Os Peixes não São Todos Iguais escrita por Eica


Capítulo 6
Capítulo 6




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Num final de semana, Maurice foi ao mercado com Danny e Jayne. Danny empurrava um carrinho enquanto Maurice e Jayne o seguiam. Agora estavam na parte do hortifruti. De súbito, algo passou pela cabeça de Maurice e este falou em voz alta:

- Estou curioso. Quem é Adam?

- Oi? – disse Danny, olhando para ele.

- Outro dia você me chamou de Adam. Quem é?

- Ninguém.

            Danny distanciou-se, com expressão séria. Jayne, que ouviu tudo, aproximou-se de Maurice e disse, em voz baixa:

- Adam é o ex do Danny.

- Ex?

- Sim. Danny pegou Adam traindo ele com o melhor amigo. Depois disso botou na cabeça que não vai mais namorar homem nenhum porque, segundo ele, os homens não prestam.

- Oh. Então é por isso.

- Não pense que Danny não gosta de você. Ele pode estar gostando, mas não vai admitir. Ele tem medo que o machuquem de novo.

- Entendo.

            Jayne aproveitou o distanciamento de Danny para dizer ainda:

- Será que não pode se esforçar um pouquinho para fazê-lo perceber que as coisas não são como ele pensa? Você gosta dele, não gosta?

- Gosto.

- Pode enfiar na cabeça daquele tonto que você não é como aquele ordinário do ex dele?

- Farei o possível, mas não sei se ele vai querer algo comigo.

- Acho que se você se esforçar um pouquinho, Danny pode mudar de idéia. Tenho certeza.

            Ela sorriu para Maurice. Aproximaram-se de Danny e continuaram fazendo compras.

            No outro dia, Danny foi à casa de Maurice. O rapaz morava no hotel Saint Martins Lane. Quando entrou em seu apartamento, Danny impressionou-se com o tamanho da sala – que era mais espaçosa do que a sua. As paredes e o teto eram brancos. O sofá era reto e branco e as almofadas marrons. Havia uma parede que era toda encoberta por uma estante cheia de livros, CDs e DVDs. A parede em que a televisão estava encostada era de madeira clara. O chão era de parquet. Um ambiente bastante iluminado e bonito.

- Há quanto tempo mora aqui?

- Este é o apartamento em que me mudei com minha mãe quando viemos pra cá. Na época ele era diferente, obviamente. Fiz algumas modificações com o tempo.

- É lindo.

            Danny caminhou até o centro da sala. Correu os olhos por tudo.

- Quando você disse que gostava de ler, não pensei que gostasse tanto. – falou, parando os olhos sobre a estante.

            Foi até lá.

- Quantos livros você tem?

- Cerca de... Duzentos e cinqüenta. Mas acho que são mais. Adquiri outros.

- E leu todos?

- Faltam vinte pra eu ler tudo.

- Nossa! – impressionou-se.

            O rapaz continuou vendo os livros. Depois correu os olhos para os CDs.

- Não conheço esses cantores.

- Imaginei que não. – disse Maurice, sorrindo. – Gosto de ouvir músicas dos anos sessenta, setenta e algumas dos anos oitenta.

 - Oh. – disse o outro, fazendo uma cara feia no final.

            Maurice riu.

- Bem, vamos comer alguma coisa?

- O que quiser.

- Comida japonesa? Gosta?

- Você não come comida normal, não? – brincou Danny.

            Maurice riu.

- Gosto de variar bastante, para ter muitas opções.

            O rapaz tirou seu celular do bolso do casaco.

- O que conhece da comida japonesa?

- Só sushi.

- E tem vontade de comer?

- Não sushi. O que você me recomenda?

- O tepanyaki é um grelhado de legumes, carnes, frangos, peixes e camarões. Muito bom.

- Então pode ser esse.

            Maurice ligou para um restaurante e fez seu pedido. Depois disso, ligou a televisão enquanto esperavam pela comida. Sentaram-se no sofá. Danny notou que o apartamento do rapaz tinha um cheirinho de limpeza.

- Seu apartamento é bastante organizado. É você quem limpa ou tem empregada?

- Oh, não tenho empregada.

            Danny tornou a correr os olhos pela sala.

- Gostei bastante da decoração.

            Maurice olhou-o e sorriu.

- Estava pensando em me mudar para um apartamento menor, mas às vezes acho que não conseguirei sair daqui. Tenho muitas lembranças boas da minha mãe.

            Danny observou-o.

- Você se apegou, não é?

