A Deusa Perdida escrita por mari mara


Capítulo 33
“I'm hiding the tears in my eyes 'cause boys don't cry”


Notas iniciais do capítulo

Olá gente! *u*
Esse é pra todas que leram e comentaram no último, me desculpem pelo choro! E Larissa, desculpa postar antes de você responder, mas é que eu acabei um pouco antes do esperado e já fazia uns dias que eu não atualizava :c
Boa leitura!
Ps. o título é da música 'Boys don't Cry', do The Cure, e significa 'estou escondendo as lágrimas nos meus olhos porque garotos não choram'. Já é uma prévia do que vem por aí..



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/157251/chapter/33

33. “I'm hiding the tears in my eyes 'cause boys don't cry”

Parte I: Point of View — Nico di Angelo

— Engraçado — comentei enquanto fitava as escadarias que levavam ao colégio — Não consigo imaginar você dando uma de adolescente normal por aqui.

Hannah riu, como se minha frase fosse extremamente engraçada. Embora eu realmente tivesse dito a palavra 'engraçado', não fora bem nesse sentido.

— Você fala como se acreditasse que fui normal em algum dia da minha vida.

Eram algumas meias horas depois de termos nos beijado. Estávamos na fachada da antiga escola dela, enquanto Muke terminava de fazer qualquer coisa que realmente não me interessava ainda no trailer, a alguns quarteirões, e todos os outros também estavam por lá. Lógico que isso não tinha nada a ver com o olhar de 'fiquem quietos' que eu tinha lançado ao Percy antes de eu e Hannah pisarmos na calçada.

— Talvez você seja normal no seu próprio jeito esquisito. Mas é legal. Eu gosto — essa frase poderia ter sido terminada no 'esquisito', mas por alguma intervenção divina do além, não.

Sendo sincero, eu me sentia feliz, uma palavra que não aparecia no meu dicionário de filho de Hades há um bom tempo.

— Sua sinceridade me emociona, Nicolau — Hannah respondeu observando a rua, com o tom de voz de quem estava sorrindo — Mas obrigada mesmo assim. Você também é bem normal ao seu modo bizarro, chutando a bunda dos mortos de volta pras tumbas ou sei lá o quê — ela então se virou pra mim — E acredite, um garoto quebrando o cabaré com os mortos é definitivamente um garoto bem sexy.

Um fato divertido sobre aquele momento: nós não sabíamos se deveríamos agir feito amigos ou algo mais, então estávamos nesse meio termo que me deixava bastante confortável. Mas 'sexy' numa frase dirigida a mim ainda tinha o poder de deixar meu rosto queimando. Eu tinha minhas raízes introvertidas, nunca conseguiria mudá-las.

— Aww, você ficou vermelho! — ela cutucou as minhas bochechas — Que coisa mais fofinha!

E isso não ajudou na minha repentina presença da cor vermelha na cara.

— Que isso, te beijo uma vez e você já fica achando que pode me tratar que nem cachorro de rico? — cruzo os braços sobre a caveira mal-encarada da minha camiseta — Não é assim que as coisas funcionam, moça.

Um grupo de adolescentes passara e nos observara atentamente, mas nenhum de nós dois deu a mínima.

— Quantas vezes teremos que repetir até que eu tenha esse direito? — perguntou, o que me fez levantar um dos cantos da boca.

— Duas. Talvez três. Acho quatro um bom número.

Hannah se aproximou de mim, tentando ler minha expressão com os olhos contornados de preto.

— Que tal cinco?

Não segui meu instinto de aumentar novamente a distância entre nós, ignorando a parte do meu cérebro que me aconselhava a evitar o máximo de interações físicas com quem quer que seja. Ela estava lá desde, hum, sempre, mas estava sendo abafada por uma outra parte que me mandava continuar nadando nessa área.

— Meia dúzia me parece um bom começo, leggiadra.

Eu não achava que ela fosse responder, até porque não continuaríamos a aumentar os números até chegarmos em algum múltiplo do infinito. Na verdade, eu já segurava seu rosto entre as mãos e sentia seus braços em volta de mim enquanto nos beijávamos novamente antes que um de nós dissesse que sete seria legal porque, sei lá, é o número da perfeição pros cristãos.

— Já comentei que adoro quando você fala italiano? — ela afastou a cabeça por um segundo, mas ainda se manteve perto de mim.

— Se é assim, vou começar a usar com mais frequência.

— Bom. Muito bom — Hannah disse sorrindo e então me beijou mais uma vez, o que nos havia dado a conta de mais quatro beijos até que ela tivesse o direito de me tratar feito cachorro de gente rica.

Talvez eu devesse ter falado o negócio do infinito.

Ok, deixando a idiotice um pouco de lado, tenho de admitir a todos que nós nos mantivemos nos beijando por mais um bom tempo, porque o lado do meu cérebro que me mandava soltar a franga tinha razão. Embora nossas conversas irônicas e cheias de patadas tanto da minha parte quando da dela fossem bastante interessantes, o que fazíamos naquele momento era ser um pouco mais. É, vivendo e aprendendo.

Certamente, as pessoas que passaram na rua repararam num garoto estilo branco-no-preto beijando uma loira de coturnos por longos minutos intermináveis, mas felizmente ninguém se dera ao trabalho de nos incomodar. Digo, quase ninguém.

