas eu não o conhecia de jeito nenhum.

— Na verdade é June. — falei. Olhei para baixo e percebi que minhas pernas tremiam com o frio. Ele também pareceu perceber isso.

— Ah, sim. Eu sabia que era algo desse tipo. — falou.

Eu queria poder vê-lo melhor, mas estava realmente escuro demais. Eu nem sequer saberia dizer se o cabelo dele era loiro ou castanho. Ele também pareceu perceber isso, por que ligou a lanterna de novo e a apontou para si mesmo. Um clarão branco o atingiu e eu finalmente lembrei de onde o conhecia. Ele era o filho único de Carl Allen, que trabalhava no mesmo hospital que meu pai. Eu o conheci no último evento de caridade para o hospital, há dois anos. E eu não lembrava o primeiro nome dele.

— Você é o filho do Carl. — murmurei.

Ele assentiu.

— E você não lembra do meu nome. — ele completou.

Dei um sorriso tímido. Mas, afinal de contas, o que o garoto sem nome filho do Carl estava fazendo no meu lago?

— Eu moro perto daqui. — ele disse timidamente, lendo meus pensamentos. Era estranho o modo como ele sempre parecia deduzir o que eu estava pensando. Ele apontou para uma espécie de chalé que parecia mais natalino que o comum perto dali.

— Eu sempre vi esse chalé, mas jurava que Carl morasse perto de Spice Groove.

— Sim, ele mora. Mas eu moro com a minha mãe no chalé. — respondeu.

Eu nunca tinha ouvido falar da mãe do filho de Carl. Papai nos disse que ela havia ficado com a criança. Só.

— Então, filho do Carl que mora com a mãe no chalé, qual o seu nome?

Ele pegou um floco de neve na palma da sua mão e o engoliu. Foi um pouco engraçado.

— Rife.

— É um nome bonito. E original. — falei, me apertando mais ainda ao meu casaco, o frio cortante agora.

— Que nem June. — ele disse, sorrindo timidamente de novo.

Alguma coisa naquele jeito de sorrir era contagiante.

Meu relógio alarmou e eu pulei de susto. Oito horas da noite. Eu dormi por três horas no lago, em pleno inverno cortante? O medo de pegar hipotermia me inundou e eu realmente estava disposta a ir para casa. Mesmo que isso significasse dar adeus a Rife.

— Você tem que ir, não é? — ele disse, os olhos tristes. Eu podia estar maluca, mas podia jurar que aqueles olhos mudavam de cor. Primeiro azuis, depois violeta e por última uma espécie de laranja.

Como uma fogueira. Pensei.

— Tenho, mas não quero. Eu só tenho medo de pegar hipotermia ou algo do tipo. Dormi a noite toda aqui, acho. — falei, gesticulando para minha picape aos pedaços estacionada há alguns metros.

Ele franziu o cenho e se aproximou, colocando a mão na minha testa. Seu toque parecia quente e confortável. Ou eu estava congelando.

— Você precisa sair daqui agora. Está congelando. — ele disse, o tom preocupado. — E você está tremendo. — ele tirou o próprio casaco e colocou por cima do meu. — não acho que possa dirigir desse jeito. Ande, me dê as chaves. Vou te levar para casa.

Normalmente eu diria não e o cortaria rapidamente, mas admito que não estava bem. Agora meus dentes se batiam descontroladamente e mesmo com o casaco extra de Rife, o frio era tão intenso que eu parecia estar sendo esfaqueada. Por isso eu entreguei as chaves e ele abriu a porta do passageiro para mim.

Relutante, entrei, xingando mentalmente o carro por não ter um aquecedor. Mas assim que Rife fechou a porta e girou as chaves, eu podia jurar que o carro ficou confortavelmente quente, como se um aquecedor invisível tivesse sido ligado. Com habilidade ele manobrou o carro e conseguiu que a picape não patinasse na velha estrada de terra que estava coberta de gelo. Quando chegamos a rodovia, eu já me sentia bem melhor.

— Sua mãe. Ela deve estar preocupada agora. Você devia ter avisado. — murmurei.

Ele sorriu. Um sorriso sarcástico que não parecia combinar com ele.

— Aposto que ela nem deve ter notado que eu saí. Ela é... Muito ocupada. — parecia haver vários sentidos em "muito ocupada".

Assenti, encerrando o assunto. Parecia complicado para ele.

