Vento no Litoral escrita por Janine Moraes, Lady B


Capítulo 21
Capítulo 21 - Resquícios


Notas iniciais do capítulo

Então, eu disse que até terça postaria. Mas teve uns imprevistos e patati, patata. Aí não consegui. Passei a madrugada de hoje terminando o capítulo e espero e coração que vocês gostem. Eu gostei bastante desse capítulo, sério.



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Olhei para o bar familiar a minha frente. Era decorado em cores quentes e parecia absolutamente acolhedor. Tocava uma música desconhecida ao fundo e eu me sentia bem a vontade. Eu e Igor estávamos sentados em uma mesa de frente para a rua, observando o movimento. Um de frente para o outro. Rimos a noite toda, Igor muito mais animado que eu e sempre me fazendo rir. Tanto que eu nem tinha acabado de tomar meu segundo copo de vinho de tanto que eu ria e Igor já havia consumido umas 10 vezes mais. Ele estava animado e parecia centrado, até. Ele era forte para bebida, sem dúvidas.

– Sinto falta daqueles tempos, sabe? – ele comentou, bebendo um gole da sua bebida meio que rindo.

– Da falta de memória? De você ‘Izaurar’ arrumando seu apartamento esfregando a suposta mancha do azulejo? De queimar os hambúrgueres? De você experimentar papinha de neném? De você tomar banho com sabão em pó e lavar sua roupa com Johnson e Johnson? – perguntei, rindo baixinho ao me lembrar. E Igor explodiu numa gargalhada estrondosa, nada discreta, mas assim tão vívida e animada que acabei me contagiando junto. Nós dois explodindo em uma gargalhada intensa, que fez alguns pares de olhos nos fitarem. Principalmente um grupo de estudantes a algumas mesas de distância que cochicharem excitadas umas para as outras. As encarei, as achando ‘assanhadinhas’ demais. Fazia horas que não paravam de olhar nessa direção.

– Cara, eu não tomava banho com sabão em pó! – Igor comentou, fazendo com que eu voltasse a prestar atenção nele.

– Tenho muitas dúvidas quanto a isso.

– É sério. – ele riu mais um pouco e eu sorri de leve.– Me surpreende você se lembrar dessas coisas.

– Eu lembro de tudo. – murmurei, ainda sorrindo, mas reprimindo um suspiro.

– Até do hospital?

– Obrigar a você a tomar sopa de cebola fazia meu dia mais feliz, principalmente quando você fazia aquelas caretas pavorosas. Seu sofrimento nutria minha felicidade.

– Sua sádica! – ele soltou, fingindo mágoa.

– Que foi? É a verdade.

– Claro, claro. – ele disse, sorrindo. – Bem, você lembra ao menos.

– Acho que é às vezes esse é o problema. Eu lembro de tudo. – respirei fundo, mais uma vez me vi pega confessando o que sentia. Coisa que há algum tempo atrás eu absolutamente abominaria.

– Lembrar não é sinônimo de ainda sentir. Não é isso que você quer dizer?

– Mais ou menos.

– Sinceramente... Lembrar pra mim é sentir, na maioria das vezes. Passei uns bons anos só lembrando e relembrando. Não consegui de deixar fazer isso, entende? Quando dormir... Lembrar. Quando acordar... Lembrar. Todos os dias. Lembrar também durante os intervalos que eu parava pra pensar como seria... Planos e lembranças e saudades e martírios... – ele ficou em silêncio por alguns segundos e eu senti um comichão estranho em meu peito. Logo seu ar sério e severo sumiu, voltando a uma expressão mais leve. –  Embora, eu não tenha certeza se lembrar seja mesmo a palavra certa. Ás vezes eu me pergunto, se eu vou conseguir ser igual a você um dia. Tão forte... Capaz de me unir a outra pessoa. Algo assim. Aí eu paro e penso que é impossível. Enquanto eu ainda lembro.

– Não somos mais adolescentes. – engoli em seco.

– Só às vezes... Você normalmente quando bebe vinho. – ele disse, apontando meu copo. Mostrei a língua para ele, que riu me imitando.

– Assim como eu superei... – respirei fundo, tentando encontrar sentido nas minhas palavras. – Você também vai superar isso.

– O que você considera isso, exatamente? – pensei alguns segundos, deixando meu lado racional agir:

– Nosso relacionamento conturbado.

– Disso não tenho dúvidas. Se for pra pensar sobre esse ângulo. Eu sei que acabou. Aquela fase acabou... Mas ainda tem reticências. Sempre! Quer dizer... – ele passou as mãos pelos cabelos, que pediam um corte. – E o sentimento? Como fica?

– Acabou também.

– Certeza?

– C-claro.

– Porque você faz isso? Continua mentindo pra si mesma? Não estou perguntando como alguém querendo cobrar algo, estou tentando não cobrar nada. Eu nem percebo quanto estou cobrando algo. Edith me disse isso.– o olhei curiosa. Edith não havia comentado nada comigo. O encarei, confusa, Igor parecia nesses momentos falar mais consigo mesmo do que comigo. Meio aéreo e pensativo, mas me olhando frequentemente. –  Você não se dá bem com pressão, é meio óbvio... Mas nunca parei pra pensar que sou eu te pressionando. Enfim, te pergunto como amigo, entende? Porque mentir? Sentir algo por mim não é errado. Só se você transformar isso em algo errado.