— Com licença Playboy, mas a Punk tem coisas mais importantes a fazer agora do que enfiar a língua na sua guela. — Uma frase: não se teve um timing tão perfeito desde que acordei e dei de cara com Percy e Annabeth arrancando as próprias roupas.

Grunhi alguma palavra não muito educada e dei de cara com o Muke, o único cara do mundo cujas roupas combinavam demais entre si. Suspeito.

— Ela tem as próprias prioridades, Solzinho. Uma pena que você não seja uma delas — respondi, e Hannah não conseguiu segurar o riso. O filho de Apolo rangeu os dentes, irritado.

— Estarei esperando você dispensar esse crioulo lá dentro, Punk — ele desceu os óculos escuros estilo policial da cabeça e subiu a escadaria do colégio, se misturando rapidamente entre os outros alunos.

Hannah deu um passo para trás, se afastando.

— Talvez eu deva ir, antes que ele desista de me ajudar — ela acertou a barra da blusa, embora eu não tivesse tocado lá — Você tem razão quanto a essa coisa de prioridades, mas nós podemos continuar depois. Não será um problema, ao menos não pra mim.

A filha de Zeus riu, mas eu estava com o rosto sério.

— Olha, Han... Ainda acho que você não deve ir com ele.

O sorriso dela sumiu por não querer voltar nesse tópico.

— Eu já respondi isso.

— Mas você tem certeza? — reforcei. Nosso colega que combinava as roupas feito um estilista hollywoodano gay continuava não sendo confiável.

Eu percebi que ela hesitou por um momento, como se pensasse melhor na proposta, mas logo se manteve firme.

— Absoluta. Faça o seguinte, a algumas quadras daqui tem um Starbucks, na Sunset Avenue. Vocês podem dar uma pausa por lá pra passar o tempo, e nós nos veremos de novo, assim como todo mundo.

— Não sei, não, Han.

Ela revirou os olhos.

— Deixa de cisma, Nico. Eu sei lutar por mim mesma — ela cutucou meu peito — Aprendi uns esquemas com o melhor, sabe?

Dei um quase sorriso pra ela. Eu sabia que tentar tentar tirar uma coisa da cabeça da Hannah seria como tentar mover o Monte Everest um pouco mais para a esquerda, por isso simplesmente respondi com 'tá certo' e acenei de volta quando ela acenou alegremente para mim do alto da escadaria.

Eu devia ter insistido. Mesmo que ela batesse o pé e reclamasse, sei que devia ter seguido meu pressentimento de que algo daria errado. Eu devia ter dito que, embora eu não admitisse pra ninguém, nem ao menos pra mim mesmo, eu não suportaria que algo de ruim acontecesse a ela.

Mas não. Eu desisti.


Depois de dez minutos procurando juntos pela Hannah no colégio, Percy, Annabeth e eu resolvemos nos separar. A sensação de que ela estava à beira da morte ficava mais forte a cada momento, fazendo minha cabeça doer e o peso do mundo cair sobre meu peito, o peso da culpa de ter deixado ela vir sozinha com o Muke.

Falando nisso, onde estava o Muke? Eu não via o maldito morrendo também.

— Hannah! — berrei seu nome várias vezes esperando alguma resposta, mas até agora eu só ouvia os roncos baixos do resto das pessoas no prédio que se encontravam desacordados no chão: uma obra de algum deus sem o que fazer que eu não tinha tempo pra admirar.

A cada loura que eu via no chão, minhas esperanças aumentavam, e então se esmagavam de novo ao eu ver que não era ela. Eu tinha vontade de socar a primeira coisa que aparecesse na minha frente, frustrado por não ter a certeza de que ela ficaria bem.

Isso não era justo. Nem um pouco.

Tento seguir o rastro da morte que todas as pessoas têm nesses últimos momentos, mas por algum motivo idiota não havia apenas o dela. Eu não via mais ninguém, mas a sensação era de que eu andava num cemitério. O ar estava cheio desses rastros moribundos que me confundiam, o ainda novo da Hannah com outros velhos demais, como se pessoas mortas a quinhentos anos tivessem brotado ali. Eles se misturavam na minha cabeça, me fazendo andar em círculos, enquanto os zumbidos pioravam. A cada segundo que se passava eu sentia que estava mais difícil pra ela se manter viva.

Deixo escapar um grito de frustração.

— Qualquer deus inútil que estiver me escutando, por favor, me faça achar a Hannah! — berro para o teto, esperando que alguma intervenção divina me ajude — Eu estou implorando, pelo amor de vocês mesmos!

O silêncio se fez presente ao meu redor mais uma vez, piorando a dor na minha mente e no meu peito. De repente toda a emoção que eu deixei de sentir, ou ao menos deixei de demonstrar, nos últimos quatro anos voltou com a mesma intensidade de um raio. Se nesses últimos tempos os campistas do Acampamento viviam se perguntando porque eu não sorria (nem mostrava qualquer sentimento humano desprezível, como tristeza, alegria ou amor), agora eu não tinha tempo de esconder o medo estampado em meu rosto.

Um grito cortante preenche meus ouvidos, e por bem ou por mal é uma voz fina de garota. E definitivamente não é Annabeth.

— Hannah! — chamo por ela várias vezes novamente, mas pelo que meu sexto sentido hadístico mostra sei que provavelmente não está me ouvindo.