- Bastante.

- É por isso também que não pretende voltar pra Alemanha?

- Sim, e também tenho outros motivos pra continuar aqui. Meu emprego, amigos... Essas coisas.

            De repente Maurice levantou-se, recolheu um porta-retratos da estante, tornou a sentar no sofá – ao lado de Danny – e mostrou-lhe a foto.

- Esta é sua mãe? – perguntou Danny, com o porta-retratos na mão. – Se parece muito com você. O mesmo nariz, os mesmos olhos... Não tem irmãos?

- Não.

- E seu pai?

- Meus pais se separaram há muito tempo. Meu pai morreu um tempo depois.

- Oh.

            Danny olhou mais um pouco para a fotografia – em que um jovem Maurice abraçava a mãe por trás. Havia um sorriso nos lábios dos dois. Seus sorrisos eram muito parecidos. Curiosamente, Danny não conseguiu tirar os olhos de Maurice da fotografia. Quando percebeu que o estava admirando, devolveu o porta-retratos ao rapaz.

            Ficaram ali na sala por mais meia hora até a comida chegar. Dirigiram-se à cozinha, que era tão bonita quanto à sala: os armários eram de madeira clara, as paredes eram brancas, assim como a mesa e as cadeiras.

            Sentaram-se na mesa. Enquanto comiam, conversaram um pouco mais até o momento em que Maurice bateu a cabeça na mesa, ao pegar no sono. Este foi acordar vinte minutos depois. Danny sorriu pra ele.

            Mais tarde, depois de comerem, foram para a sala onde Danny olhou mais um pouco a coleção de CDs de Maurice.

- Você escuta esses CDs?

- Sim.

- E dança também? – perguntou, curioso.

            Maurice riu.

- Não sei dançar. Ao menos acho que não.

- Nunca saiu pra dançar?

- Não.

- Sério? – disse o rapaz, surpreso. – Nunca saiu pra dançar com amigos ou namorados?

- Não, mas estou disposto a aprender, se um dia quiser sair comigo.

            Danny sorriu.

            Numa quinta-feira, Danny apressou-se em chegar à cafeteria quando deu sua hora de almoço. Lá chegando, cumprimentou Maurice e se sentou em frente a ele na mesa.

- Tenho um presente pra você. – disse, animado.

- É mesmo? – perguntou Maurice, sorrindo.

- Sim, abra.

            Danny passou-lhe uma sacola grande. Maurice abriu o embrulho dentro dela. Do embrulho, tirou um capacete daqueles para bicicleta, duas cotoveleiras pretas e duas joelheiras da mesma cor.

- Para quê tudo isso? – indagou o rapaz, feliz.

- Pra você não se machucar quando cair.

            Maurice, super contente com os presentes, colocou o capacete e também as cotoveleiras e as joelheiras.

- Nossa! Obrigado!

            Danny observou-o com um largo sorriso.

- Sabe, acho que você deveria tirar o óculos. Quando cai, corre o risco de machucar os olhos. Posso?

            Danny tirou o óculos da frente dos olhos de Maurice.

- O que você tem? Hipermetropia?

- Miopia.

- Existe cirurgia pra corrigir isso, sabia? Por que não opera os olhos?

- Acha que eu devia?

- Sim, pra não ter que usar óculos e assim não correr o risco de machucar os olhos. – disse o rapaz, colocando o óculos de Maurice sobre a mesa.

- Pensarei no assunto.

            O jovem alemão olhou para as cotoveleiras e sorriu.

- Tem sorte de nunca ter tido problemas na cabeça. – disse Danny. – Do jeito que deve cair por aí...

- Uma vez quebrei o nariz.

            Danny olhou-o surpreso.

- Não me lembro onde caí quando peguei no sono, mas me lembro da dor no nariz e do sangue.

- Já teve um acidente grave?

- Como você disse, eu tenho sorte. Nunca tive grandes problemas. A não ser quando quebrei o nariz.

- Disse que começou a apresentar narcolepsia na adolescência.

- Sim. Foi confuso no começo porque me dava sono e eu apagava de repente... É complicado quando você tem um tipo de problema e não são todas as pessoas que o compreendem.

- Foi difícil pra você?

- Ah, que adolescência que não é complicada? Eu era gordinho, feio, usava óculos e ainda por cima tinha “ataques de sono” repentinos.

- Mesmo depois de você ter me mostrado sua foto quando você era gordinho, não consigo te imaginar gordo.

            Maurice sorriu.