– Só... Acabou.

– Me responde, por favor. São tantas dúvidas, amiga. Não consigo entender essa confusão em meu coração! – ele botou a mão no peito, debochando.

– Idiota. – murmurei, bebendo meu vinho e rindo.

– Como pode ter tanta certeza que não me ama? Que não me quer? Toda vez que eu chego perto de você sei que você me quer também e assim como eu se controla pra não se entregar a isso de vez. Você por orgulho e eu por que... Acho que é porque eu te quero mais do que seja possível. E to só esperando você dizer que você me quer. Porque quando isso acontecer, Malu... – ele sorriu malicioso me fazendo corar. Até ergui a sobrancelha zombeteiramente, me perguntando de onde havia surgido essa minha cara de pau. Seria do vinho? Da presença dele? Seria seu olhar que me suscitava essa súbita coragem? – Quando você escorregar um pouquinho nessa sua ilusão, eu vou te mostrar o que é real. Que você me quer também.

– Acabou... Igor. – Sussurrei, tentando não me deixar abalar por suas palavras.

– Você repete isso tantas vezes, sabe? Que acabou... E ficamos aqui, continuamos aqui... Discutindo isso. – parei para pensar no que ele dizia e percebi que era verdade. Sempre acabávamos desse jeito. Discutindo. Continuando... Será que tinha mesmo acabado? Senti meu estômago afundar e minha garganta apertar com esses nós já conhecidos. – Ás vezes eu só queria parar de discutir um pouco e simplesmente deixar acontecer. Mas você não facilita.

– Eu não posso, Igor. Não posso passar por tudo de novo. Não vou aguentar perder tudo de novo. – ele me olhou confuso e eu respirei fundo. Deixando meu coração falar um pouquinho. Igor me olhava surpreso e eu admito, eu estava surpresa. Era como se as palavras fossem para nós dois. – Eu vou perder você de novo, se tudo se repetir. E não posso perder você de novo.  Não posso passar por tudo de novo... Acabou. Tem que ter acabado.

Ficamos em silêncio, presos nos olhos um do outro. Não havia nada mais a ser dito. Igor desviou os olhos por alguns segundos, quando voltou a me mirar os mesmos pareciam um pouco sem foco.

– Certo, é realmente isso que você acha. Então... O que eu posso fazer? Você não vai mudar de ideia e não vou repetir tudo de novo. Não hoje pelo menos. – ele levantou o copo e bebeu um gole longo do líquido branco a sua frente. – Vamos tomar quantos copos de vodka equivalente a todos os seus ‘não’ ditos só nesse seu último discurso pra ver se eu dou uma desligada básica e volto para nosso estado de ‘apenas amigos’? É muito mais fácil quando eu não corro atrás de você e você não foge de mim, certo?

– Não. Quer dizer, sim. Não sei! – ele riu da minha exasperação, enchendo seu copo novamente, a garrafa já no fim. – Melhor a gente não beber mais coisa nenhuma. Que ta ficando tudo muito confuso. Não, não, não.

– Quantos ‘nãos’! Querendo aumentar a dose?

– Estou falando sério.

– Eu também. – ele sorriu de uma forma engraçada. Revirei os olhos.

– Não vou cuidar de um bêbado.

– Medo de relembrar seus tempos de babá?

– Vida de escrava? Morro de saudades! – comentei irônica.

– Você tinha privilégios nessa época.

– Ah é? Que privilégios?

– Você me tinha. – ele sussurrou sensualmente e eu me senti corar e arrepiar. Era muito claro que ele estava me provocando.

– Convencido!

– E era minha. – ele mexeu a sobrancelha e eu fiz força para não rir.

– Há muito tempo atrás. Época que não volta nem nunca voltará.

– Te seduzi com essa, confessa. – ri baixo de como ele pulava de um assunto sério para outro totalmente descontraído.

– Nem em um milhão de anos!

– Ah é? Certeza?

– Seus tempos de sedução acabaram. Você perdeu a prática. É um papai agora. Seu único momento de sedução passou quando Eduardo saiu das fraldas.

– Ouch... Não duvida de mim. Você ainda não me viu o ensinando a andar de bicicleta. Ou seria melhor dizer, implorando pra ele tentar? É muito sex appeal.

– Claro, claro. – eu disse, entre risadas.

 – Certo... Então a proximidade não te incomoda? Não te abala, não é?

– Nem um pouco. – murmurei, certa do que dizia. Ou nem tanto assim. Então, ele puxou minha cadeira pra perto da dele num movimento rápido, quase abrupto, em que eu me assustei um pouco. Engolindo em seco. Ele riu baixinho.

– Mais uma mentira. Deveria fazer pagar por todas essas suas mentiras, Malu. Todas elas. – Senti minha cabeça dar uma guinada enquanto ele mirava minha boca. Afastei a cadeira num movimento brusco e roubei seu copo, bebendo um gole bem grande. Meu primeiro e último de vodka.