Agora em vez de um grito eu ouço soluços baixos, como os de um choro abafado. Depois de meio segundo reconhecendo de onde eles vêm, vou seguindo o som até que graças a algum deus de coração bom (ou sádico) eu finalmente a acho. Mas a aura, o rastro, a presença da morte é tão forte que me deixa entorpecido. A única coisa que me faz voltar à plena consciência é quando realmente a vejo.

Ela está em posição fetal no chão, feito um recém-nascido, com os joelhos dobrados e as mãos próximas do rosto. Cada centímetro de sua pele está roxo, machucado ou sangrando; suas roupas se encontram surradas como não estavam e, assim como os fios louros, estão manchadas com o vermelho escuro.

De todas as mortes que eu já presenciei com meus olhos (e não foram poucas), é a pior. Porque a Hannah que eu via agora não era a mesma que passou de uma estranha à primeira garota que me deixava com cara de retardado. Era um reflexo distorcido e doentio da Hannah que me deixara envergonhado hoje de manhã.

Me ajoelho e com o máximo de cuidado o possível a coloco sentada, com as costas apoiadas na parede. Mesmo assim, ela parece não conseguir suportar o próprio peso na coluna e contorce o rosto de dor no processo.

— Oi, Nicolau — ela sorri com dificuldade quando seguro seu rosto, manchando minhas mãos de sangue fresco.

— Han, ah meus deuses, o que.. — minha voz some quando vejo que seus olhos marejados estão de um azul desbotado, doentio. Ela tem a respiração irregular quando aponta a mão trêmula em algo que eu não havia reparado ainda.

A centímetros de mim havia uma lança de quase dois metros de altura, jogada como os alunos adormecidos. Devia ser uma arma muito bonita no passado, mas agora que metade do seu dourado estava coberto de vermelho eu tinha vontade de enfiá-la no olho do dono.

Que por sinal, era a deusa da Vitória. Eu já havia visto miniaturas o suficiente com os campistas do chalé 17, Niké, para saber que era o símbolo divino dela.

— Eu.. consegui tirar ela de mim — os lábios da Hannah tremem — Com.. muito.. esforço.

Se tem algo pior que a dor da ferida de uma arma parecida com uma flecha ou uma lança, é puxar de volta a flecha ou lança. Não é atôa que pude escutar seu grito de longe.

Encosto de leve onde estão suas costelas, e ela geme. Estão quebradas.

— Posso ver onde pegou? — é a única coisa que consigo falar na hora, embora não fosse nem de longe o que eu gostaria. Han faz que sim fracamente, e enquanto levanto sua blusa, posso ver de soslaio que seus olhos se umedecem mais a cada corte que o pano esbarra.

Não era como eu imaginava que seria a primeira vez da minha vida tirando a blusa de uma garota, é verdade. Mas se me perguntarem o que eu vi, a resposta verdadeira é nada. Nada além da ferida um pouco acima do umbigo, à esquerda. Toda a região em volta dela estava roxa.

Eu sabia que as coisas não estavam nada bem. Primeiro porque havia grandes chances de ter acertado o estômago. Aula de biologia básica, estômagos são coisas bem úteis quanto perfeitos, mas de contrário, podem te machucar fatalmente por dentro. Nunca mexam com seus estômagos, pessoal.

Ah, e segundo porque meu sexto sentido estava levando a Hannah cada vez mais pro fundo do poço. A respiração dela agora estava mais devagar do que quando a encontrei.

— O néctar vai ajudar, Han — tento manter a voz calma, mas ela saiu trêmula demais pra isso — Vai.. vai ficar tudo bem.

Ela ri ironicamente, ou ao menos tenta.

— Acha mesmo?

Não. Eu sei que não. Eu vejo que não.

Pego o pequeno cantil de néctar que carrego sempre comigo e passo um pouco na ferida. Sei que sente dor quando toco, mas ela morde o lábio para não gritar.

— Acho. E sabe por quê? Eu não te tirei da rua pra isso. Nós viemos até aqui, na última parte da Clave, e eu proíbo que tudo termine desse jeito — meu sexto sentido fica mais intenso, os zumbidos mais apreensivos. O néctar parece não estar ajudando porcaria nenhuma, então seguro-a pelos ombros com medo que suma de repente — Você é uma deusa, e deuses são imortais, o que quer dizer que você não pode morrer! — fecho os olhos com força e tapo os ouvidos quando os zumbidos na minha cabeça ficam insuportavelmente altos — Você não vai tirar ela de mim, pai!

Sinto sua mão sobre a minha. Hannah entrelaça nossos dedos, e então faz-se o silêncio quando sinto seu aperto afrouxar. Sem mais vozes falando na minha cabeça. Sem mais o som de sua respiração descompassada.

Meu queixo treme involuntariamente, e embora nem ao menos me lembre quando foi a última vez em que chorei na minha vida, sinto o rosto molhado quando ergo o braço e fecho seus olhos.

— Me desculpa — aperto com força a mão dela, que agora já está tão fria quanto a minha. Que irônico, eu mesmo vivo tenho a mesma temperatura de alguém cujo coração parou de bater — Me desculpa por não conseguir salvar você, leggiadra.

Não consigo impedir a mim mesmo de chorar a ponto de soluçar, feito uma criança. Feito quando essas mesmas vozes me disseram que Bianca tinha partido e eu não quisera acreditar.

— Você sabe que eu tentei avisar vocês, não sabe?

Viro-me de uma vez, sem reconhecer a voz atrás de mim.