- Chega uma hora em que você se cansa de ser feio. – disse ele. – Por isso tratei disso um pouco antes de sair do colégio. Desde que emagreci, nunca mais engordei. Foi uma época maravilhosa porque eu me sentia leve e me sentia bem comigo mesmo. Eu me olhava e achava que não chamava mais atenção de maneira negativa. Tanto é que, um ano depois que terminei o colégio, pediram pra ficar comigo.

            Danny riu com ele:

- E como foi? – perguntou.

- Nossa! Foi surreal! – disse Maurice, rindo. – Porque, quando você não está acostumado a ouvir esse tipo de coisa, você acha tudo muito louco.

- Quem pediu pra ficar com você?

- Um rapaz que estudava na mesma universidade que eu. Ele parecia bastante experiente, já eu, nunca tinha beijado na minha vida, por isso dei muita importância a esse relacionamento que tive, porque foi o primeiro e foi bastante especial.

            Danny olhava-o maravilhado. Apoiou o queixo na mão e escutou-o atentamente:

- Ele era um ano mais velho que eu. Seu nome era Nicholas. Eu ainda era um pouco tímido naquela época, mas acho que era mais seguro do que no tempo do colégio. Enfim, ele me disse que eu o havia atraído muito. Naquele momento eu tive vontade de rir porque “eu, atraindo alguém?”. Inacreditável!

            Maurice riu. Continuou:

- Ficamos juntos por um tempo. Depois começamos a namorar. Tive minha primeira experiência com ele. Na verdade, aprendi muitas coisas com ele. Não só relacionadas à intimidade, mas uma série de outras coisas. Também ganhei mais confiança.

- Por que vocês dois não ficaram juntos?

- Foi interessante porque, de uma hora pra outra, nos tornamos apenas amigos. Começamos a sair com outras pessoas e nenhum de nós se sentiu mal com isso. Pelo contrário... Não nos vimos mais porque ele foi morar em outro lugar e, sabe como é. Cada um tem sua vida.

            Neste momento, uma garçonete apareceu trazendo canecas com chocolate e também croissants.

- Quantos namorados já teve?

- Sete.

- Nossa! – exclamou Danny, cobrindo o rosto. – Dizendo isso, sinto como se eu fosse um qualquer. Já tive milhares!

            Maurice riu.

- Mas acontece que meus namoros duraram um longo período.

- Então já deve imaginar quanto tempo durou os meus. – disse Danny, tirando as mãos da frente do rosto. – Namorei mais que você, e sou mais novo.

- Quantos anos tem?

- Vinte e dois.

- Deve ter começado a namorar bastante jovem, não?

- Comecei aos dezesseis.

- Está explicado. Eu comecei a namorar depois dos vinte.

            Sorriram. Tomaram suas bebidas quentinhas. Conversaram um pouco mais até saírem da cafeteria. Pararam na esquina.

- Bem, ande com cuidado. – disse Danny.

            Maurice, todo sorridente, ajeitou o capacete na cabeça.

- Guardou seu óculos na bolsa?

- Guardei.

- Até amanhã então.

- Até.

            Danny observou Maurice distanciar-se.

            Chegou um sábado em que Danny levou Algodão a uma praça arborizada e com grama. Ali, ficou a jogar uma bolinha colorida para Algodão pegar. O cãozinho estava super animado e pegava a bolinha com bastante ânimo. Hoje o dia estava frio. Nada fora do normal.

            No momento em que Danny arremessou a bolinha bem longe, viu alguém se aproximar dele pela direita. O desconfiado Maurice – de capacete, joelheiras e cotoveleiras – manteve o olhar sobre Algodão, que correra para recuperar a bolinha.

- Acordou cedo. – disse Danny, olhando para Maurice.

            No momento em que Algodão veio correndo na direção de Danny, Maurice saltou para trás de um banco de praça para se esconder. Danny riu.

- Tem que aprender a controlar esse medo.

            O rapaz tirou a bolinha da boca de Algodão e arremessou a bolinha novamente. O cãozinho correu para apanhá-la. Maurice levantou-se de trás do banco. Contudo, não saiu de onde estava.

- Não quer tentar chegar perto de Algodão?

- Não.

- Nem jogar a bolinha pra ele pegar?

- Para ganhar toda a atenção dele? Não, obrigado.

            Quando Algodão retornou, Danny pegou-o no colo e ergueu-o na direção de Maurice.

- Tem certeza?

- Cl...

