A Eterna Alvorada escrita por psyluna


Capítulo 1
O que menos se espera.




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Um longo tapete de grama dourada e alta se estendia por aqueles campos. Os últimos raios de sol espalhavam sua cor pelo ar, tornando também as nuvens alaranjadas. O grande e luminoso astro procurava seu descanso atrás de distantes montanhas, mas parecia nunca dormir.

E, de fato, ali era o lar da Eterna Alvorada.

Era um lugar distante, oculto, mais incompreendido do que a própria mente humana.

Porque os olhos comuns não podiam enxergá-lo.

Ninguém sabia exatamente onde era, mas havia vida ali.

Mesmo que silenciosa e reflexiva a maior parte do tempo.

Um homem sentava-se sobre uma pedra, que se incrustava no solo. Suas pernas estavam cruzadas como as de um monge. Uma ou duas mechas de cabelo tinham caído sobre seus olhos inexpressivos, mas ele tirou-as dali antes que pudessem atrapalhar.

Quanto tempo já fazia desde que ele chegara ali?

Ele não sabia. Um dia ou um ano, três segundos ou duas décadas. Demarcar os ciclos era impossível e desnecessário.

Era coisa para os vivos, enfim.

Severo não tinha muito para fazer. Não sentia fome, frio ou calor. A chuva nunca lhe castigava, a solidão não era mais um incômodo.

Podia pensar à vontade, agir livremente, pois Deus e seus escolhidos estavam muito mais ocupados com outras coisas do que com uma alma humana qualquer.

Daquela vez, lembrava-se de um rosto.

Uma face que quase todo o tempo lhe ressurgia. De uma pessoa que, bem antes do que ele, tinha atravessado a fronteira entre os mundos e devia estar perdida em algum lugar, assim como ele.

O rosto de uma bela mulher.

Baixou os olhos do pôr-do-sol para a grama. Recordar-se dela era bom, mas doloroso. Trazia também memórias de sua juventude, de perdas, de erros. Ela tinha guiado suas ações em vida. Ela tinha feito seu destino.

Mesmo que não estivesse nem mesmo viva.

Por que se dedicar tanto a ela?

Uma pergunta sem resposta, e que ele não fazia questão alguma de um dia solucionar.

Com tais pensamentos na mente, deu um sorriso para o nada e voltou a erguer a cabeça.

Sabia que não era uma paixão. Não era um fogo passageiro. Era um elo que o prendia, semelhante a um fio. Ao contrário de uma corrente, o fio de união não o limitava. Dava-lhe forças para seguir em frente, com confiança, com certezas.

Era algo que os vivos certamente chamariam de amor.

Onde ela estaria, naquela hora?

Perto, muito perto.

Atrás do campo de visão de Severo, uma forma humana vinha caminhando pela planície. Vestia roupas leves e delicadas, que se esvoaçavam com a brisa.

A moça andava sem preocupação. Não tinha idéia de quem ou do quê ia encontrar naquelas bandas, mas, com certeza, nada seria de ruim. Não precisava ter medo.

De longe, avistou alguém sentado. Não podia dizer muito, pois via apenas uma mancha preta que anunciava ser um homem.

Porém, a cada passo, seu coração lhe dizia que era mais do que qualquer um.

         Resolveu aproximar-se e deixar que suas emoções lhe confirmassem.

         Severo ouvia pés pisoteando a grama. Não eram indecisos, mas nem por isso pesados.

         E estavam vindo em direção a ele.

         Sem pressa, virou o corpo para trás, não esperando que fosse ter uma surpresa.

         Era ela.

         Exatamente como se lembrava. Desde aquele dia de tragédia, ela não tinha ganhado uma marca de velhice. A morte não a destruíra.

         Chegou a achar que fosse um delírio ou sonho, mas tudo era possível.

         E, como em um conto fantástico, ele pôde ouvir sua voz.

         -Boa tarde.

         Um sorriso.

         Era daquilo que ele precisava para sentir-se completo.

         Mas nada respondeu ao cumprimento.

         -Você veio também.

         Sim, ele também tinha ido parar lá.

         Parecia uma ironia que se encontrassem ali, tão por acaso. A vida os tinha separado. A morte tinha colaborado para que ele nunca mais a visse, e, então, ela lhe dava aquele presente.

         Que brincadeira de mau gosto.

         Finalmente escolheu as palavras e disse:

         -Eu senti sua falta.

         Lily riu dele.

         -Por vinte anos?

         Ele também riu.

         -Vinte e dois.

         Ela sentou-se também, sobre os calcanhares.

         -Talvez mais.

         Severo deu de ombros.

         -Não dá pra saber.

Ele, por mais que o tempo tivesse passado, ainda ficava sem maneiras para falar com ela.

Havia uma pergunta que queria fazer. Queria, mas ao mesmo tempo não. Não sabia se reabriria antigas cicatrizes, ou se iria incomodar.

Pensou e pensou. E acabou fazendo-a.

-Você ainda me odeia, Lily?

Ela indignou-se, mas achou graça. Disse:

-Eu?

Severo não respondeu.

Lily soltou um suspiro, enquanto voltou-se o horizonte.

-Sabe, Severo...

O vento passava e balançava tanto a grama quanto as árvores.

-Uma das primeiras coisas que o tempo leva é o ódio.

Fechou os olhos.

-Eu não tinha motivo para não te perdoar.

         Não falaram durante alguns instantes.

Foi, para ele, uma surpresa. Mas também um alívio. Não havia mais aquela carga, o peso em sua consciência que o acompanhava todo o tempo.

E ele não soube como reagir, na hora.

         Até que Lily comentou:

         -Você disse...

         Distraiu-se ao ver as folhas voarem, mas voltou a falar.

         -Que tinha sentido saudades, não é?

         Severo confirmou com a cabeça.

         -Agora...

         Ela tentou elaborar o melhor jogo de palavras possível.

         -Nós temos toda a eternidade pela frente.

         Sem início certo, sem data para o fim.

         Assim é a vida.

         E, algumas vezes, assim é o amor.

         Eterno como a alvorada daquela planície.


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Notas finais do capítulo

22 anos = Contando a partir da briga dos dois no quinto ano.
Deixem comentários, seu bando de ingratos. ò_ó
Eu não leio as mentes perturbadas de vocês, digam o que acharam. Pode falar se estiver ruim, meu coração é de pedra haha