Não sei quem esperava, mas definitivamente não era quem foi. O deus da Morte está de pé a alguns metros de mim, parecendo desolado com duas asas compridas na frente de um armário de colegial e os adolescentes dormindo aos seus pés.

— Que quer de mim, Tânatos? — passo a mão livre no rosto, limpando qualquer resquício de emoção. Ele não entenderia, assim como provavelmente ninguém mais além de mim. Agora eu era novamente o garoto sem sentimentos já conhecido por todos.

O deus se aproxima a passos largos, parando na minha frente. Como não faço questão de me levantar, pois não quero soltar a mão da Hannah, ele suspira e se senta na minha frente.

Na verdade ele não realmente se senta. Fica pairando a alguns centímetros do chão. Mas que seja.

— Não estou mentindo, di Angelo. Eu realmente tentei avisar vocês.

O já conhecido tablet do deus da Morte surge na sua frente, e após mexer um pouco, ele o vira pra mim. A primeira coisa que vejo é uma foto da Han, sorridente e viva como no início do dia. Tenho que respirar fundo para ler o resto.

“N° 583.956.184 — Hannah Alekseyevna Nebavskaya
Filha de Zeus (posteriormente deusa das Nuvens e da Música)
Nacionalidade: russa
Local de morte: Los Angeles, Califórnia, Estados Unidos da América
Causa: Assassinato
Situação: Ainda a ser encaminhada ao Julgamento.”

Fito a data do arquivo. Era de cinco dias atrás, antes mesmo de irmos a Washington. Ele sabia? Todo esse tempo ele sabia que a Hannah ia morrer?

— É lógico que eu sabia — o tablet some de suas mãos — Sou o deus da Morte. Recebo os nomes tempos antes da pessoa realmente falecer — ele me encara com o rosto duro, os olhos escuros sem nenhuma emoção — Por que você acha que nos encontramos no cemitério?

Encolho os ombros, novamente sentindo como se o ar pesasse uma tonelada sobre mim. Na hora pareceu normal, mas agora é óbvio que encontrar com um deus nunca é coincidência.

— Boatos corriam entre os deuses dizendo que você tinha a salvado, mas não acreditei. Então vi o nome na lista e quis descobrir se era ou não verdade — o deus olha para minha mão. Era doloroso sentir a Hannah fria e sem vida, mas eu ainda não havia a soltado — Mas então eu vi vocês dois juntos e pensei que não era justo. Seria cruel demais, até para a Morte, tirar mais alguém de você, di Angelo. Você já perdeu muitas pessoas que ama pra mim. E para seu pai.

Minha mãe e Bianca. Não eram muitas realmente, mas mais do que eu posso aguentar.

— E agora, você levou a Hannah. Obrigado por isso, Tânatos — digo amargamente, fuzilando-o com os olhos.

— Eu a chamei pelo sobrenome. Achei que seria o suficiente para vocês perceberem que o nome dela estava na lista.

Mais uma vez, amaldiçoo minha ingenuidade. Sinto o rosto ficar quente, e de repente a única coisa que sinto é raiva.

— Não foi! — elevo o tom da voz — Você poderia ter nos dito de uma vez, talvez ela ainda estivesse viva agora!

O deus não de deixa abalar pelo meu acesso de raiva.

— Não posso eu mesmo impedir uma morte, di Angelo. Como filho de seu pai, você é quem mais deveria saber disso — o rosto dele se abranda um pouco, vai de 'sem expressão' à 'quase sem expressão' — Mas se quer saber, dei um pouco mais de tempo a vocês. Era para ela ter cruzado a fronteira do Hades pouco antes de você achá-la.

A raiva passa tão rápido quando surgiu.

— Nos deu.. tempo? — pergunto perplexo — Por quê?

Assim que as palavras saem da minha boca, eu percebo por quê. Nem ao menos me lembro de quando mãe morreu, e estava longe de Bianca quando ela se foi também. “Seria cruel demais, até para a Morte, tirar mais alguém de você”.

— Exatamente — diz ele, novamente lendo meus pensamentos — Você não teve tempo de se despedir de nenhuma das duas. Quando gritou ajuda aos deuses para que a achasse, resolvi dá-lo ao menos uma chance.

Fecho os olhos e respiro fundo. Ele poderia ter me dado uma chance pra salvá-la, ao menos.

Tânatos se levanta e pega Han do chão, um braço embaixo de seus joelhos e outro passado em seus ombros. Assim que está em seus braços, ela adquire o tom quase transparente de um fantasma, assim como o de minha irmã, e uma toga branca, como acontece a todos que vão atravessar para o Hades.

A mão dela escorrega da minha, e é como se só agora ela realmente estivesse morta pra mim.

— Não! — me levanto e olho para a Hannah, esbranquiçada e inerte. Não era a última imagem que eu gostaria de ter dela.

— Ela deveria estar de frente para os Juízes nesse exato momento — diz Tânatos.

— Deixe-me falar com meu pai primeiro, por favor — imploro — Talvez.. ele a dê outra chance.

O deus levanta uma sobrancelha.

— Acredita mesmo nisso?

A verdade é que Hades não é um pai muito compreensivo. Mas eu faria o meu máximo.

— Acredito — respondi, por fim.

Tânatos suspira.

— Aprecio sua força de vontade, mas é meu trabalho. Sinto muito — ele bate as asas e se eleva no ar, fora do meu alcance — O nomos einai dyskolo alla einai o nomos, gios tou Adis. Thanatos kerdizei panta.