            De súbito, Algodão fez xixi no casaco de Maurice, que recuou depois de perceber que estava levando “banho”. Danny caiu na gargalhada. Colocou coleira em Algodão e levou Maurice para sua casa, já que estavam bem próximos dela. Já em seu apartamento, Danny trancou Algodão no quarto e levou Maurice para a área de serviço. Pediu que o amigo despisse o casaco.

- Não sujou mais nada?

- Minha blusa também.

            Maurice arrancou o casaco e a blusa. Só ficou de camisa social. Danny enfiou suas roupas na máquina de lavar. Depois foram para a sala.

- Com certeza jamais se imaginou sendo atacado desta forma por um cão. – riu Danny.

- Nunca. – riu Maurice.

- Você tem o que fazer mais tarde?

- Não, por quê?

- Quer passar o dia aqui?

            Maurice sorriu e consentiu.

            Naturalmente que ambos se viram durante toda a semana. Houve um dia em que Danny estava em frente ao hotel onde morava. Procurava suas chaves na bolsa. O dia estava super chuvoso. Caia uma chuva torrencial. Danny – debaixo do toldo da entrada do hotel – viu Maurice se aproximar de capacete na cabeça, de cotoveleira nos cotovelos e joelheira nos joelhos. O que deixou o rapaz confuso foi ver que Maurice estava com um guarda-chuva na mão, contudo o rapaz estava super ensopado e também sujo de terra.

- O que aconteceu? – perguntou, assim que Maurice chegou perto dele.

- Caí. – respondeu o outro, com um sorriso.

            Danny balançou a cabeça e entraram.

Um dia, Danny esperou por Maurice em seu apartamento. Quando o rapaz alemão chegou, usava seu capacete, joelheiras e cotoveleiras. Não usava óculos, e tinha um corte no queixo e no lábio inferior. Quando Danny viu-o machucado, puxou-o rapidamente para dentro da sala. Depois de umedecer um pedaço de algodão, foi sentar-se de frente para Maurice no sofá. Ali, o jovem limpou a ferida do queixo do outro.

- Onde caiu?

- Na escada do prédio.

- Está doendo muito?

- Não.

            Depois de limpar o sangue do queixo, Danny levou o algodão para o lábio inferior do rapaz.

- Por quanto tempo acha que dormiu?

- Não sei.

            No momento em que Danny terminava de limpar o sangue do lábio de Maurice, seus olhos se encontraram com os dele. Algo em Maurice estava mais atraente do que o habitual. Danny não saberia dizer o que o fizera ficar assim. Só o que soube é que sentiu forte desejo em beijar aqueles lábios convidativos.

            Os rapazes se fitaram por um longo tempo, até, inesperadamente, Danny tomar a iniciativa, se inclinar e tocar seus lábios nos de Maurice. O rapaz alemão sentiu grande surpresa, no entanto, apreciou o beijo e retribuiu. Ambos se beijaram lentamente, de olhos abertos, olhando um para a boca do outro, como se esperassem por algo. Após segundos maravilhosos, Danny afastou-se de Maurice.

- Eu... Acho que devo me desculpar. – disse Danny, sem saber o que dizer.

- Não se desculpa algo assim. Tudo bem.

            Uma pausa envergonhada.

- Na verdade... – começou Danny, incerto.

Olhou para o algodão sujo de sangue em sua mão.

- Se era sua intenção fazer isso há mais tempo, eu não teria lhe impedido. – disse Maurice.

Danny olhou-o.

- Eu... Não quero...

- Uma relação comigo. Eu sei. – disse Maurice, calmamente.

- Mas é que... Talvez eu... Talvez eu queira te beijar de novo. – disse Danny, olhando Maurice o mínimo possível. – Só que...

Uma pausa.

- Você ficaria comigo?

- Que? – perguntou Maurice, muito surpreso.

- Ficaria comigo? Podemos ficar. Isso lhe interessaria?

- Ficar? E não namorar?

- É.

- E por que gostaria de ficar comigo e não namorar?

            Quando Danny não respondeu, Maurice acrescentou:

- Adorei nosso beijo. De verdade. Se quisesse me beijar de novo e outras vezes mais, eu deixaria. No entanto, mesmo depois de tudo o que lhe disse, vejo que me conhece mal ainda. Achei que já confiasse em mim. Ficar com você seria maravilhoso, mas ficar com você e não ter sua confiança não me faz sentir amado de forma alguma. Até decidir o que você realmente quer comigo, continuaremos sendo amigos, está certo?

            Maurice sorriu-lhe e saiu do apartamento.


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