– Hora de ir pra casa. – puxei um Igor sorrindo malicioso pelo colarinho da camisa. Ele já estava fora de si, ou ao menos bastante alto. Na verdade, ele estava tirando uma com a minha cara mesmo. E eu, sem praticamente nenhum gota de álcool, me sentia pior do que ele. Principalmente enquanto sentia sua pele macia em meus dedos e sua figura curvada para perto de mim enquanto andávamos até o carro. Só que ao contrário de mim Igor parecia semialheio a minha presença, olhava-me de leve, os olhos pousados de jeito calmo em mim, nada afetado, enquanto eu estava superconsciente da sua presença. O puxei até o estacionamento, procurando seu carro. Logo o encontrei e empurrei Igor de encontro a porta.

– Quanta gentileza, amorzin. – dei um tapa em seu braço, o fazendo rir.

– Cadê suas chaves?– ele não respondeu, só abriu os braços e com eles um sorriso de lado. Bufei, o encarando. Ele continuou sorrindo. Comecei a procurar nos bolsos da jaqueta abruptamente e logo me vi obrigada a procurar nos bolsos da calça. As chaves tinham que estar no bolso traseiro. É claro!

Abri a porta do carro e empurrei Igor para dentro. O fazendo bater a cabeça no teto do carro e xingar baixinho. Sentei no banco do motorista, séria dessa vez. Não queria nem saber o que tinha em mente. E me perguntei pela milionésima vez o que tinha na cabeça para aceitar ir a um bar com Igor. Cada vez que eu ficava perto dele algo como um dos meus alicerces de razão ruía, e voltar a reconstruir isso levava doses diárias de autoafirmação e doses cavalares da segurança que Victor me proporcionava.

– Porque a gente ta voltando pra casa mesmo?

– Porque ta tarde.

– Estamos de folga amanhã...

– E daí?

– E daí que podíamos fazer essa noite ma-ra-vi-lho-sa durar mais... – controlei o impulso de rir com seu tom de voz meio pastoso, que ele claramente estava fingindo. Me perguntei também porque estava me deixando enganar. – Embora ache que você já tenha isso em mente já que está me levando pra casa.

– Deixa de ser babaca! Moramos no mesmo prédio, esqueceu? Sossega.

– Ah, desde aquele dia que te vi com aquela camisola, Malu... Fica difícil esquecer. – ele comentou, sonhador... Corei absurdamente e peguei um carrinho de Eduardo e taquei em Igor, que se encolheu rindo.

– Idiota!

– Que foi? Só disse a verdade... – sacudi a cabeça incrédula. Definitivamente não era esse o objetivo ao vir para cá. Reestabelecer essa intimidade com Igor. Eu tinha que deixá-lo para trás. Porque senão eu não conseguiria lidar com isso por muito mais tempo. Minha aliança continuava ali em meu dedo, como um lembrete da existência de Victor, que martelava em minha cabeça. Havia acabado? Onde ele estaria? Quanta raiva deveria estar sentindo?– Já que vamos ficar em silêncio, coloca uma musiquinha aí.

– Fica quieto, Igor.

– Deixa de ser chaaaata.

– Quietinho. Logo, logo estamos chegando.

– Ta bom, mamãe. Quando chegarmos em casa você vai ir pra caminha comigo, né?

– Igor, você ta brincando com a morte. – rosnei, sacudindo a cabeça, incrédula.

– É divertido! Senti saudade de deixar você assim de bico. É engraçado.

– Engraçado vai ser a minha mão na sua cara.

– A Malu brigona ainda vive!

– Não sou brigona.

– Só marrenta, turrona, teimosa...

– Eu não sou isso.

– Ah, é. Demais até. – ele deitou a cabeça no banco, olhando para mim de lado. – Nossa, tem que ter muita paciência com você.

– E com você, então? Sr egoísta, palhaço e sem-vergonha?

– Sem vergonha nem é defeito. – Ele fez um bico quase adorável e eu desviei os olhos.

– Ah não? – Ele se inclinou, sussurrando próximo ao meu ouvido.

– É charme.

– Cara, você é muito chato.

– Por isso ficou cinco anos longe?

– Tava precisando de férias de você, é claro. – ele sorriu, parecendo ficar sonolento. – Acorda aí!

Cutuquei ele, que riu.

– Não vou dormir.

– To de olho.

– Como sempre. Não consegue tirar os olhos de mim essa daí.

– Acho que até o final da viagem eu faço você engolir um desses brinquedos do Eduardo. – Igor se limitou a rir, bem humorado. A risada dele se propagando por todo o carro, me deixando em alerta. Eu sabia que sentiria falta desse som daqui a alguns minutos e me amaldiçoava por isso. Qual era o meu problema, afinal?



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Notas finais do capítulo

Gosto de escrever esses momentos descontraídos Igor e Malu. E pelo visto vocês também gostaaam. *0*
Reviews? POR FAVORZIIIN *000*
Ps: Obg Nayara pela indicação da música. *0*