“A lei é dura mas é a lei, filho de Hades. A Morte sempre vence.”

~~

Parte II: Point of View — Percy Jackson

Nico surgiu na minha frente, na quadra, meia hora depois de termos nos separado. Antes mesmo dele abrir a boca, sei que havia encontrado a Hannah.

Suas mãos e seus braços estão manchados de sangue, e embora eu não possa dizer o mesmo de sua camisa porque ela é escura, posso apostar que também está. Há uma sombra em seu rosto, que está sem expressão como antigamente, e a única prova de qualquer emoção são os olhos vermelhos de choro, imagino.

Annabeth chega correndo e para do meu lado, ofegante pela corrida. Assim como Nico tem o sexto sentido para saber quando as pessoas morrem, ela certamente tem para quando as pessoas aparecem.

— Nico, ela.. — Annie deixa a frase no ar. Ele não responde.

Respiro fundo, sem saber o que dizer. Quando Annabeth levou uma facada quase que mortal na Guerra dos Titãs, nenhuma das palavras de apoio ditas a mim funcionaram pra me ajudar.

E também, minha garganta estava fechada. Eu estava em choque. Nunca mais veríamos aquela menina doida com quem eu havia conversado há menos de quatro horas.

Annie abraça meu primo, que embora deteste esse tipo de interação social, foi educado o bastante para quase retribuir.

— Eu sinto muito — diz ela — Não era pra terminar assim.

— Ela não está morta.

Annabeth se afasta e arregala os olhos. Eu encaro-o sem entender. Não?

— Não? — repito em voz alta, fitando suas mãos manchadas de vermelho — Como não?

Só falta ser uma daquelas piadinhas de mau gosto hollywoodanas, e agora a Hannah vai surgir no meio da quadra gritando 'surpresa!'.

Mas não. Era um pouco menos alegre que isso.

— Sou o único filho de Hades vivo na terra. O rei dos fantasmas — um brilho surge nos seus olhos, um brilho sombrio que eu não via neles a um bom tempo — Ninguém está morto até que eu diga o contrário.


Eu não gostava do Mundo Inferior. Nunca gostei.

Na verdade, se eu fizesse uma lista dos três lugares que eu menos gosto na Terra, seria mais ou menos assim: Mundo Inferior, topo da montanha em São Francisco onde Atlas segura o céu, e Mundo Inferior.

Legal ressaltar que também não gosto do meu tio com nome de suco de caixinha.

Falando sério, eu só havia estado lá três vezes, e todas as três deram merda. Na primeira quase caí no Tártaro com os tênis amaldiçoados de Luke. Na segunda fui contra minha vontade atrás de uma espada de umas chaves bizarras de Hades e quase fui morto por uns espíritos de doença ou sei lá o quê. E, por último mas não menos importante, na terceira fui prisioneiro no castelo do deus dos Mortos, o que por si só já é quase um suicídio. Três situações traumáticas que não desejo a ninguém. Ou a quase ninguém.

E agora, as sombras haviam me atirado primeiro de uma altura de dois metros, jogando Nico por cima de mim.

— Cuidado por onde nos cospe, colega — resmungo tirando a cara enfiada na terra, enquanto ele sai de cima de mim.

— Desculpe. Eu tento a anos descobrir como fazer essa coisa ser menos barbeira, mas não tive muito sucesso.

Antes que eu possa me levantar direito, Annabeth sai do além e é jogada pra cima de mim também. Mais uma vez, sinto o lindo gosto que é o de terra.

Tá vendo, é só eu pisar no Mundo Inferior que já começam querendo me matar.

— Faça algum comentário sobre meu peso, Cabeça de Alga, e considere-se solteiro — Annie rola pro lado, e eu me coloco de pé.

Olho a minha volta. Estamos pisando numa grama preta bastante pisoteada, debaixo de um teto de caverna. Sombras nos observam atentamente, paradas a certa distância. Que eu me lembre, elas se afastam sempre que Nico passa por perto. Thalia até mesmo já dissera brincando que o levaria consigo na próxima vez que fosse ao shopping, porque ele é muito bom com multidões de zumbis.

— Droga! — Nico xinga irritado — Sombras imbecis, eu pensei Juízes e elas nos trouxeram pros Campos de Asfódelos!

Ele grunhe mais alguma coisa em italiano e sai abrindo caminho por entre as almas, que logo lhe dão passagem. Instintivamente, seguro a mão de Annie quando nós o seguimos até os portões do Campo.

Não sei exatamente por quê. Acho que era por medo dela desaparecer de repente, feito acontecera ao Nico com a Hannah.

— É loucura isso, não é? Como as pessoas podem vir pra cá tão rápido — diz tristemente Annabeth — Num momento estamos comemorando o término na busca, no outro..

Faço que sim com a cabeça.

— Acho que as Parcas não estavam de bom humor hoje.

Silêncio.

— Falando em Parcas, estive pensando numa coisa.. — minha namorada finalmente fala — Se elas não teriam feito isso por um motivo.

— Como assim? — franzo as sobrancelhas. Eu não via motivo nenhum para as Parcas matarem a Han. Tá que ela falava demais às vezes, mas isso não era o suficiente.