Como se concordasse com meu pensamento, ele ligou o rádio. Eu peguei um cd no porta luvas e coloquei. Californication saiu pelo sistema de som. Eu podia jurar que ele sorriu.

— Acho que eu estou começando a gostar desse carro. — falou.

Não pude deixar de rir.

— Acho que você não tem a noção adequada do que é uma Chevy 53 enferrujada e caindo aos pedaços.

Ele revirou os olhos.

— Eu tenho a noção que essa Chevy 53 "enferrujada e caindo aos pedaços" dá uma sensação de estar em casa, entende? Um carro novo e com bancos de couro importado tocando essas músicas eletrônicas que te deixam tonto não faz isso. — ele disse, dando batidinhas na direção.

— Então você é um garoto caseiro? Interessante.

Ele me encarou por dois segundos e eu jurei que iríamos sofrer um terrível acidente de carro.

— Eu moro em uma imitação perfeita de chalé dos Alpes. Não poderia deixar de ser caseiro.

Sorri. O filho de Carl Allen parecia cada vez um enigma mais interessante.

— Eu gostaria de dizer o mesmo. Mas eu moro em uma casa de vidro. Não é legal. Ou seguro. — falei.

— Casa de vidro. Então estou no caminho certo. — ele disse, observando as placas de sinalização.

— Sabe, não precisa fingir que sabe o endereço. Já pode deixar o orgulho de lado e me perguntar. — sugeri.

Ele riu. Um riso claro e limpo.

— A questão é que eu sei o endereço. — ele disse, atento ao trânsito.

— Como? — falei, surpresa.

Ele deu um meio sorriso.

— Eu sou da escola da sua irmã, a líder de torcida. Ela convida, literalmente, todo mundo para as festas que dá.

— Você disse que era caseiro e que música eletrônica te deixava tonto. — lembrei.

— E eu só cheguei a essa conclusão depois de experimentar bastante. E a sua irmã sabe ser persuasiva.

Fiquei calada. Bastante persuasiva. E era estranho imaginar que um cara legal como Rife gostasse do tipo da Zoe.

— Ela disse que a casa tinha quatro andares. Vamos, para um garoto que mora em um chalé isso é mais do que persuasivo. — ele me olhou e deu um sorriso tristonho.

Suspirei de alívio. Eu estava julgando que teria sido um tipo diferente de persuasão.

Entramos na minha rua e ele parou em frente a casa.

— Me responde uma coisa. — ele falou — Se você é de uma das famílias mais ricas de toda a cidade, por que seu carro é uma Chevy 53 enferrujada e caindo as pedaços quando você pode ter a BMW que quiser?

Sorri de sarcasmo. Não era a primeira vez que me perguntavam isso.

— Digamos que eu seja a problemática da família.

Foi aí que lembrei de uma coisa. Rife não poderia voltar a pé para casa. Com certeza eram mais quilômetros do que eu podia estipular da minha casa até o lago. Eu devia isso a ele.

— Depois eu passo na sua casa para pegar o carro de volta. — falei, tirando o cinto de segurança.

— O que? Claro que não. Isso é um carro e não um fone de ouvido. Não é o tipo de coisa que se possa pegar emprestado. — ele protestou, mas eu ignorei e lhe entreguei o casaco.

— Então você vai voltar a pé? — cruzei os braços. Eu só fazia isso quando estava pronta para brigar com alguém.

— Eu tenho um amigo que mora aqui perto. Posso pedir carona a ele. — ele deu de ombros.

— Não. Acho que você ainda não entendeu. O meu carro está apaixonado por você. Entenda, esta Chevy é enferrujada, mas tem sentimentos. E já que você gostou do carro, é minha forma de agradecer. — eu já estava abrindo a porta — Obrigada Rife. Sério.

Eu estava prestes a tocar a campainha para que abrissem os portões quando ele com delicadeza me puxou e colocou as chaves na minha mão. Eu iria protestar mas seus olhos me calaram. Estavam num tom de púrpura que o deixava parecendo algum ser mágico. Mas ele obviamente não tinha noção disso. E durante algum tempo eu fiquei ali, fitando aqueles olhos que mais pareciam labaredas dançantes. Ele não poderia ser mortal. Ele não podia pertencer a esse mundo.

Ele beijou minha testa e saiu andando. Nem quando ele sumiu de vista eu consegui parar de olhar.


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Notas finais do capítulo

Reviews, por favor.
Edit: corrigi a fala do Rife. Ele não tem nenhuma irmã, deve ter dado a louca em mim.



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