— Ela e.. você sabe — Annie aponta para o Nico com a cabeça, que estava a uns bons metros de nós ainda abrindo espaço por entre as almas. Ela abaixa o tom da voz num sussurro para que ele não possa escutar — Era óbvio o quanto eles se gostavam.

— Você está dizendo que o Destino pode ter armado pra cima deles? — eu ainda não conseguia compreender seu ponto de vista.

— Sim, mas não como você está pensando. Quero dizer, era o fim da busca, não era? E o que aconteceria depois? — vou responder, mas percebo que era uma pergunta retórica — Zeus certamente trancafiaria a Hannah de volta no Olimpo, com receio que quem quer que tenha a raptado repetisse o feito. E, sendo o pai ciumento que é, daria um jeito de impedir que ela continuasse a ver o Nico, ainda mais por ele ser filho de Hades. Todos sabem o quanto Zeus detesta Hades, e vice versa.

— É verdade, mas.. ainda não entendo por que isso seria um motivo válido.

Annabeth respira fundo.

— Me responde uma coisa, Percy. O que doeria mais em você, que eu morresse e nós não tivéssemos mais nenhuma chance de ficarmos juntos; ou que eu, sei lá, me juntasse a Caçada e você tivesse consciência de que eu estaria sempre lá, vivendo minha vida, mas que seria impossível para nós ficarmos juntos?

Penso por um instante.

— Os dois seriam igualmente dolorosos.

— É, sim, mas qual seria o, como dizer... Mais frustrante?

E então, eu entendo. Uma coisa é perder alguém e saber que você não pôde fazer nada para impedir isso, outra é a pessoa estar sempre lá e você não ser capaz de estar perto dela. A primeira é de certa forma superável após vários anos, já a segunda é frustrante para o resto da vida.

— As Parcas estão poupando o Nico?

— É só uma hipótese, mas talvez — Annie morde o lábio — Além do mais, ela mesma dizia que já tinha treze anos desde seus tempos de escola. E isso tem o quê, um ano? Dois? Ao contrário dele, nunca envelheceria.

— Está dizendo que nós devemos desistir de tentar trazer a Hannah de volta, porque o Nico vai terminar frustrado para sempre? — pergunto, o que faz Annabeth arregalar os olhos.

— Não, de jeito nenhum! — ela balança a cabeça — Não foi uma morte natural, uma morte justa. Ela merece outra chance. E de qualquer forma, se Zeus e Hades realmente tentarem separá-los, conhecendo esses dois sei que estarão pouco ligando para o que os pais têm a dizer.

Sorrio um pouco. Pais olimpianos que não aprovam as duplas dos filhos são mais comuns do que parece.

— Assim como nós, não é?

Poseidon e Atena nunca foram muito amigáveis um com o outro, o que faz com que eles sejam muito ressabiados com nosso namoro.

— É, que nem a gente — Annie apoia a cabeça no meu ombro, ainda segurando minha mão.

Nós chegamos no portão negro dos Asfódelos pouco antes de Nico empurrá-lo.

— Qualquer um pode abrir esse negócio? — pergunto desconfiado. Se for assim, a quantidade de almas que fogem para o Elíseo por dia deve ser catastrófico.

— Não, só eu. Ou meu pai — nós passamos, e ele fecha a passagem novamente. Reparo que quando faz isso o portão escuro brilha levemente em prata, como se estivesse sendo selado. É, passar pro Elíseo não é tão fácil assim.

— A Hannah já está sendo julgada? — quer saber Annabeth quando nós já caminhamos rápido pelas ruas (ou que quer que sejam) do Mundo Inferior.

— Não tenho certeza, mas acho que não — responde com o olhar preocupado. Ele deve estar mais abalado do que demonstra — Mas eu preciso impedir o julgamento. Uma vez que os Juízes decidem pra onde a pessoa vai, é praticamente impossível--

— AI GRAÇAS AOS DEUSES EU ENCONTREI VOCÊS.

Pisco ao escutar a frase. Que coisa anormal, a voz é da..

— Rachel? — perguntamos os três quase que em uníssono ao vermos o Oráculo correndo em nossa direção. Ela chega até nós ofegante, e abraça o Nico daquele jeito que mães costumam fazer, quase nos sufocando.

— Amém que você tá aqui meu filho, nós quase ficamos perdidos nos Campos de Punição. A primeira coisa que seu pai deve fazer ao reformar esse lugar é um mapa de entrada, porque pelamor, não dá pra andar sem guia! E agora você é o guia, obrigada.

Ele se desvincula dela e ofega, sem ar.

— Nós temos um mapa, fica na sala de estar do meu pai — ele espera a respiração voltar ao normal. Então franze a testa — Espera, você disse nós?

— É. Eu e o Oráculo. É melhor pensar assim do que admitir que estava sozinha — ela treme com um calafrio — Deuses, esse lugar é horrível. Você realmente mora aqui quando não está no Acampamento?

— Sim, só que não é como parece, é pior. Mas como exatamente você, ou vocês, estão aqui?

— Começou quando eu tive uma visão — diz ela, mordendo o lábio — Uma visão muito, muito ruim. A Hannah, bom.. Ela tinha morrido.

Nicolau fecha os olhos e respira fundo.

— Ela realmente morreu, Rach. Eu estava lá na hora.

A ruiva coloca as mãos sobre a boca, perplexa.

— Ah, não! Santo Zeus, Nico, eu sinto muito.

Ele encolhe os ombros.

— Já vi várias pessoas morrendo. Tudo bem — mas algo na sua voz dizia exatamente o contrário.

— Rachel. Como você chegou aqui? — Annie repete a pergunta que não quer calar.

A ruiva continuava com os olhos verdes arregalados.

— Eu e Orchard estávamos andando na rua quando tive a visão. Era horrível, haviam vários soldados mortos, e no fim só tinha um nazista que.. — ela olha de soslaio pro Nico e resolve poupá-lo de detalhes — Enfim. Quando fiquei consciente de novo, nós não soubemos o caminho para o colégio novamente então rezei pedindo ajuda a Apolo. Ele ficou puto quando soube e me mandou pra cá dizendo que vocês estariam aqui em alguns minutos, que na verdade foi quase meia hora. Estive rodando sem saber pra onde ir até agora.

— Apolo trouxe você até aqui? — repito — Que coisa aleatória. Porque não foram até o colégio de uma vez? Ele é deus dos médicos, poderia ter feito alguma coisa.

— É... Bom, é um ponto de vista válido — Rach encolhe os ombros — Não pensamos nisso na hora.

— Nenhum deus entra na terra de outro sem que alguém por dentro dê permissão — Nico coloca a mão no queixo com as sobrancelhas franzidas — Apolo não conseguiria simplesmente entrar e..

— Ele só me deixou aqui e foi alertar os outros no Olimpo, com o Orchard.

Nico assente, mas não parece acreditar muito na história.

— Certo — suspira — Nós estávamos indo aos Juízes antes de vocês surgirem. Temos que tirar ela de lá antes de.. de.. Rachel! Você ao menos está prestando atenção no que estou falando? — ele se irrita.

O Oráculo estava olhando ao redor, muito concentrada em alguma coisa.

— Estou sim, é só que... — ela balança a cabeça — Deixa pra lá, continue. Deve estar quebrado.

— O que está quebrado? — agora é minha vez de olhar ao redor, procurando não sei exatamente o quê. Além dos muros negros do Asfódelos e do castelo de Hades ao fundo, nada.

— Não é o que estou pensando, é? — Annabeth parece ressabiada.

— É. Meu Mukômetro. Tive a sensação de que o Muke estava aqui, mas.. — ela fita algo ao fundo concentrada, e logo arregala os olhos — Está funcionando sim! É ele! Oh meu Santo Apolo de Sunga, é ele!

Achei que o ar quente do Mundo Inferior estivesse fritando os miolos de minha amiga, mas vejo o filho de Apolo ao longe, num ponto mais alto, com as mesmas roupas que estava de manhã. Ele parece estar conversando (brigando?) com alguém, mas não consigo ver quem.

— Que coisa bizarra — diz Annabeth — Será que ele também teve algum tipo de visão e rezou pro pai?

Antes que eu me dê conta de alguma coisa, Nico está marchando com sua expressão de 'vou torcer uns pescoços' na direção do indivíduo loiro. Por estarmos no Hades, cercados dessa aura de morte, ele parece mais sombrio do que normalmente é.

— Vocês duas, fiquem aqui — me viro pras garotas — Qualquer coisa, vão para os portões do Elíseo.

Annie assente, mas Rachel não é tão compreensiva.

— Cê tá drogado se acha que eu vou ficar aqui enquanto o filho do Zé Ramalho vai aos tapas com o meu futuro namorado, né?

'Meu futuro namorado'. Hm.

— Talvez eu esteja mesmo, esse ar do Submundo nunca me fez bem — dou de ombros — Você fica com a Annie enquanto eu vou atrás do Nico. Nós viemos aqui pra ele salvar uma vida, não tirar outra.

— Mas Percy! — ela me olha indignada.

— Sem mais, Dare. Sinto muito, seu futuro namoro pode esperar.

Annie me beija, sussurra 'boa sorte, Cabeça de Alga' e sai arrastando a ruiva contrariada (que continua me xingando até onde posso escutar) pra direção contrária. Coloco todo o treinamento de corrida com as ninfas que tive em prática para alcançar Nico. Ele estava no meio de seu caminho para separar a alma do filho de Apolo do corpo.

Seguro-o pela camisa e o obrigo a parar. Ele tenta se desvincular, mas quando vê que é inútil, bufa.

— Será que o senhor poderia me deixar em paz, Jackson? — ele olha com raiva pra mim, parecendo uma miniatura do pai ao fazer faz isso.

— Ei, calma — solto-o — Não vou impedir você de nada. Só quero que saiba que salvar a Han é mais importante que fazer o Muke lamber o chão — diante das minhas experiências do dia, eu podia dizer que isso não é nem um pouco agradável.

Pausa.

— Ele não estava lá na hora — diz, simplesmente.

— Hum?

— Quando ela morreu. Ele não estava em lugar nenhum. Tenho a impressão que parte da culpa disso tudo é dele.

Olho de relance para o garoto distante de nós. Por mais que eu não fosse com a cara dele, nunca esperaria isso. Eu imaginava que ele tivesse um mínimo de consideração pela Han, depois de tanto tempo se intrometendo em (palavra da Annabeth, não minha) Hannico.

Muitas vezes acho que o Nico tem raiva demais pra um garoto de quatorze anos. Mas dessa vez, eu entendia.

— Mudança de planos. Os Juízes podem esperar.

Nico dá um sorriso sádico.

— Vamos chutar a bunda do Solzinho primeiro.

Chegamos até onde Muke se encontra, próximo do Rio Estige. A pessoa com quem achei que estivesse conversando não estava mais presente, se é que realmente havia alguém. Nico vira-o pelo ombro, sem esconder a raiva que sente do rosto, mas Muke não parece surpreso.

— Seriam o Playboy e o peixe espada? — ele sorri debochadamente, sem tirar os óculos aviador dos olhos. Mas as lentes são claras o bastante para que eu veja para onde está olhando — Mas que coincidência.

Maldito. Estou cismado com meu nariz desde que ele inventou essa coisa infeliz de peixe-espada.

— Para dar de inocente — o rosto do Nico está vermelho, tão furioso quanto Hades das últimas vezes que eu o vi — Você largou a Hannah sozinha. Você deixou ela morrer!

Uma sombra passa pelo rosto do filho de Apolo, mas vai embora tão rápido quando chegou.

— Isso foi um ato falho. Um acidente que ainda irei consertar.

— Ah, vai — Nico cerra os dentes — Vai consertar no inferno, Solzinho.

— Já estou nele — ele abre os braços, mostrando a nossa volta — E daqui cara, vocês não vão me tirar.

— Lógico que vamos. Lá em cima você pode se achar, mas aqui embaixo eu que faço as regras.

Muke cruza os braços sobre o peito.

— O que te faz pensar que isso aqui é seu quintal?

Nico franze as sobrancelhas com o desvio do assunto.

— O que me faz... o quê?

— Isso mesmo que você ouviu, Playboy. O que te faz pensar que o Submundo pertence apenas ao seu pai e, consequentemente, a você? — ele ri sem humor, e o tom de deboche sai de sua voz — Você não pode me expulsar, pirralho. Não quando eu tenho tanto o direito de ficar aqui quanto você.

Meus neurônios, embora modestos, ficam em estado de alerta com sua fala. E então entendo o que ele quis dizer, embora não entenda por quê. E os possíveis porquês me deixam preocupado.

— Mas... você é filho de Apolo. Não tem como negar — digo — A aparência, o modo de vestir, de falar... É igual.

Muke me encara com cara de paisagem, e então grita pro nada.

— MÃE!

O ar ao nosso redor se torna esbranquiçado. Minha visão se embaça e quando consigo enxergar novamente, vejo que há uma mulher parada ao lado do Muke.

Ela me é dolorosamente familiar. É alta, usa um vestido prateado que vai até seus pés e tem também um véu sobre os cabelos lisos, que são metade brancos como neve e metade pretos como a noite. Seu rosto e o resto de seu corpo seguem o mesmo padrão, um lado é extremamente pálido e o outro é escuro como piche. Eu só havia visto essa mulher pessoalmente uma vez na vida, e assim como o Mundo Inferior no geral, eu não gostava dela.

— Melinoe?! — o queixo de Nico quase se desprende do resto do rosto ao olhar para a deusa dos Fantasmas — Como assim? Mas.. Não pode! Ela não pode ser sua mãe!

A mulher me fita de cara feia. Melinoe é conhecida por se transformar em fantasmas de pessoas que nós nos sentimos culpados pelas suas mortes, mas no dia que nós nos vimos, eu fui o único que não caiu nos seus truques de ilusão. Todos os meus amigos que haviam morrido naquela época estavam no Elíseo, o que me deixava em paz com eles.

— Ora essa, mas é lógico que ela pode ser minha mãe — Muke revira os olhos — Um casal bem diferente, admito, o deus Sol com a deusa dos Fantasmas. Mas fazer o quê, cada um com suas próprias surubas.

Melinoe semicerra os olhos pretos para o filho. E quando digo isso não quero dizer de íris pretas, mas sim completamente pretos.

— Muquêncio, isso não é jeito de falar sobre seus pais!

Ele suspira.

— Desculpa, mãe.

Nico cambaleia pra trás, ainda em choque, encarando Muke com o pânico estampado no rosto.

— Mas ser filho de dois deuses faria de você... — ele arregala os olhos castanhos e a voz some antes dele terminar a frase. Somente aí a ficha cai em mim, também.

— Um deus — completei — Di immortales, você é um também!

Muke ri de maneira debochada.

— Está começando a usar seu cérebro, peixe-espada! Mas é isso aí. Parabéns pela descoberta de que eu não sou só mais um filho de Apolo.

— Não é possível — Nico balança a cabeça em negação. Eu mesmo posso sentir meus batimentos se acelerando — Você está mentindo.

Melinoe sibila, e imagino que seja sua maneira bizarra de rir. Acho que tudo nela é bizarro.

— Essa foi uma frase bem adequada.

Muke coloca as mãos nos bolsos, suspirando.

— Ah, Nico di Angelo.. o único filho de Hades em todo o mundo. Depois desses dias, finalmente entendi porque seu pai tem tanta vergonha de você — Muke sorri como se soubesse de algo que nós, não — Sou o deus das mentiras, das ilusões e das distorções mentais, e olha que pela primeira vez a muito tempo eu dizendo a verdade — ele levanta os óculos escuros, e embora um de seus olhos continue de um castanho meio verde como antes, o outro tem a íris tão negra quanto os olhos da mãe — Também sinto contar que muito do que vocês viram nessas últimas semanas é apenas verdade distorcida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É agora que a porca vai começar a torcer o rabo, minha gente *risada de suspense*
Hasta la vista!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Deusa Perdida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.